Capítulo XCVI do Caso Faroeste: “Interessa aos demandantes estranhos à presente lide, a demora no exame e conclusão do feito, por lhes facilitar a grilagem”, diz juíza sobre as terras da antiga Fazenda São José

Páginas da Sentença Judicial prolatada, em 17 de dezembro de 2018, pela juíza Marivalda Almeida Moutinho sobre a posse das terras da antiga Fazenda São José, situada em Formosa do Rio Preto, na região oeste da Bahia.
Páginas da Sentença Judicial prolatada, em 17 de dezembro de 2018, pela juíza Marivalda Almeida Moutinho sobre a posse das terras da antiga Fazenda São José, situada em Formosa do Rio Preto, na região oeste da Bahia.

Com exclusividade, o Jornal Grande Bahia (JGB) teve acesso a íntegra das 20 páginas da Sentença Judicial prolatada, em 17 de dezembro de 2018, na Comarca de Formosa do Rio Preto pela, à época, juíza substituta de 2º Grau Marivalda Almeida Moutinho, sobre o conflito fundiário-jurídico que ocorre no oeste da Bahia, concernente a Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo trâmite persiste por cerca três décadas no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), no qual são partes da disputa, como litigante, o empresário de Barreiras José Valter Dias e litigados, o Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores. Outra parte que emerge desta disputa judicial é o advogado Domingos Bispo, através da aquisição do direito de herança de alguns dos herdeiros do casal Suzano Ribeiro de Souza, morto em 1890 e Maria da Conceição Ribeiro, falecida em 1908, que tiveram como legítimos herdeiros os seguintes filhos e filhas:

   — Antônia Ribeiro de Souza (à época, casada com Luiz Ribeiro de Souza)

   — Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos;

   — Joana Ribeiro de Souza, 17 anos;

   — Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e

   — Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.

A longa duração processual permitiu a transmissão de posse precária de terras que fazem parte da antiga Fazenda São José e, com ela, denúncias de corrupção foram enviadas aos órgãos de controle do Sistema de Justiça, notadamente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), fato que resultou em ampla investigação federal e que teve como consequência os processos judiciais do Caso Faroeste, cujo conjunto de ações vai muito além do conflito inicial.

Longe do fim, a precariedade da posse das áreas concernentes aos 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José permanece como um estigma do Estado Brasileiro que, incapaz de exercer a função pacificadora por meio de decisão judicial, mantém sob conflito uma das mais importantes regiões agrícolas do país.

É neste contexto que o Jornal Grande Bahia selecionou alguns dos mais importantes trechos da decisão judicial prolatada, em 17 de dezembro de 2018, pela juíza Marivalda Moutinho.

O veículo de comunicação objetiva, com isso, trazer elementos fáticos verossímeis sobre o entendimento de alguém que, efetivamente, analisou as milhares de páginas do processo judicial, conforme demonstra a seguinte transcrição:   

— Trata-se de Ação de Manutenção de Posse ajuizada por José Valter Dias e sua mulher, Ildeni Gonçalves Dias, em desfavor de: Sociedade Agropecuária Vale Do Rio Claro Ltda; Algodoeira Goierê Indústria e Comércio Ltda; Alberto Yutaro Okamoto e sua mulher; Setuco Kato Omamoto; Vicente Mashairo Okamoto e sua mulher, Amélia Toyoko Okamoto; Julio Kenzo Okamoto e sua mulher, Yoshico Tanaka Okamoto; Sinezio Siroti e sua mulher, Fátima Sanches Siroti; e, Irineu Bento Demarchi e sua mulher, Maria Eliza Camilo Demarchi, todos devidamente qualificados na peça inicial.

— Arguem os Autores que são senhores e legítimos proprietários e possuidores, de forma mansa e pacífica a justo título de aquisição e de boa fé por cessão de direito de meação entre os autores e os herdeiros de Delfino Ribeiro Barros, escritura pública livro 9 fl. 128/129v, Município de Santa Rita de Cássia de 09/04/1985, art. 1.228 NCPC, que lhes dá oponibilidade erga omnes e jus perseguendi da área de terras denominada Fazenda São José, localizada no Município de Formosa do Rio Preto, registrada sob o nº de  Matrícula 1037, do Registro de Imóveis deste Município, cuja área de terra confronta-se ao Norte com o desaguador da Serra Geral, na divisa do Estado do Piauí com a Bahia; ao Sul com a margem esquerda do Rio Sapão; ao Leste com os sucessores de Suzano Ribeiro de Souza e sua mulher Maria Conceição Ribeiro, e ao Oeste com o divisor de águas da Serra Geral na divisa da Bahia com Goiás, atualmente Estado do Tocantins, que a sua posse encontra-se definida e caracterizada com picadas e posteamentos, não havendo molestamento desde o início do ano de 1985.

—Dizem ainda os autores, que os réus invadiram suas terras, praticando atos de turbação e esbulho, molestando assim a sua posse de forma violenta e de má fé, realizados atos de desmatamento, abertura de estradas, construção de galpões e casas, abertura de poços, tudo visando criar falsamente uma situação de posse, no ano de 1985.

— Sustentam que, apesar dos atos de turbação e de esbulho, continuaram os Autores na posse do imóvel, pelo que requerem a concessão de medida liminar de manutenção de posse inaudita altera pars, e ao final mantida em definitivo, além da condenação dos réus que reclamam a prática de indenização pelos danos materiais (emergentes) e das perdas e danos e dos lucros cessantes, conforme positivam os documentos instrutórios nos moldes requeridos. 

— Interessa aos demandantes estranhos à presente lide e não admitidos intervenientes sob qualquer natureza processual, a demora no exame e conclusão do feito, por lhes facilitar a grilagem processual como se verifica no imenso número de processos ajuizados e que tumultuam direta e indiretamente a celeridade de trâmite da presente ação de manutenção formulada pelos autores, provocando uma verdadeira Torre de Babel entre os próprios demandantes, já que não falam a mesma linguagem de causa de pedir e nem mesmo objeto alvo, confundindo-se como demandantes e demandados entre si.

— É notório que a celeridade processual nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a prestação jurisdicional, e no caso da demanda em exame pode se notar que o enfraquecimento da duração razoável do processo prolongando-se por aproximadamente 30 anos sacrificou direitos fundamentais das partes criando situações ilegais e extremamente injustas, além da excessiva demora gera um sentimento de frustração em todos que trabalham no processo.

— Por outro lado, a má fé dos réus e dos terceiros ditos interessados e não admitidos intervenientes na presente ação de manutenção de posse, constitui-se uma anomalia da má fé para dilação indevida do processo.

— Os atuais possuidores de imóveis dentro da área maior objeto desta ação propuseram ações múltiplas de usucapião, escorando-se no fundamento de que os Autores abriram mão da discussão acerca da natureza e da qualidade da posse e que, por isso, teriam direito a ver reconhecida sua aquisição originária da propriedade por usucapião, verdadeira grilagem procedimental e legal.

— O que, lá no início, quando esta ação foi proposta, se apresentou como uma demanda possessória envolvendo os Autores e doze Réus, depois de mais de três décadas, acabou se tornando uma discussão possessória entre os mesmos Autores e talvez uma centena de Réus e demandantes que não trazem precisão exigível de fato e de direito. O processo, é certo que não pode ter o objetivo do enriquecimento ou proporcionar um avantajamento por mais forte razão, deve ser equitativa a reparação do dano material para que não se converta o sofrimento em móvel de captação de lucro.

— Ocorreu que quase a totalidade dos atuais possuidores conseguiram encontrar a solução administrativa e resolver o problema da posse através de uma composição extrajudicial.

— Continuar, pois, apreciando o feito sem levar em conta o que aconteceu de fato na relação entre os Autores e aqueles que estavam na posse individualizada de frações do imóvel objeto da ação é inadequado, para não dizer impossível.

— A babilônia processual de litigância maliciosa existente nos autos por parte não só dos réus remanescentes aos ajustes do acordo, criou uma confusão de específica prejudicialidade a marcha do processo estimulando a morosidade apropriação da coisa alheia pelos especificados maliciosos integrantes da lide e dos ditos terceiros interessados e não intervenientes admitidos.

— Se o tumulto processual se operou maliciosamente não conseguiu e nem trouxe desequilíbrios, incertezas e mutações aos direitos dos autores, legítimos proprietários e possuidores, porque estão presentes as provas nos autos da posse exercida na área da Fazenda São José e uma vontade, que sobre ela exerce corpus e animus elementos da posse que atravessaram os anos da duração do processo e resistiram as turbações e esbulhos à posse e ao processo.

— Cuida-se de demanda proposta originalmente contra doze Réus: Sociedade Agropecuária Vale Do Rio Claro Ltda, Algodoeira Goierê Indústria e Comércio Ltda, Alberto Yutaro Okamoto, Setuco Kato Omamoto, Vicente Mashairo Okamoto, Amélia Toyoko Okamoto, Julio Kenzo Okamoto, Yoshico Tanaka Okamoto, Sinezio Siroti, Fátima Sanches Siroti, Irineu Bento Demarchi e Maria Eliza Camilo Demarchi.

— Da leitura dos autos, tem-se que os Réus foram devidamente citados ainda no início da demanda, tendo, absolutamente todos, comparecido ao processo.

É cediço que o ato citatório tem uma função dúplice: de chamar o Réu para comparecer em Juízo e para que ele tome ciência da existência de uma demanda ajuizada contra si.

— Os acordos firmados mostram que a posse, então cerne da discussão nesta lide, foi negociada, em todos os casos, somente com os Autores, o que sinaliza categoricamente a admissão pública da posse do autor José Valter Dias e sua esposa Ildeni Gonçalves Dias sobre o imóvel e, pelo outro lado, o não reconhecimento da posse dos Réus.

— Tornou-se evidente, é de bom alvitre salientar, que não houve resistência por parte dos Réus à alienação ou à renúncia da posse das inúmeras áreas objeto da lide nestes autos, formando-se aí o forte subsídio para a procedência do pleito autoral.

— Tanto é verdade que os Réus iniciais contestantes se prestaram a tecer dezenas de páginas a respeito de máculas existentes no título dos Autores ou na matrícula por eles apresentada, quando, em verdade, tais argumentos não detêm a mínima importância neste processo, porquanto não dizem respeito à posse.

— Reforça-se: a discussão nestes autos se limita à posse. Assim, a posse autoral poderia até mesmo ser injusta ou clandestina, mas não poderia, jamais, ser atacável com argumentos sobre o título ou ausência de título justo etc. Isso porque, em possessória, não se discute a natureza ou a qualidade da posse, mas a existência ou não da posse.

— Tem-se, nessa conjuntura, que os Réus originários, em nenhum momento, conseguiram fugir dessa discussão a respeito do título dos Autores, ao passo que deveriam ter se concentrado na existência ou não da posse.

— Não se visualiza, em nenhum momento, a insurgência por parte da Família Okamoto contra os acordos realizados entre os Autores e os produtores/posseiros que ajuizaram as ações de usucapião, não existindo, pois, elementos nos autos que se permita concluir terem os Réus originários, no momento presente, qualquer posse sobre o objeto imóvel da demanda.

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