Capítulo XCIX do Caso Faroeste: A decisão do STJ no Recurso Especial sobre usucapião e a inaplicabilidade na disputa pelas terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

O ministro do STJ Villas Bôas Cueva atuou como relator do Recurso Especial nº 1.361.226-MG que aborda usucapião.
O ministro do STJ Villas Bôas Cueva atuou como relator do Recurso Especial nº 1.361.226-MG que aborda usucapião.

Em 5 de junho de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 1.361.226-MG, fixando o entendimento que o prazo para usucapir uma área pode ser completado durante o curso da ação de usucapião. Com isso, foi decidido que é possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel na hipótese em que o requisito temporal (prazo para usucapir) previsto em lei é implementado no curso do processo judicial, mesmo que o proprietário do terreno apresente defesa no feito.

A explicação é apresentada pelo jurista que subsidia o Jornal Grande Bahia (JGB) com análises, fatos e documentos sobre o Caso Faroeste e o conflito fundiário-jurídico iniciado na década de 1980, que resultou na Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo tramite ocorre no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), no qual são partes da disputa, como litigante, o empresário de Barreiras José Valter Dias e litigados, o Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores e, terceiro interessado, o advogado Domingos Bispo e que permanece pendente de julgamento definitivo.  No centro da disputa judicial estão os 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, situadas na zona rural de Formosa do Rio Preto, município da região oeste da Bahia.

O jurista prossegue com a análise relatando que, com a decisão do STJ se estabeleceu que a contestação não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo invasor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. Então, a interrupção do prazo da prescrição aquisitiva somente poderia ocorrer na hipótese em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si.

Assim, se uma pessoa passa a exercer a posse de uma área que não a pertence, ela pode adquirir a propriedade se ocupar esse local pelo prazo estabelecido para a usucapião. Entretanto, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, se o posseiro entrar com a ação de usucapião sem ter ocupado a área pelo tempo necessário, é possível que o requisito temporal seja cumprido durante o trâmite da ação, ainda que o proprietário apresente defesa no processo.

Muito se tem falado sobre a aplicação desse entendimento ao caso da Fazenda São José. Assim, conforme se pretende fazer acreditar, os ocupantes das terras da Fazenda São José teriam direito a usucapir a área, pois apesar de existir uma ação em curso o período de usucapião teria se completado durante o curso da ação.

Entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça não pode ser aplicado ao caso da Fazenda São José, não sendo possível falar em usucapião das terras.

Conforme foi amplamente divulgado, as terras da Fazenda São José eram objeto de ocupação por José Valter desde 1981. Entretanto, em 1984, munidos de uma certidão de propriedade oriunda de fraude cartorária, a família Okamoto ocupou as áreas da Fazenda São José. Assim, após as inúmeras tentativas frustradas de resolver extrajudicial a ocupação irregular, José Valter Dias ajuizou, em 1985, ação de reintegração de posse em face dos Okamoto.

Ocorre que ajuizamento da ação de reintegração de posse a menos de um ano e um dia da ocupação irregular é capaz de obstar o curso da prescrição aquisitiva, impedindo que o prazo para aquisição da área por usucapião continue a fluir.

Isso porque enquanto a ação de usucapião tem natureza meramente declaratória, a ação de reintegração posse tem natureza executiva, garantindo que a pessoa retome a posse de uma área que foi retirada injustamente. Ainda, ao ajuizar a reintegração de posse, o possuidor esbulhado de sua posse apresenta uma oposição à posse ilícita daqueles que entraram clandestinamente na área. Então, ao ajuizar a ação de reintegração de posse, José Valter Dias manifestou sua oposição à ocupação da área, impedindo que os requisitos à aquisição por usucapião pudessem ser atingidos.

Facilmente se observa, assim, que a situação da Fazenda São José é diferente daquela fincado no precedente do Superior Tribunal de Justiça. No caso analisado pelo tribunal, o proprietário da terra não ajuizou a ação de reintegração de posse, tendo apenas apresentado defesa na ação de usucapião. O caso se diferencia, portanto, das terras da Fazenda São José, onde José Valter Dias expressamente manifestou seu repúdio à ocupação da terra a ponto de ajuizar uma ação de reintegração de posse contra os ocupantes.

Com isso, toda e qualquer alegação de usucapião da área deve ser afastada, pois com o ajuizamento da reintegração de posse em 1985 por José Valter Dias não pode mais ocorrer o prazo para a aquisição das terras pela usucapião, seja em nome dos Okamotos ou seja, posteriormente, em nome dos adquirentes que os sucederam na posse.

Próximo capítulo

O Capítulo 100 (C) do Caso Faroeste narra a paralisação da Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081 e o favorecimento a quem, sem o devido título da terra, continua produzindo nas áreas da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.

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