A partir da análise do jurista que acompanha o conflito fundiário-jurídico envolvendo os cerca de 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, situadas em Formosa do Rio Preto, na região oeste da Bahia, foi narrado no Capítulo 103 (CIII) do Caso Faroeste os novos rumos do trâmite dos processos que discutem a posse e propriedade sobre o imóvel rural, no contexto do processo iniciado na década de 1980, que resultou na Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo trâmite ocorre no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), no qual são partes da disputa, como litigante, o empresário de Barreiras José Valter Dias e litigados, o Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores e, terceiro interessado, o advogado Domingos Bispo e que permanece pendente de julgamento definitivo. No centro da disputa estão os cerca de 360 mil hectares de terras.
Ocorre que com a decisão do conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Richard Pae Kim — proferida em 22 de agosto de 2022, no processo nº 0007396-96.2016.2.00.0000, na qual afirma que os magistrados de primeiro e segundo grau do PJBA “são livres para decidirem segundo seu convencimento e as provas dos autos, não havendo que falar em observância à decisão ou ao entendimento do Conselho Nacional de Justiça” — novos desdobramentos judiciais passam a incidem sob as ações.
É neste contexto que é apresentado o Capítulo 104 (CIV) do Caso Faroeste, no qual é abordado os reflexos na concessão de tutela de urgência ao grupo Bom Jesus Agropecuária, em decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), sobre as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.
Capítulo 104 do Caso Faroeste: Os reflexos da nova decisão do CNJ na concessão de tutela de urgência à Bom Jesus Agropecuária proferida pelo TJBA
No dia 6 de junho de 202,2 a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) deu provimento Agravo de Instrumento nº 0006873-11.2017.8.05.0000, interposto pela empresa Bom Jesus Agropecuária Ltda. A decisão, de relatoria da desembargadora Silvia Carneiro Santos Zarif, cassou a decisão liminar proferida pelo juiz de Direito Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, que garantia a posse da Fazenda São José à José Valter Dias.
Nas quatro páginas do voto da desembargadora Silvia Zarif, ficou estabelecido que inexistiriam os requisitos autorizadores para a concessão da medida liminar, qual seja a probabilidade do direito e o perigo de dano. O voto da relatora foi acompanhado pela desembargadora Maria de Lourdes Pinho Medauar e pelo juiz convocado Gustavo Silva Pequeno.
Ao reformar a decisão liminar que beneficiava José Valter Dias, a desembargadora Silvia Zarif alegou que a probabilidade do direito do Grupo Bom Jesus Agropecuária estaria na decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proferida no Pedido de Providências de nº 0007396-96.2016.2.00.0000, que determinou o restabelecimento das matrículas dos imóveis de nº 726 e 727.
Ao proferir seu voto, além de não se atentar que a decisão do CNJ não convalidou as matrículas fraudadas, esqueceu-se a aesembargadora que a própria decisão do Conselho Nacional de Justiça reconheceu que as matrículas 726 e 727 tiveram origem em uma fraude documental, sendo que o que se reconheceu foi apenas que as matrículas deveriam ser anuladas através de processo judicial onde fosse permitido o contraditório e a ampla defesa.
Conforme é reiteradamente trazido no âmbito desta série, o “outro lado” do processo do empresário de Barreiras é composto por grileiros que se utilizaram de um atestado de óbito falsificado para dar entrada em um processo de inventário e grilar a terra que, em tese, pertence a José Valter Dias.
A falsidade é reconhecida até no voto-vista da conselheira do CNJ Maria Tereza Uille que afirmou sobre as matrículas nº 726 e 727:
— Suzano Ribeiro de Souza veio a falecer em janeiro de 1890. Deixou como sucessores:
— Maria da Conceição Ribeiro (viúva), a qual veio a óbito em 1908[2];
— Antônia Ribeiro de Souza (filha);
— Raimundo (filho);
— Joana (filha);
— Maria (filha); e
— Domingos Suzano Ribeiro (filho)
— Os documentos acostados aos autos ratificam a compreensão de que a partilha de bens correu no Juízo de Corrente- PI, homologada em 2.9.1890 (Ids 2085404, fl. 9, e 2085406 a 2085411).
— Entretanto, no ano de 1978, como se verá adiante, a feitura de um assentamento falso de óbito de Suzano Ribeiro de Souza, promovido aproximadamente 85 anos após seu falecimento, engendrou a abertura de inventário fraudulento (o Inventário 2703/1978); a prática de inúmeros registros de matrículas (matrículas 726, 727 e outras); discussões judiciais acerca de propriedade e posse, das quais se destaca a Ação Possessória 00000157-61.1990.8.05.0081 relacionada pelo ilustre Relator em seu voto; propositura de ação de nulidade de assentamento de óbito pelo Ministério Público do Estado da Bahia (Processo Judicial 1781, de 2005); e a edição de Portarias pelo TJBA, para fins de controle administrativo das matrículas, dentre as quais, a Portaria CCIBA 105/2015, objeto dos PP 7396-96 e 7368-31.
Ainda, no próprio voto da conselheira Maria Uille, ela reconhece a existência de decisão judicial transitada em julgada que determinou a nulidade do assento de óbito de Suzano Ribeiro:
— Ante todo o exposto, requer ã V. Exa., que aprecie de ofício o quanto trazido ao conhecimento de V. Exa., por este agente do MP, para declarar a nulidade do assento de óbito de nº 169, lavrado às 169 do livro de Registro de Óbitos “C”, de 15/09/1977, no cartório de Registro Civil desta Comarca de Corrente-PI, com posterior publicação em edital, tornando-se público está nulidade, oficiando-se o competente cartório de registro civil para averbação na forma da lei, com as devidas intimações.
— O pedido foi julgado procedente pelo Juízo da Comarca de Corrente-PI (j. 31.8.2006), ocasião em que também se determinou ao 2º Cartório do Registro Civil a averbação da sentença e adoção das medidas necessárias à sua efetivação. Eis o seu dispositivo (Ids 205411, fl. 6, 2085411, fl. 10, e 2085405, fls. 7/9):
— Ex-positis, tendo em vista o que dos autos conste e em consonância com o parecer favorável do Ministério Público, e considerando as determinações emanadas dos arts. 82, III e 1.111 do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido, para determinar ao 2º Cartório do Registro Civil competente desta Comarca, que se proceda à pretendida nulidade do registro de óbito de Suzano Ribeiro de Sousa, levando-se a efeito a necessária averbação, cumprindo-se as demais formalidades essenciais à plenitude do ato. (Grifei)
— A cadeia dominial do imóvel e as certidões cadastradas sob as Id 2872186 e 2872187 corroboram o teor dessas circunstâncias e sintetizam a situação.
Portanto, a existência de uma nulidade absoluta apta a ensejar o cancelamento das matrículas nº 726 e 727 pertencentes ao Gruopo Econômico dos Okamoto e sucessores seria fato indiscutível e incontroverso, embora tenha sido ignorado pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA).
O Grupo Econômico dos Okamoto – e os supostos 300 agricultores que os sucederam – não podem ser considerados proprietários das terras, pois eles têm uma matrícula fraudada, reitera o jurista no argumento.
Ainda, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em atendimento da determinação proferida no Acompanhamento de Cumprimento de Decisão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça nº 0007396-96.2016.2.00.0000 (Matrículas 726 e 727) e Pedido de Providência nº 0009541-23.2019.2.00.0000 (João Alfredo dos Santos), pela Conselheira Maria Tereza Uille Gomes.
Os achados a respeito das matrículas 726 e 727 apenas comprovam o que vem sendo denunciado há tempo. Inicialmente, houve o desmembramento da 726 e abertura de novas matrículas para áreas que, de fato, nunca foram divididas, já que alienadas a um único proprietário.
Não bastasse o que já havia de provas à época, a nova decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça em 22 de agosto de 2022 também reforçou que o CNJ jamais se debruçou sobre as questões de mérito da matrícula 726 e 727.
Assim foi expresso na decisão do conselheiro do CNJ Ricard Pae Kim, no sentido de que o CNJ jamais convalidou as matrículas 726 e 727:
— A decisão é clara: o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no exercício da competência a ele atribuída pelo art. 103, §4º da Constituição da República, analisou única e exclusivamente o cancelamento administrativo das matrículas n. 726 e 727 levado a cabo por meio da Portaria TJBA n.º 105/2015.
—Tendo entendido que tal cancelamento, da forma como feito, padecia de vícios, anulou a sobredita portaria e determinou que o tribunal baiano se abstivesse de promover o cancelamento administrativo das matrículas já indicadas.
— A decisão do CNJ em momento algum pretendeu orientar, balizar ou vincular qualquer decisão judicial acerca da situação desses imóveis, tanto por não ser atribuição deste órgão de controle, como pelo fato de que, o que se apurou e examinou nestes autos foi única e exclusivamente a situação do cancelamento administrativo.
Esclareceu ainda:
— A Carta Magna é clara: compete a este Conselho apenas e tão somente o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.
— E isso é que foi feito: o controle de um ato administrativo praticado por um órgão do Poder Judiciário (Portaria TJBA n. 105/2015), com a declaração de sua nulidade e a determinação de restabelecimento do status quo ante, sem prejuízo de decisões judiciais em sentido contrário, posto constituírem searas distintas.
Por óbvio, diante deste novo fato, cai por terra a fundamentação utilizada pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia no Agravo de Instrumento nº 0006873-11.2017.8.05.0000 interposto pela empresa Bom Jesus Agropecuária Ltda.
O voto vencedor da desembargadora Silvia Zarif foi fundamentado na suposta existência de probabilidade do direito da Bom Jesus Agropecuária, que estaria explicitado na decisão do Conselho Nacional de Justiça proferida no Pedido de Providências de n. 0007396-96.2016.2.00.0000, que determinou o restabelecimento das matrículas dos imóveis de n. 726 e 727.
Se agora o próprio Conselho Nacional de Justiça vem para explicar que jamais convalidou os vícios e que a discussão deve se ater ao viés judicial, inexiste fundamento para que se mantenha a decisão favorável à Bom Jesus Agropecuária, conclui o jurista.
Próximo capítulo
Capítulo 105 (CV) do Caso Faroeste a reconsideração da decisão do Conselho Nacional de Justiça e a atribuição do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), no contexto do conflito fundiário-jurídico sobre as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, a partir da decisão proferida em 22 de agosto de 2022, no processo nº 0007396-96.2016.2.00.0000, pelo conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, na qual afirma que os magistrados de primeiro e segundo grau do PJBA “são livres para decidirem segundo seu convencimento e as provas dos autos, não havendo que falar em observância à decisão ou ao entendimento do Conselho Nacional de Justiça”.
Baixe
Leia +
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




