Capítulo 126 do Caso Faroeste: A petição que pede fim do sigilo do processo envolvendo a disputas de terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

O litígio em torno das terras da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, na Bahia, permanece em aberto desde a década de 1980 e as partes envolvidas estão em uma nova fase do processo judicial de Reintegração de Posse. Formulado em 16 de fevereiro de 2023, pedido de sigilo da ação levanta questionamentos.
O litígio em torno das terras da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, na Bahia, permanece em aberto desde a década de 1980 e as partes envolvidas estão em uma nova fase do processo judicial de Reintegração de Posse. Formulado em 16 de fevereiro de 2023, pedido de sigilo da ação levanta questionamentos.

Os 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, região oeste da Bahia, permanece sob litígio judicial desde meados da década de 1980. As três partes envolvidas na demanda enfrentam nova fase processual a partir de decisão prolatada pelo juízo da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais de Formosa do Rio Preto.

O Processo de Reintegração de Posse nº 0000157-61.1990.8.05.0081, foi distribuído em 29 de maio de 1990, com valor estipulado em CR$ 500 milhões. Inicialmente, a ação tramitou na Comarca de Santa Rita de Cássia, mas, atualmente, tramita na Comarca de Formosa do Rio Preto.

A demanda pede julgamento sobre imissão de posse e as partes envolvidas são os apelantes José Valter Dias e Ildeni Gonçalves Dias, proprietários da matrícula cartorial de nº 1037 e como apelados o Grupo Econômico dos Okamoto, proprietários das matrículas cartoriais de nº 726 e 727. O Ministério Público da Bahia (MPBA) surge como terceiro interessado, além de outros.

Na documentação processual enviada por fonte ao Jornal Grande Bahia (JGB) não consta como terceiro interessado o advogado Domingos Bispo. Ele alega ter adquirido os direitos hereditários (cessão de herança) da maior parte dos sucessores do casal Suzano Ribeiro de Souza (†1890) e Maria da Conceição Ribeiro (†1908), proprietários da matrícula cartorial de nº 54, registrada em 20 de junho de 1887.

A retomada do Acordo Judicial de 2012

Em decisão recente, o magistrado da 1ª Vara Cível de Formosa do Rio Preto reafirmou a legalidade do Acordo Judicial celebrado, em 2012, entre os Dias e os Okamoto. Ocorre que, em tese, existe:

    • Incidência absoluta de fraude nas matrículas cartoriais de nº 726 e 727 utilizadas pelos Okamoto para garantir a posse e propriedade das terras;
    • O casal Dias, detentor da matrícula de nº 1037, com posse correspondente a 25% dos 360 mil hectares de terras, vendeu, após o Acordo Judicial de 2012 com os Okamoto, parte das terras;
    • Os Okamoto venderam partes das terras à terceiros;
    • Existe sobreposição de áreas e matrículas;
    • Existem grupos econômicos que ocupam as terras e que reivindicam Usucapião Tabular;
    • Existem terras não ocupadas e não exploradas, cuja posse e propriedade pode não pertencer ao Casal Dias, pois eles apenas adquiriram de 1 dos 5 herdeiros do casal Ribeiro a Cessão de Herança.  Observa-se que um dos filhos do casal Ribeiro faleceu jovem, sem deixar herdeiros, o que reduz para 4 o número de filhos, filhas e sucessores do casal Ribeiro.
    • Existem terras não ocupadas e não exploradas pelo Grupo Econômico dos Okamoto e que são reivindicadas a partir das fraudes envolvendo as Matrículas Cartoriais de nº 726 e 727; e
    • Existe possível exclusão da cadeia sucessória de 3 filhos e filhas do Casal Souza representados em sessão de herança pelo advogado Domingos Bispo.

Petição pela homologação de acordo e sigilo

Em16 de fevereiro de 2022, os advogados Fredie Didier Jr (OAB/BA 15.484), Iran Furtado Lucas Lima (OAB/BA 15.170) e Lucas Lima (OAB/BA 45.352) peticionaram ao juízo da 1ª Vara Cível de Formosa do Rio Preto, sobre a Ação de Reintegração e Manutenção de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, informando que que as partes envolvidas — Casal Dias e Grupo Econômico dos Okamoto — chegaram a um acordo para resolver o conflito, delimitando precisamente quais áreas serão destinadas a cada parte e detalhando as obrigações.

As partes solicitaram a juntada e homologação do acordo, extinguindo o processo com resolução de mérito. Além disso, pediram que seja mantido o Segredo de Justiça do Acordo Judicial, devido à obrigação de confidencialidade e à natureza sigilosa de alguns dos documentos juntados.

Petição para denegar sigilo e garantir direitos

Em 22 de fevereiro de 2023, terceiros interessados, a partir dos advogados constituídos, peticionaram ao juízo da 1ª Vara Cível de Formosa do Rio Preto requerendo que fosse denegado o sigilo do processo judicial e dos documentos juntados, liberado acesso aos documentos juntados pelo advogados constituídos pelo Casal Dias e os Okamoto, e adotadas Medidas Cautelares a fim de resguardar o direito dos terceiros adquirentes de boa-fé das áreas correspondentes a matrícula 1.037, cujas matrículas 726 e 727 recaem em sobreposição, nos seguintes termos:

— Por todo o exposto, requer:

    1. Que o requerimento de segredo de justiça seja indeferido, tendo em vista que não se enquadra nas hipóteses legais de cabimento previstas no art. 189, I a VI, do CPC/2015;
    2. Que seja imediatamente liberado o acesso deste requerente e de seus advogados constituídos, que subscrevem esta petição, aos documentos eletrônicos anexados à petição de ID 365770795, conforme determina o art. 189, §1º, do CPC/2015.
    3. Reiteram, outrossim, sejam adotadas medidas cautelares a fim de resguardar o direito dos terceiros adquirentes de boa-fé das áreas da matrícula 1.037, cujas matrículas 726 e 727 recaem em sobreposição, tal como postulado aos Ids. 355334124 e 355334155.

Advogados argumentam sobre fim do sigilo

Os juristas explicam, na peça processual de 22 de fevereiro de 2023, que o sigilo bancário e fiscal de documentos em processos judiciais deve ser preservado para a consulta exclusiva das partes e seus advogados, conforme destacado pelo autor em análise sobre a proteção de dados. A revelação dessas informações pode justificar o segredo de justiça parcial do processo, permitindo a preservação dos dados, geralmente armazenados em pastas próprias da unidade.

Em relação ao acesso aos autos pelas partes e seus advogados, não há nenhuma hipótese excepcional de restrição, a menos que seja necessária para produção de prova ou cumprimento de ordem judicial.

A doutrina de Dinamarco também ressalta a importância da publicidade do processo para garantir o contraditório e a ampla defesa das partes. A restrição da publicidade só é justificada em situações excepcionais e por um período curto.

O peticionamento sigiloso de documentos é justificável somente entre as partes, respeitando o princípio da eficácia interna dos contratos. Se as partes convencionaram o “sigilo” de suas tratativas, tal sigilo só pode ser aplicado entre elas, não atingindo terceiros.

No entanto, se um contrato tem efeitos que interferem nos direitos de terceiros, como um contrato com eficácia real, é mandatório que as partes afetadas tenham acesso aos seus termos.

Nesse contexto, terceiros têm interesse jurídico no acesso integral aos documentos relacionados a um suposto acordo, especialmente na petição que detalha as áreas adquiridas por este requerente a partir da matrícula 1.037, cuja validade foi reconhecida pelo juiz responsável.

Tentativa de homologação de fraude sobre terras da Fazenda São José é destaque no capítulo 125 do Caso Faroeste

No Capítulo 125 do Caso Faroeste, a petição de 16 de fevereiro de 2023 chama a atenção por, em tese, tentar homologar uma fraude sobre as terras da antiga Fazenda São José, localizada em Formosa do Rio Preto, na Bahia.

A petição de 16 de fevereiro de 2023 busca a homologação de acordo extrajudicial celebrado entre as partes envolvidas na disputa pela posse das terras. No entanto, a suspeita de fraude paira sobre o acordo, uma vez que a área em questão foi objeto de diversos processos judiciais e apresenta uma série de irregularidades na titularidade cartorial, ainda não saneadas.

As terras da antiga Fazenda São José é uma das propriedades rurais que estão no centro do escândalo de venda de sentenças no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), que resultou na prisão de diversos magistrados e empresários do ramo imobiliário. A suspeita é de que a área tenha sido objeto de grilagem, com a participação de agentes públicos e privados.

O Caso Faroeste envolve, entra outras questões, investigação federal em andamento que apura a existência de uma organização criminosa que atuava na venda de decisões judiciais para favorecer grileiros de terras no oeste da Bahia. A operação, deflagrada em 2019, resultou em diversas prisões e afastamentos de magistrados, servidores, empresários, advogados e outros envolvidos no esquema.

A petição apresentada de 16 de fevereiro de 2023, com pedido de sigilo judicial, reacende a discussão sobre a regularização fundiária na região oeste da Bahia e a necessidade de investigação e punição dos envolvidos em fraudes e grilagens de terras.

Síntese do Caso Faroeste: Dias x Okamoto x Bispo e as terras da antiga Fazenda São José

Iniciado na década de 1980, o conflito fundiário-jurídico resultou na Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo trâmite ocorre no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA).

A disputa pelos 360 mil hectares de terra, área equivalente ao município de Salvador, é de longa trajetória no tempo e, até o presente momento, o Poder Judiciário não decidiu quem é o verdadeiro proprietário e a quem deve ser dada a posse. É possível estabelecer, como data de início do processo, o pagamento das custas realizada, em 22 de julho de 1985, pelos autores da ação José Valter Dias e Ildeni Gonçalves Dias.

A exploração das terras ocorre a partir de um sistema de posse precária, fundada em decisões judiciais em contestação. Fato que cria obstáculos à expansão agrícola e a paz social.

Quem disputa as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

Atualmente, existem três polos reivindicando a propriedade da área, a saber:

    • O primeiro polo é composto por José Valter Dias e a esposa, que alegam ter adquirido a Fazenda São José pela matrícula nº 1037.
    • O segundo polo é composto pelo Grupo Okamoto e os sucessores, que adquiriram os imóveis de matrícula nº 726 e 727.
    • Por fim, quem também reivindica a propriedade da área é o advogado Domingos Bispo, alegando ser o representante dos sucessores de Suzano Ribeiro de Souza (†1890), com a matrícula nº 54, registrada em 20 de junho de 1887.

Domingos Bispo ingressa na disputa judicial com atraso de três décadas em relação a demanda de José Valter Dias e de mais de um século, se levado em consideração a data da morte e abertura do inventário do casal Souza.

Os primeiros registros cartoriais das terras da antiga Fazenda São José

Datada do final do Século 19 (XIX), a compra das terras da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, município situado no oeste da Bahia, ocorreu em 20 de junho de 1887 e foi formalizada por Suzano Ribeiro de Souza, que adquiriu de Anna Felícia de Souza Miranda. Este fato consta no Registro Cartorial de nº 54, lavrado no antigo livro de Transcrição dos Imóveis, no qual está lançada a compra e venda da Fazenda São José, pelo Tabelionato de Notas da Comarca de Santa Rita de Cássia. Na época, a Comarca abrangia, também, o município de Formosa do Rio Preto.

  • Em janeiro de 1890, morre Suzano Ribeiro de Souza e em 18 de fevereiro de 1890 é iniciado o processo de inventário dos bens.
  • Em 1908, faleceu Maria da Conceição Ribeiro, viúva de Suzano Ribeiro de Souza, e um novo inventário foi aberto.
  • O casal deixou como herdeiros: Antônia Ribeiro de Souza (à época, casada com Luiz Ribeiro de Souza); Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos; Joana Ribeiro de Souza, 17 anos; Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.

O que diz o Relatório das Matrículas 

A mando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi elaborado o Relatório de Mapeamento de Matrículas dos Cartórios de Registros de Imóveis, pela Corregedoria Geral da Justiça e Corregedoria das Comarcas do Interior do PJBA. O documento foi protocolado sob o número 477/2020, com data de 29 de janeiro de 2020, traz análise sobre vários registros cartoriais.

De posse do relatório, que foi enviado por fonte, o Jornal Grande Bahia, o veículo de imprensa destaca a inspeção feita nos registros 1037, 726 e 727 que se encontram em sobreposição.

A terras reivindicadas pelo casal José Valter Dias e Ildeni Gonçalves Dias

— A matrícula nº 1037 [reivindicado por José Valter Dias] é oriunda da matrícula nº 3194 (sem indicação de área e registro anterior). A matrícula 3194 origina-se indicando o quinhão de Delfino Ribeiro de Barros, proveniente do arrolamento de seu pai Eustáquio Ribeiro de Barros, datado de 1º de setembro de 1915.

Em síntese, tendo em vista que são 5 os herdeiros do Casal Souza e que o direito de herança foi adquirido pelo casal Dias de apenas 1, — e que 1 dos herdeiros do Casal Souza morreu ainda jovem sem deixar herdeiros, —  pode-se inferir que o Casal Dias tem direto a 25% das terras, ou seja, a 90 mil hectares das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.

A partes remanescentes das terras estão sendo pleiteadas pelo advogado Domingos Bispo, que apresentou documento de cessão de herança dos demais herdeiros do casal Suzano Ribeiro de Souza (†1890) e Maria da Conceição Ribeiro (†1908).

As terras reivindicadas pelo Grupo Econômico dos Okamoto

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA) tem conhecimento de que as terras pleiteadas pelo Grupo dos Okamoto têm como base as matrículas cartoriais de nº 726 e 727. Ocorre que ambas são oriundas de duas fraudes:

    • O falso atestado de óbito Suzano Ribeiro de Souza;

— O registro de óbito fraudulento teria sido lavrado em 1977, quando havia, inclusive, tramitado o inventário de Suzano há 87 anos, nos idos de 1890, no qual restou partilhada a Fazenda São José, entre a esposa Maria Conceição Ribeiro e dos 5 filhos do casal. Partilha homologada em 2 de setembro 1890. — Diz Corregedoria Geral da Justiça do PJBA

    • A promoção de fraudulento inventário que excluiu os herdeiros do casal Suzano Ribeiro de Souza e Maria da Conceição Ribeiro, proprietário originários da terra, com registro cartorial datado de 20 de junho de 1887.

A fraude que originou as matrículas cartoriais de nº 726 e 727, usadas pelos Okamotos, foi julgada pelo Judiciário, que reconheceu como absolutas. Acrescenta-se o fato de que foram abertos os inventários do casal, em 18 de fevereiro de 1890, de Suzano Ribeiro de Souza e em 1908, da viúva Maria da Conceição Ribeiro. Eles deixaram como herdeiros: Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos; Joana Ribeiro de Souza, 17 anos; Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.

Conheça conceitos jurídicos

Usucapião Tabular

Trata-se de modalidade inédita de prescrição aquisitiva, cujos requisitos são aquisição a título oneroso, com base no registro, posteriormente cancelado, somado à moradia ou investimentos de interesse social e econômico, o que nada mais é do que a função social da propriedade.

Cessão de Herança

O que é a cessão de direitos hereditários? A cessão de direitos hereditários consiste na transferência da herança de que é titular o herdeiro para uma terceira pessoa. Ao contrário da renúncia, que será sempre abdicativa e gratuita, a cessão poderá ser gratuita e onerosa.

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