O fim da soberania | Por Luiz Holanda

Vladimir Putin, presidente da Rússia.
Vladimir Putin, presidente da Rússia.

Ao invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022, a Rússia sabia que os demais países a acusariam de violar os tratados de Paz do Pós-!! GM, que condena toda e qualquer violação da soberania nacional feita sem a aprovação ou consentimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Apesar disso, nenhum país condenou a Inglaterra nem a França quando estas invadiram o território do Egito e ocuparam o Canal de Suez, em 1956, sem o consentimento do Conselho de Segurança.

Nesse mesmo ano a União Soviética invadiu a Hungria, para tempos depois (1968), invadir a Tchecoslováquia. Da mesma forma, os Estados Unidos invadiram Santo Domingo, em 1965, sem contar a invasão do Vietnã e do Camboja na década de 60. Em 1979 a China invadiu o Vietnã, também sem o aval do Conselho de Segurança da ONU.

Em todos esses casos os países invadidos protestaram, sem, contudo, haver qualquer reação contrária dos demais. Com base no chamado “Direito Internacional Paralelo”, criado depois da Segunda Guerra Mundial, as grandes potências sempre tiveram o “direito exclusivo” de invadir o território de outros países soberanos, levando em conta apenas seu próprio juízo e arbítrio, bem como sua capacidade militar de impor sua vontade aos mais fracos.

Com o fim da Guerra Fria, esse “direito à invasão” transformou-se num monopólio quase exclusivo dos Estados Unidos e da Inglaterra, haja vista as invasões da Somália, em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão, em 2001 (180 mil mortos); do Iraque, em 2003 (300 mil mortos); da Líbia, em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos) e,  finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas.

Quando o exército soviético invadiu a Ucrânia, a Rússia alegou que o ocidente estava militarizando o país para invadi-la. A chanceler alemã Angela Merkel, numa entrevista concedida ao jornal Die Zeit, na época dos Acordos de Minsk (estabelecidos entre Alemanha, França, Rússia e Ucrânia, em 13 de fevereiro de 2015), afirmou que tais acordos não eram para valer, mas sim para dar tempo à Ucrânia de se preparar para um enfrentamento militar com a Rússia.

O mesmo declarou o ex-presidente da França, François Hollande, ao admitir para um meio de comunicação ucraniano, duas semanas depois, que os Acordos de Minsk tinham como objetivo apenas ganhar tempo enquanto as potências ocidentais reforçassem Kiev militarmente para fazer frente à Rússia.

Em 2006, o presidente George W. Bush propôs a inclusão da Georgia e da Ucrânia na OTAN. A resposta russa foi no sentido de que era inaceitável o avanço da OTAN até suas fronteiras, em particular na região da Ucrânia e do Cáucaso. Daí a invasão da Ucrânia, feita justamente por se sentir ameaçada.

Isso demonstra a atual crise do princípio da soberania frente às modificações do cenário mundial, operadas nas últimas décadas. O fenômeno da globalização enfraqueceu a clássica noção de Estado soberano. Assim, a depender dos interesses da potência dominante, esta tem o direito de invadir quaquer outro país, bastando apenas que este seja militarmente mais fraco.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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