Alguns juristas consideram inconstitucional o projeto de lei que anistia quem participou dos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, ora em discussão na Câmara dos Deputados, sob a justificativa de que o episódio representa um atentado à democracia, significando, também, um ataque ao parlamento – que sequer funcionaria se não fosse a democracia. Alegam que por mais que a Constituição preveja que a Câmara possa conceder anistia, há dispositivos no nosso ordenamento jurídico que impedem que isso aconteça, a exemplo da lei nº 14.197/2021, que acresce ao Código Penal o título dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados adiou a análise do projeto, que, de acordo com a CF/88 e o Código Penal brasileiro, a anistia é uma forma de extinção da punibilidade de um crime. É a concessão de um perdão a um delito cometido por um brasileiro ou grupo de brasileiros. Segundo nossa Carta Magna, o que não pode ser anistiado são os crimes hediondos como homicídio, tráfico de crianças, estupro, genocídio, tortura, tráfico de drogas e terrorismo. Para o relator do projeto, deputado Rodrigo Valadares (União-SE), o texto vai anistiar os envolvidos que tiveram relação com a depredação de 8 de janeiro, embora não fique claro se valerá só para quem já foi preso ou também para quem eventualmente posa ser preso no futuro: “Ainda não sabemos até que ponto essa anistia pode chegar. Se será apenas para os presos ou valerá para pessoas investigadas que ainda poderão ser presas. […] Fatos anteriores ao 8 de janeiro não estão contemplados no PL”.
Nos bastidores, o projeto tem sido avaliado por parlamentares aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como uma “moeda de troca” na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara. O PL está sendo analisado com outros seis projetos sobre temas semelhantes, que perdoam manifestantes e financiadores dos atos antidemocráticos ocorridos em todo o país após 30 de outubro de 2022, quando foi realizado o segundo turno das eleições, até a entrada em vigor da futura lei.
Assim, seriam beneficiados pela anistia quem participou dos bloqueios em rodovias e dos atos de vandalismo nos ataques. Outros beneficiados serão aqueles que declararam apoio aos atos por meio de publicações nas redes sociais. O PL também analisa os casos que estão sob a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já que mais de 200 pessoas foram condenadas por terem participado dos atos. Segundo a presidente da CCJ, deputada Caroline De Toni (PL-SC), o projeto faz parte das “soluções vindas do Congresso Nacional” para a busca do reequilíbrio dos poderes e respeito às instituições. No mesmo pacote de propostas, a deputado incluiu duas propostas de emenda à Constituição (PECs) a respeito do assunto. O projeto também modifica as regras para julgamento de pessoas comuns em casos que envolvam indivíduos com foro privilegiado e os critérios para enquadrar alguém no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Prevê, ainda, que as condenações por esse delito não poderão se basear nos chamados crimes multitudinários (cometidos em grupo), quando todos contribuem para o resultado a partir de uma ação conjunta.
Do ponto de vista legal, o projeto não tem nada de inconstitucional, pois os atos abrangidos não são considerados crimes hediondos. No campo do Direito Penal, o termo hediondo é usado para designar crimes que o legislador entende serem mais graves, pela sua própria natureza ou pela forma como são cometidos. No caso dos crimes hediondos previstos na Lei 8.072/1990, não há possibilidade de fiança, anistia, graça ou indulto. Segundo a lei, são hediondos o homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, o homicídio qualificado, entre eles o feminicídio e o praticado contra menor de 14 anos, o latrocínio, o estupro, a extorsão mediante sequestro, o genocídio, a posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou de vulnerável, dentre outros.
O artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, destaca que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. Não é o caso do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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