Organizadores e participantes de atos antidemocráticos realizados desde o fim das Eleições 2022 diante de quartéis pelo país podem ser punidos por incitação e por crimes contra o Estado democrático de Direito.
As manifestações contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram estimuladas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que, em um primeiro momento, condenou apenas os bloqueios de estradas feitos por seus apoiadores.
Golpe
Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito em segundo turno, no final de outubro, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro demonstram inconformismo com o resultado do pleito e pedem um golpe militar no país, para depor o governo eleito democraticamente.
As manifestações dos últimos meses incluíram acampamentos em diversos quartéis generais do país e culminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Em seu único pronunciamento após a derrota nas urnas, Bolsonaro afirmou que “manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas”. Ao longo do mandato, o presidente acumulou um histórico de declarações golpistas, levantando suspeita contra o sistema eleitoral sem nunca apresentar provas.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que protestos que pedem a intervenção militar atacam a própria Constituição e não estão protegidos pelo direito à liberdade de expressão. A punição para cada conduta deve ser avaliada de forma individual.
Manifestantes que exercem cargos públicos e se manifestam contra o Estado também podem responder a processos administrativos e sofrer punições específicas, a depender da carreira.
Entenda o que diz a legislação sobre os atos antidemocráticos:
A Constituição Federal estabelece que é livre a manifestação do pensamento. A liberdade de expressão, porém, não é um direito absoluto e não protege discursos que ferem a legislação e atacam o próprio Estado.
“Quando a manifestação passa a atingir algo que é considerado ilícito, o próprio Poder Judiciário vai criar as balizas e permitir essa manifestação ou não. A apologia ao nazismo e à intervenção militar violam bens jurídicos que são tutelados pelo Estado e que devem ser preservados”, diz Alexandre Wunderlich, professor de direito penal da PUC-RS e autor do livro “Crime Político, Segurança Nacional e Terrorismo”.
Sim. Professores de direito afirmam que cada conduta deve ser analisada individualmente. Em tese, aqueles que participaram de atos com bandeiras golpistas podem responder por crime de incitação, previsto pelo Código Penal, com pena de detenção de até seis meses ou multa.
A lei do Estado democrático de Direito —sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar— acrescentou que quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes e instituições também responde pelo crime.
“Quando se vai defronte a um quartel pedindo aos militares para intervir em um governo civil, claramente está se ferindo esse artigo. Além disso, a organização e o planejamento dos atos também configuram o delito de organização criminosa”, afirma Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
O advogado e professor da USP Pierpaolo Bottini discorda. Na interpretação dele, a incitação só é punível quando há algum risco real, o que ocorreria caso a manifestação fosse feita pelo presidente ou por integrantes do alto escalão do governo.
Além desse delito, a nova legislação trouxe outras modalidades de crime, entre elas o de abolição violenta do estado. O delito é caracterizado pelo uso de violência ou grave ameaça para impedir ou restringir o exercício dos Poderes constitucionais. A pena pode chegar a oito anos de prisão, além da punição correspondente à violência praticada.
Para Lênio Streck, professor da Unisinos (RS) e um dos autores da nova lei, o artigo pode ser aplicado contra quem organizou e/ou financiou os atos nos quartéis e rodovias.
“Todas as pessoas que fecham estradas tinham o nítido objetivo de derrubar as instituições, pedir intervenção militar e contestar o resultado legítimo das urnas. Elas queriam um golpe de estado”, diz.
Streck acrescenta que a lei não criminaliza qualquer manifestação política.
Há um dispositivo no texto que afirma que não é crime “a manifestação crítica aos Poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
“As manifestações [desta semana] não têm nenhum propósito social. Elas têm o objetivo de tumultuar, fazer locaute e gerar o caos e convulsão social para ruir o próprio sistema político”, diz o professor.
O dispositivo da Constituição estabelece o papel das Forças Armadas no país e diz que elas estão destinadas “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
O último trecho do artigo passou a ser usado em 2020 por extremistas bolsonaristas que pediam a intervenção dos militares no país diante das restrições da pandemia de Covid-19. A tese é rejeitada por instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Câmara dos Deputados.
Manifestantes que usam esse artigo para pedir a intervenção podem responder pelo delito de incitação, diz Joana Machado, professora de direito constitucional da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).
“Há uma mobilização da Constituição e uma tentativa de construção de um verniz jurídico para legitimar a tentativa de golpe”, afirma.
Para Chiavelli Falavigno, professora de direito penal e de processo penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), essa postura é resultado da falta de construção de memória sobre o período da ditadura militar e do julgamento das arbitrariedades cometidas à época.
“Estamos pagando por essas transições feitas na forma de acordo. O pedido de intervenção é um tipo de demanda de um povo que não conhece a história do seu país, os dados da própria realidade”, diz.
A Constituição estabelece as hipóteses em que a União pode intervir nos estados e no Distrito Federal. Entre os exemplos estão a manutenção da integridade nacional, encerrar grave comprometimento da ordem pública e assegurar princípios constitucionais. Não há previsão de intervenção para contestar o resultado das eleições.
A professora de direito Constitucional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Carolina Cyrillo explica que não há nenhuma relação com o que é dito pelos manifestantes. Ela acrescenta que as regras da intervenção também são aprovadas pelo Congresso Nacional.
“Estão confundindo com a intervenção de um Poder no outro, o que não está previsto em lugar nenhum”, afirma, acrescentando que assim como o uso do artigo 142, o pedido dos bolsonaristas não tem fundamento.
Em Brasília, manifestantes favoráveis ao golpe de Estado substituíram bandeiras a favor de “intervenção federal” pelo termo “intervenção militar” para evitar responsabilização. Para Carolina Cyrillo, o gesto só demonstra desconhecimento.
Dificilmente. Os especialistas afirmam que apenas uma investigação prévia demonstrando que o ato tem finalidade criminosa poderia gerar medidas preventivas para proibir a manifestação. Em caso contrário, isso poderia caracterizar censura prévia, o que não é permitido pela legislação.
Sim. Agentes da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Militar que foram acionados para dispersar bloqueios nas rodovias e acabaram aderindo aos atos podem, em tese, responder por prevaricação.
O delito é previsto pelo artigo 319 do Código Penal, a conduta é caracterizada por atrasar ou deixar de praticar o dever para favorecer interesse pessoal. É punível com detenção, de três meses a um ano, e multa.
Funcionários públicos que exercem outros cargos podem, eventualmente, responder a processos administrativos por participar de atos contra a democracia. A depender da carreira cabem ainda punições específicas, caso dos advogados, que têm a defesa do Estado democrático de Direito como um dever profissional.
Artigo 286: Incitar, publicamente, a prática de crime
Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa.A mesma pena será aplicada para quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade.
Artigo 288: associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes
Pena: reclusão, de um a três anosA pena aumentará até a metade se a associação for armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Crime de Prevaricação
Artigo 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa
Crimes Contra as Instituições Democráticas
Abolição violenta do Estado democrático de Direito
Artigo 359-L: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Pena: reclusão, quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/entenda-o-que-pode-caracterizar-crime-em-atos-antidemocraticos-diante-de-quarteis.shtml
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do Governo Bolsonaro e e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal
O ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, não se manifestou em seu depoimento à Polícia Federal, nesta quarta-feira (18/01/203), em Brasília. O silêncio foi orientação da defesa, que alega não ter tido acesso à investigação, mas afirma que após análise dos autos, Torres deve se pronunciar. Anderson Torres se entregou à polícia no último dia 14, após ter a prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).
Anderson Torres fica em silêncio em depoimento à Polícia Federal, ao ser questionado sobre participação e ou cooperação com os atos antidemocráticos que ocorreram, no dia 8 de janeiro de 2023, contra a sede dos Três Poderes da República, em Brasília. Defesa alega que orientou ex-ministro a não se manifestar por não ter tido acesso aos autos da investigação. Dados indicam que a alegação é infundada, porque o processo judicial está aberto à consulta, por ordem judicial do ministro do STF Alexandre de Morares.
Audiências de custódia
O ministro do STF Alexandre de Moraes recebeu, entre os dias 13 e 17 de janeiro, 1.459 atas de audiência de custódia. Até a última terça–feira (17/01/2023), 200 decisões foram proferidas sobre a situação dos presos envolvidos no ataque e depredação de prédios públicos em Brasília. Até o momento, 140 prisões em flagrante foram convertidas em prisões preventivas. Moraes apontou evidências dos crimes de associação criminosa, atos terroristas, inclusive preparatórios, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime.
Outras 60 obtiveram liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares por não haver, até o momento, provas da prática de violência, embora fortes indícios apontem envolvimento desses investigados. Dentre as medidas cautelares, estão a proibição de ausentar-se da comarca; o recolhimento domiciliar no período noturno e, nos finais de semana, com uso de tornozeleira eletrônica a ser instalada pela Polícia Federal em Brasília; proibição de utilização de redes sociais; proibição de comunicar-se com os demais envolvidos, por qualquer meio.
Ainda no âmbito dos atos violentos contra as sedes dos Três Poderes, o ministro do STF Gilmar Mendes atendeu a pedido da Defensoria Pública do Distrito Federal e determinou a saída antecipada, como monitoração eletrônica, de 85 detentas em regime semiaberto. O objetivo é disponibilizar vagas na Penitenciária Feminina do DF , que recebeu 513 mulheres detidas no ataque aos prédios públicos.
Minsitro do STF conclui audiências e mantém na cadeia 942 de 1.406 presos por atos em Brasília
Decisões sobre a prisão ou liberdade provisória foram tomadas com base na gravidade dos atos cometidos por cada preso e nas evidências de crimes.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta sexta-feira (20/01/2023) a análise das audiências de custódia dos detidos por envolvimento nas invasões às sedes dos três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Um total de 1.406 presos em flagrante por envolvimento nos atos passaram por audiência de custódia. Destes, 942 tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva, e 464 obtiveram liberdade provisória, mediante medidas cautelares. As decisões sobre a prisão ou liberdade provisória foram tomadas com base na gravidade dos atos cometidos por cada detido e nas evidências de crimes.
As medidas cautelares a serem cumpridas pelos que obtiveram liberdade provisória são:
proibição de ausentar-se da comarca;
recolhimento domiciliar no período noturno e nos finais de semana com uso de tornozeleira eletrônica a ser instalada pela Polícia Federal em Brasília;
obrigação de apresentar-se ao Juízo da Execução da comarca de origem, no prazo de 24 horas e comparecimento semanal, todas as segundas-feiras;
proibição de ausentar-se do país, com obrigação de realizar a entrega de passaportes no Juízo da Execução da Comarca de origem, no prazo de cinco dias;
cancelamento de todos os passaportes emitidos no Brasil em nome do investigado, tornando-os sem efeito;
suspensão imediata de quaisquer documentos de porte de arma de fogo em nome do investigado, bem como de quaisquer certificados de registro para realizar atividades de colecionamento de armas de fogo, tiro desportivo e caça;
proibição de utilização de redes sociais;
proibição de comunicar-se com os demais envolvidos, por qualquer meio.
As decisões do ministro foram repassadas ao diretor da Polícia federal (PF), Andrei Augusto Passos Rodrigues, e ao diretor do Presídio da Papuda. No site do STF é possível conferir a lista completa das pessoas que obtiveram a liberdade provisória e daqueles que tiveram a prisão preventiva decretada.