Antes erámos o país do futebol, segundo Jorge Amado. Hoje somos o país da impunidade, segundo o povo. No exterior somos os dois, com predominância para o último, pois não existe efetiva punição para a maior parte dos crimes cometidos. O que mais predomina entre nós é a certeza de que “não há pecado ao sul do Equador”. Daí a escolha dos maiores bandidos para viver entre nós, a exemplo de Tommaso Buscetta, da Cosa Nostra, e do terrorista Cesare Battisti, defendido pelo atual ministro do STF, Luís Roberto Barroso e atualmente vivendo nas prisões da Itália. A Lava Jato, que descobriu o maior esquema de corrupção de nossa história, já não existe mais. O STF acabou com ela. Mesmo assim, 69,2% dos brasileiros dizem acreditar que ela fez bem ao país.
Todos os condenados e delatores envolvidos na Lava Jato estão soltos, sendo que o último deles, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, já está se preparando para voltar à política. Não somos apenas o país do patrimonialismo, da desigualdade e do jeitinho; somos, também, o país da impunidade. Para os que não se recordam, o apresentador Jô Soares dizia que “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”. Além de uma criminalidade política historicamente consolidada e de uma criminalidade violenta sempre em expansão, temos uma das piores taxas de elucidação de crimes do mundo.
Sérgio Cabral chegou a dar de presente à sua mulher, Adriana Ancelmo, um anel no valor de 800 mil reais, pago com o dinheiro do povo. Sua delação premiada foi homologada pelo STF, o mesmo que, tempos depois, considerou sem efeito o acordo firmado entre ele e a Polícia Federal. Esse acordo havia sido homologado pelo ministro Edson Fachin, apesar da manifestação contrária da Procuradoria-Geral da República (PGR). Tempos depois o Supremo entendeu que a delação era inválida. Cabral chegou a delatar a própria esposa. Ele disse ao juiz Marcelo Bretas que ela sabia de tudo, além de ter usufruído do seu caixa paralelo durante todo o seu governo. Adriana valia-se do seu escritório de advocacia para lavar o dinheiro da corrupção. Ambos estão atualmente em liberdade, usufruindo dos milhões desviados impunimente dos cofres públicos. Os exemplos de impunidade são tantos que estimularam a corrupção em todos os poderes da República, dentre os quais o Judiciário. Lógico que a corrupção atinge uma minoria de seus membros. Na semana que passou a Polícia Federal cumpriu 44 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra magistrados suspeitos de operar um esquema de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Os envolvidos são desembargadores, inclusive o presidente e o vice do tribunal para o próximo biênio, que agora deverão usar tornozeleira e se afastar do tribunal. O afastamento vai durar 180 dias, conforme ordem do ministro Francisco Falcão, do STJ. Os desembargadores ainda estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicar com os outros investigados. Em nota divulgada, o TJ-MS afirmou que as medidas não afetam os demais membros da corte nem os serviços por ela prestados, e que “Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo”. Quanto a isso, não há nem haverá, pois a impunidade garantirá a permanência desses desembargadores na Corte muito brevemente. E caso sejam comprovadas as acusações, todos eles receberão como castigo, se houver, uma polpuda aposentaria com todas as vantagens e salários integrais.
Também são alvos da operação o conselheiro e atual corregedor-geral do Tribunal de Contas sul-mato-grossense e um familiar dele, servidor do TJ-MS. A Polícia Federal ainda investiga a participação de outros servidores públicos de grande influência no esquema, que seriam filhos de autoridades e advogados envolvidos. A investigação abrange os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Judiciário do estado, sendo que as decisões compradas envolveriam, entre outros litígios, a disputa pela posse de terras. A venda das sentenças era feita abertamente. Diálogos encontrados pela PF revelam como os investigados conversavam abertamente sobre as tratativas envolvendo julgamentos no tribunal. Durante a investigação, a corporação encontrou conversas antecipando resultados, negociações de valores e cobranças relativas aos supostos repasses para os magistrados. A operação recebeu o nome de “Ultima Ratio”, que significa que “a força é o último argumento dos reis”, ou seja, uma vez esgotados os argumentos razoáveis e os recursos diplomáticos para a resolução de divergências, impõe-se o uso da força como única solução. E foi o que a Policia Federal e o STJ fizeram.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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