Brasil, o país da censura | Por Luiz Holanda

Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso preside a sessão plenária do STF.
Presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso preside a sessão plenária do STF.

A censura no Brasil parece que está se expandindo. Antes, o foco era a internet, suprimindo alguns conteúdos para limitar o conhecimento. Tanto o governo como as escolas e locais de trabalho podiam fazê-lo, enquanto os pais limitariam o que é acessível para proteger as crianças de material impróprio. Alguns países usam a censura da Internet para impedir a disseminação de informações, deixando o usuário sem possibilidade de conhecer o que está se passando no mundo. É uma forma de exercer o controle sobre as pessoas e impedir algum tipo de revolta na sociedade.

A censura da Internet pelos governos também é frequentemente motivada por questões políticas, morais ou religiosas, bem como para impedir o acesso a material protegido por direitos autorais. Em casos extremos, a censura abrange a internet em sua totalidade. É uma espécie de redirecionamento de registro DNS, ou seja, o uso de um provedor desse serviço.

Agora a censura atingiu os livros. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou retirar de circulação quatro livros jurídicos com conteúdo homofóbico e misógino, além de determinar que os autores das obras e a editora responsável pelas publicações pagassem uma indenização de R$ 150 mil por danos morais coletivos. Constam dos livros alguns trechos considerados homofóbicos, pois definem a homossexualidade como uma “prática doentia” e “anomalia sexual”, além da defesa de que empresas possam demitir funcionários que forem “afeminados”. Em outro trecho citado na decisão, um autor afirma que relações homossexuais são “uma loucura psicológica tão devastadora como nos tempos de Hitler”.

Apesar de abjetos os trechos, os livros não deviam ser censurados, pois nossa Constituição escreve expressamente que é “vedada a censura no Brasil”. Sabemos que se existe um direito que pode ser confrontado é justamente o da liberdade de expressão, cujos limites são diversos. Por exemplo, o MCI (Marco Civil) da internet determina a remoção imediata de conteúdo com pornografia infantil, pois trata-se de conteúdo inaceitável. Os danos que um conteúdo danoso pode causar podem e devem ser removidos sem que toda a obra seja impedida de circular. Devemos saber a diferença entre a dose do remédio e do veneno.

Na internet, as plataformas não são responsabilizadas por conteúdo de terceiros, a não ser que descumpram ordem judicial específica para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, conforme define o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que é a lei 12.965, de 2014), mas, quanto aos livros, é motivo de preocupação os ataques, censuras e proibições das mais variadas ordens.

Não é pequena a lista de livros que têm sido banidos de escolas, eventos e festas literárias. Recentemente, uma feira de livros realizada pelo centro acadêmico de estudantes de direito da Universidade Mackenzie vetou a presença das editoras Boitempo e Contracorrente, sob a alegação de que elas não trabalham com livros que tratam das doutrinas e das legislações de uso acadêmico. Em nota de repúdio, as editoras afirmaram que possuem “consistente catálogo na área do Direito, composto, aliás, por obras de professores da Faculdade de Direito do Mackenzie”.

Uma obra como a de Gabriel Garcia Marquez, hoje imortalizada (Cem anos de solidão), lançado em 1967 na Argentina, é mundialmente uma das mais famosas do autor colombiano. O livro já foi acusado por grupos conservadores de “apelo sexual”, e foi censurado em países como a Rússia, a pedido da Igreja Ortodoxa e no Kuwait, graças a uma lei federal. Ambos os casos aconteceram há menos de 20 anos. A obra também chegou a ser censurada na Colômbia nos anos 1980, mas após o autor vencer o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982, o veto foi derrubado.

Quando um livro é censurado, além de se perder o acesso ao seu conteúdo, perde-se a oportunidade de refletir, de enxergar e ter contato com outras realidades, de ampliar o repertório do conhecimento e de desenvolver o senso crítico. Há pouco tempo, a simples ideia de proibir a circulação de livros era tomada como algo absurdo, criminoso, dos tempos da Inquisição ou mesmo do período da ditadura, prática morta e enterrada nos porões da história. Por mais abjeto que seja o trecho, podemos e devemos criticá-lo; não censurar a obra, em sua totalidade.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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