Exclusiva: O que diz o Inquérito 1653 sobre corrupção no Poder Judiciário Estadual da Bahia e o envolvimento do Grupo Horita

De acordo com o MPF, as provas contra os envolvidos incluem interceptações telefônicas, análises financeiras detalhadas e documentos que demonstram o fluxo de dinheiro utilizado nas operações.
Inquérito judicial expõe rede de corrupção no Tribunal de Justiça da Bahia envolvendo venda de decisões para legalização de terras em Formosa do Rio Preto, de interesse do Grupo Horita. 

O inquérito nº 1653 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), derivado da Operação Faroeste, revela um esquema estruturado de corrupção no Judiciário Estadual da Bahia, voltado para a venda de decisões judiciais relacionadas à regularização de terras. As investigações, conduzidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e processadas pela Corte Especial do STJ, detalham o envolvimento de magistrados e empresários em transações ilegais destinadas a liberar grandes áreas agrícolas no Oeste da Bahia.

O Jornal Grande Bahia (JGB) reporta, com exclusividade, informações do Inquérito Nº 1653 DF (2020/0346301-0) do Caso Faroeste, que tramita na Corte Especial do STJ. O processo judicial, com movimentação registrada em 24 de abril de 2024, detalha um esquema de corrupção destinado a controlar terras da Fazenda Estrondo, em Formosa do Rio Preto, cuja área equivale a quase duas vezes o território de Salvador.

Descrição do Esquema e Principais Acusados

O processo investiga o suposto papel do juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio e da desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, que teriam aceitado propinas em troca de decisões favoráveis a empresários da região. Entre os principais acusados está também Adailton Maturino dos Santos, apontado como o mentor do esquema. Ele é acusado de intermediar acordos entre o grupo empresarial e os magistrados, utilizando sua influência para facilitar o processo de legitimação das terras.

Área em Litígio e Impactos das Decisões

O conflito de terras, que envolve uma área de 405 mil hectares conhecida como Fazenda Estrondo, divide a região entre a Bahia e o Piauí, onde os direitos de posse e exploração estão em disputa. A operação do esquema possibilitou que os acusados negociassem o desbloqueio de matrículas de imóveis, permitindo o uso comercial dessas terras. As áreas liberadas possuem alto valor econômico e abrangem diversas propriedades, afetando inúmeras posses menores.

Entenda o Caso

Atuação do Ministério Público Federal e Provas Apresentadas

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra magistrados e outros envolvidos em um suposto esquema de corrupção que teria permitido a comercialização de uma vasta área de terras na Bahia, conhecida como Fazenda Estrondo, localizada no município de Formosa do Rio Preto. A denúncia tem como foco principal a manipulação do sistema de registros imobiliários e o favorecimento de decisões judiciais em troca de propina.

Segundo o órgão, as acusações dizem respeito a fraudes que envolvem escrituras e bloqueios judiciais de terras, em que mais de 405 mil hectares foram negociados em benefício de empresas do Grupo Horita, afetando negativamente diversos proprietários e posseiros locais.

“O Ministério Público Federal assinala que o objeto específico da presente denúncia consiste em duas situações delitivas, surgidas em uma ação declaratória de nulidade de escrituras públicas cumulada com cancelamento de matrícula no Registro Imobiliário, ajuizada na Comarca de Formosa do Rio Preto, na qual os autores (Castro Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outros) alegavam que os réus (Delfin Rio S.A. Crédito Imobiliário, empresa integrante do Grupo Horita, e outros) teriam protagonizado fraude mediante a efetivação de duas escrituras, passando a ser donos de 405 mil hectares de terra, denominando-as Fazenda Estrondo, em detrimento de dezenas de posses e propriedades, prejudicados com a transformação do imóvel”, diz o ministro do STJ Og Fernandes ao relatar o processo.

A denúncia é baseada em evidências obtidas durante a Operação Faroeste, incluindo transações financeiras suspeitas entre os acusados e empresas ligadas ao grupo Horita. Além disso, o MPF apresentou relatórios detalhados sobre as estratégias de lavagem de dinheiro, que incluíam a criação de empresas fictícias para dissimular a origem dos valores recebidos ilicitamente.

Alegações de Fraude e Envolvimento Judicial

A denúncia aponta que a ação original foi movida pela empresa Castro Empreendimentos Imobiliários Ltda., que, junto a outros autores, buscava a anulação de escrituras alegadamente fraudulentas que beneficiaram a Delfin Rio S.A. Crédito Imobiliário, uma das empresas do Grupo Horita. Os autores da ação afirmam que essa fraude permitiu que o grupo empresarial passasse a controlar a extensa propriedade, incorporando diversas posses e propriedades, fato que teria prejudicado pequenos e médios proprietários da região.

A situação começou a ser investigada após o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, denunciado em outra ação penal (APn n. 940/DF), determinar o bloqueio imediato da matrícula n. 736 do Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Santa Rita de Cássia/BA, juntamente com os desmembramentos dessa matrícula. Contudo, a decisão de bloqueio foi posteriormente suspensa pelo desembargador João Batista Alcântara Filho, durante o plantão judiciário, após um agravo de instrumento interposto pela Agropecuária Analice S.A. Essa suspensão foi revertida pouco depois pela desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, que, ao assumir a relatoria do recurso, restabeleceu o bloqueio da matrícula n. 736.

Acusações de Corrupção e Movimentações Financeiras

De acordo com a denúncia, o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio teria recebido R$ 606.900,00 em pagamentos entre dezembro de 2017 e agosto de 2018 para favorecer decisões que beneficiavam o Grupo Horita. Paralelamente, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, segundo a acusação, teria aceitado vantagens indevidas no valor de R$ 480.000,00, que teriam sido solicitadas com auxílio de familiares, incluindo seu genro Márcio Duarte Miranda e sua filha Amanda Santiago Andrade de Sousa. Esses pagamentos teriam sido facilitados por Adailton Maturino dos Santos e outros intermediários, como Geciane Souza Maturino dos Santos e Ricardo Augusto Três, que supostamente operaram transferências financeiras disfarçadas como “empréstimos” para dissimular o pagamento de propina.

Um acordo foi firmado em 26 de março de 2018 entre a Castro Empreendimentos Imobiliários Ltda. e empresas do Grupo Horita, mediado por Adailton e Geciane Maturino. No dia seguinte, o juiz Sérgio Humberto homologou a transação e determinou o desbloqueio da matrícula, permitindo a comercialização das terras em questão. Segundo a denúncia, essa transação gerou um potencial de lucro milionário para os envolvidos.

Operações Bancárias e Ligações Telefônicas

O MPF destaca uma série de movimentações bancárias e contatos telefônicos que corroboram a hipótese de conluio entre os envolvidos. Em março de 2018, Walter Yukio Horita, representante do Grupo Horita, transferiu R$ 1 milhão para o escritório de advocacia de Geciane Maturino. A denúncia alega que essa quantia foi direcionada ao pagamento de propinas para assegurar decisões judiciais favoráveis. Em outro episódio, a desembargadora Maria do Socorro utilizou um empréstimo fictício de seu irmão Mittermayer Barreto Santiago para quitar uma dívida pessoal decorrente de um acordo judicial, mas o valor, conforme o MPF, foi transferido por Geciane Maturino, evidenciando a triangulação dos recursos.

As investigações também identificaram que, em maio de 2018, a quantia de R$ 1 milhão foi movimentada nas contas bancárias ligadas ao casal Adailton e Geciane Maturino. Parte desse montante foi distribuída entre diversos envolvidos, incluindo o juiz Sérgio Humberto e outros supostos operadores financeiros. A análise bancária identificou que os pagamentos também incluíram cheques emitidos pelo escritório de Geciane Maturino, beneficiando terceiros próximos aos magistrados e seus familiares.

Contexto e Motivações do Grupo

O objetivo central do grupo, segundo a denúncia, era bloquear e anular a matrícula n. 736 para obrigar Walter Yukio Horita a celebrar um acordo com os autores da ação. Para isso, segundo o MPF, foram negociadas decisões judiciais em diferentes graus de jurisdição, de modo a beneficiar diretamente os interesses comerciais do Grupo Horita.

A estratégia incluiu decisões compradas em instâncias superiores, conforme o MPF aponta, envolvendo a desembargadora Maria do Socorro, que teria emitido uma decisão favorável em troca de propina. A denúncia sublinha que o valor dessa decisão foi destinado ao pagamento de uma dívida pessoal da magistrada, e a complexidade das operações bancárias ilustra a tentativa dos envolvidos de ocultar as fontes e os destinos finais dos recursos financeiros.

Conclusão e Consequências

A denúncia descreve uma ampla rede de corrupção envolvendo magistrados, advogados e empresários com o propósito de obter vantagens financeiras por meio de fraudes em decisões judiciais e na manipulação de registros imobiliários. A investigação do MPF busca responsabilizar criminalmente todos os envolvidos e visa restaurar a integridade do sistema judicial e dos registros de propriedade. Segundo o órgão, o processo expõe um grave esquema de compra de decisões judiciais que permitiu a consolidação de grandes áreas de terra em benefício de um grupo empresarial, afetando negativamente pequenos proprietários e possuidores locais.

Defesa e Questões Processuais

As defesas dos acusados questionaram diversos aspectos do inquérito, apresentando preliminares que incluem a falta de conexão com processos anteriores e a violação do princípio do juiz de garantias. Alegaram ainda a inexistência de provas diretas que justifiquem a ação penal. O STJ, contudo, avaliou os argumentos e rejeitou as preliminares, decidindo pela continuidade do julgamento na própria Corte, em razão do envolvimento de figuras com foro privilegiado e da interconexão entre os fatos e processos relacionados ao esquema.

Justa Causa e Aceitação da Denúncia

O STJ, ao receber a denúncia do MPF, destacou que os elementos reunidos configuram indícios suficientes para dar prosseguimento ao processo, o que inclui o afastamento preventivo dos magistrados envolvidos.

O relator do caso, ministro Og Fernandes, enfatizou a necessidade de se preservar a coerência da instrução processual e a unidade da investigação. Enquanto o revisor, ministro Luis Felipe Salomão, seguiu o voto do relator e proferiu a seguinte decisão:

Ante o exposto, seguindo o entendimento do Ministro Relator, rejeito as preliminares arguidas e, considerando a presença de justa causa para a ação penal, recebo a denúncia nos seguintes termos:

  1. Adailton Maturino dos Santos – suposta prática dos delitos previstos no art. 333, parágrafo único, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  2. Amanda Santiago Andrade Sousa – suposta prática dos delitos previstos no art. 317, § 1º, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  3. Geciane Souza Maturino dos Santos – suposta prática dos delitos previstos no art. 333, parágrafo único, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  4. Márcio Duarte Miranda – suposta prática do delito previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal.
  5. Maria do Socorro Barreto Santiago – suposta prática dos delitos previstos no art. 317, § 1º, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  6. Ricardo Augusto Três – suposta prática dos delitos previstos no art. 333, parágrafo único, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  7. Sérgio Humberto de Quadros Sampaio – suposta prática dos delitos previstos no art. 317, § 1º, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.
  8. Valdete Aparecida Stresser – suposta prática dos crimes previstos no art. 333, parágrafo único, do Código Penal e no art. 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/1998.

A decisão visa assegurar que as investigações e as possíveis sanções sejam aplicadas de forma abrangente a todos os acusados, evitando decisões contraditórias.

Por fim, destaca-se que o Grupo Horita, embora citado pelo MPF como corruptor, não foi denunciado pelo órgão federal. Pode-se supor que o fato da empresa ter realizado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) evitou que os gestores do grupo econômico fossem denunciados.

Principais Dados do Inquérito Nº 1653 DF do Caso Faroeste

Área em Litígio

  • Fazenda Estrondo: Aproximadamente 405 mil hectares, situada na fronteira entre Bahia e Piauí.
  • Impacto: Regularização de terras favoreceu grandes proprietários em detrimento de posses menores, afetando a economia e a distribuição fundiária local.

Evidências e Provas

  • Interceptações telefônicas: Indícios de comunicações entre os envolvidos no esquema de corrupção.
  • Análises financeiras: Movimentações suspeitas entre contas de empresas fictícias e ligadas aos acusados.
  • Relatórios do MPF: Detalhamento de estratégias de lavagem de dinheiro e criação de empresas para ocultar a origem dos recursos ilícitos.

 Questões Processuais e Jurídicas

  • Preliminares da defesa: Falta de conexão, questionamento ao juiz de garantias e ausência de provas diretas.
  • Decisão do STJ: Afastamento das preliminares e continuidade da investigação sob a competência da Corte Especial.

Baixe

Inquérito Nº 1653 DF (2020 0346301-0) do Caso Faroeste que tramita na Corte Especial do STJ


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