A crise hídrica que assola o Oeste da Bahia, uma das últimas fronteiras agrícolas do Brasil, atinge níveis alarmantes, colocando em risco não apenas os recursos naturais da região, mas também a sobrevivência de comunidades tradicionais e a biodiversidade local. O estudo intitulado “Cartografia e Vigilância Popular das Águas”, realizado entre 2023 e 2024, foi conduzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em parceria com a Pastoral do Meio Ambiente (PMA), a Universidade Federal Fluminense (UFF), o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBaiano) e outras organizações comunitárias. Este levantamento revelou a magnitude da degradação hídrica nas bacias dos rios Corrente e Carinhanha, com dados que ilustram os impactos ambientais, sociais e econômicos da exploração intensiva do Cerrado.
O Escopo do Estudo
A pesquisa mapeou 3.050 trechos de águas secos e 580 em estado crítico, abrangendo mais de 10.900 km de cursos d’água. A região inclui rios importantes, como o Correntina, Guará, Arrojado, Santo Antônio, Formoso e Itaguari, todos vitais para a recarga de aquíferos como o Urucuia e o Bambuí, que abastecem vastas áreas do Brasil. As comunidades relatam que os rios começaram a secar significativamente a partir da década de 1980, coincidindo com a instalação de grandes projetos agrícolas e o desmatamento de áreas de Cerrado para monoculturas de eucalipto e pinus.
A Expansão do Agronegócio
O avanço do agronegócio no Oeste baiano transformou a região em um polo nacional de agricultura irrigada. Dados da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que 78,3% do consumo hídrico nacional é destinado ao setor. Em 2021, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) concedeu 1,8 bilhão de litros diários de outorgas a grandes produtores. Um único proprietário obteve autorização para captar 466,8 milhões de litros por dia, o que equivale ao consumo diário de mais de 3 milhões de pessoas, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
A monocultura de soja, milho, algodão e batata, aliada ao uso de pivôs centrais e grandes reservatórios de irrigação, tem reduzido drasticamente a disponibilidade de água para comunidades locais. Essa prática também contribui para o assoreamento de rios, contaminação por agrotóxicos, desmatamento e alterações nos ciclos de chuva.
Comunidades Tradicionais e Conflitos pela Água
As comunidades camponesas e ribeirinhas, historicamente dependentes de práticas sustentáveis como a agricultura familiar, manejo de animais em áreas comuns e extrativismo de frutos nativos, enfrentam crescente vulnerabilidade. A perda de riachos e nascentes tem impactado diretamente a segurança hídrica e alimentar dessas populações. Relatos apontam aumento dos conflitos pela água, com denúncias de grilagem de terras, violência e contaminação de recursos naturais.
Principais Dados do Estudo
- Águas Mortas: 3.050 trechos mapeados, totalizando 7.120 km.
- Águas em Estado Crítico: 580 trechos, abrangendo 3.837 km.
- Autorização Hídrica: 1,8 bilhão de litros diários concedidos em outorgas em 2021.
- Impacto Humano: Populações ribeirinhas enfrentam conflitos e dificuldades na produção agrícola sustentável.
- Uso pelo Agronegócio: Monoculturas de soja, milho e algodão lideram a exploração, com grande consumo hídrico e desmatamento.
Responsáveis pelo estudo
Os principais responsáveis pelo estudo “Cartografia e Vigilância Popular das Águas”, realizado entre 2023 e 2024, incluem:
- Comissão Pastoral da Terra (CPT)
- Coordenação geral do projeto e articulação com comunidades locais e organizações parceiras.
- Pastoral do Meio Ambiente (PMA)
- Organização comunitária e apoio às oficinas de mapeamento.
- Thiago Damas
- Pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), responsável pela análise de dados e geoprocessamento.
- Eduardo Barcelos
- Pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBaiano), Campus Valença, que contribuiu com a sistematização dos dados e suporte técnico.
- Comunidades Locais
- Moradores das bacias hidrográficas dos rios Corrente e Carinhanha, que participaram das oficinas e compartilharam seus saberes tradicionais, experiências e relatos.
- Organizações Sociais Parceiras
- Sindicatos e movimentos populares que colaboraram na mobilização e execução das etapas do projeto.
O estudo foi desenvolvido de forma colaborativa, integrando conhecimento técnico-científico e saberes locais para compreender e denunciar a grave situação das águas no Oeste da Bahia.
Metodologia do Mapeamento
O estudo foi realizado com base em um processo participativo, que incluiu:
- Oficinas realizadas em diversos municípios, com participação de moradores de diferentes faixas etárias, gêneros e etnias.
- Utilização de mapas hidrográficos elaborados a partir de dados da ANA e do Cadastro Ambiental Rural (CAR), complementados com imagens de satélite e dados de geoprocessamento.
- Validação dos resultados em um seminário realizado na Escola Família Agrícola Padre André, em Correntina, nos dias 27 e 28 de julho de 2024, que contou com a presença de comunidades locais, pesquisadores e representantes de organizações sociais.
Os pesquisadores Thiago Damas (UFF) e Eduardo Barcelos (IFBaiano) desempenharam papel fundamental na sistematização e análise dos dados, que foram complementados pelos relatos e saberes tradicionais das comunidades.
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