A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, nesta quarta-feira (26/03/2025), receber a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Petição nº 12.100, referente ao chamado Núcleo 1 da Trama Golpista. A acusação atinge o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete integrantes de seu governo, que agora passam à condição de réus por tentativa de golpe de Estado. Trata-se de um marco inédito na história republicana: pela primeira vez, um ex-chefe do Executivo federal é formalmente acusado de liderar uma articulação para abolir o Estado Democrático de Direito.
A decisão foi proferida pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux. Conforme a denúncia, os acusados teriam integrado uma organização criminosa de perfil político-militar, cuja finalidade era impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após o resultado das eleições de 2022.
Os ministros entenderam que a peça acusatória preenche os requisitos legais mínimos previstos no Código de Processo Penal para a abertura de ação penal. A Corte concluiu que a PGR demonstrou a materialidade dos delitos e apresentou indícios suficientes de autoria, o que justifica o prosseguimento do processo.
Réus e seus cargos à época dos fatos:
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Jair Messias Bolsonaro
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Cargo: Presidente da República (2019–2022)
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Walter Souza Braga Netto
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Cargo: Ministro da Casa Civil; depois Ministro da Defesa; candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022
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Augusto Heleno Ribeiro Pereira
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Cargo: Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
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Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
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Cargo: Ministro da Defesa
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Almir Garnier Santos
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Cargo: Comandante da Marinha do Brasil
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Anderson Gustavo Torres
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Cargo: Ministro da Justiça e Segurança Pública; posteriormente Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal
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Alexandre Ramagem Rodrigues
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Cargo: Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)
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Mauro Cesar Barbosa Cid
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Cargo: Tenente-coronel do Exército; Chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República
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Os fundamentos da denúncia e a estrutura da organização
A peça acusatória, com 272 páginas, foi apresentada pelo procurador-geral Paulo Gonet. Segundo a PGR, a organização criminosa possuía quatro núcleos funcionais: o núcleo de liderança, composto por Bolsonaro e generais próximos; o núcleo de coordenação, que articulava ações de bastidores e produção de documentos golpistas; o núcleo operacional, que incluía agentes de segurança e militares; e o núcleo de desinformação, responsável por disseminar ataques ao sistema eleitoral.
Entre os crimes imputados estão:
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Tentativa de golpe de Estado
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Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
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Formação de organização criminosa armada
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Dano qualificado contra patrimônio público
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Deterioração de bem tombado
Etapas da articulação golpista
Segundo a denúncia, a trama se intensificou em 2021, após o Supremo Tribunal Federal anular as condenações de Lula na Lava Jato. A partir de então, Bolsonaro passou a atacar reiteradamente as urnas eletrônicas e o Poder Judiciário, inclusive em pronunciamentos oficiais e eventos com diplomatas.
A PGR destaca episódios como:
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A live de julho de 2021 com alegações infundadas contra o TSE;
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O discurso de 7 de setembro de 2021, com ameaças ao STF;
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A reunião ministerial de julho de 2022, com falas incitando ruptura institucional;
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A apresentação a embaixadores estrangeiros, com críticas ao sistema eleitoral;
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A operação da PRF no segundo turno, supostamente para dificultar o voto em redutos lulistas.
8 de janeiro de 2023: tentativa derradeira
A PGR classifica os ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes como a fase final da tentativa de golpe. O episódio, que resultou em danos superiores a R$ 20 milhões, foi considerado pela Corte como consequência direta da radicalização incentivada por Bolsonaro e seus aliados.
Segundo o relator Alexandre de Moraes, “não foi um passeio no parque”, mas sim uma “verdadeira guerra campal”. As provas reunidas incluem vídeos, relatórios de inteligência, minutas golpistas e depoimentos obtidos em delações premiadas.
Argumentos da defesa e análise do julgamento
A defesa de Bolsonaro, conduzida pelo advogado Celso Vilardi, sustenta que o ex-presidente não participou da organização dos atos de 8 de janeiro, alegando ausência de provas diretas e criticando o peso atribuído à delação de Mauro Cid.
No entanto, os ministros rejeitaram todos os pedidos de nulidade e afastamento do relator, sustentando que há indícios consistentes de autoria e materialidade que justificam a abertura da ação penal.
Durante a sessão, o ministro Flávio Dino rebateu as tentativas de relativizar os fatos com uma fala emblemática: “Golpe de Estado mata. Não importa se no dia ou anos depois.”
Relator aponta atuação coordenada para ruptura institucional
O relator da Petição (PET) 12100, ministro Alexandre de Moraes, destacou que a denúncia descreve de maneira detalhada os crimes e a participação dos envolvidos, permitindo ampla defesa. Segundo ele, houve uma ação coordenada contra o Estado Democrático de Direito, culminando nos eventos de 8 de janeiro de 2023, caracterizados por violência, ameaça grave e depredação de bens públicos.
Vídeos e documentos exibidos pelo relator evidenciam as ações criminosas, incluindo imagens dos acampamentos, tentativas de invasão da sede da Polícia Federal, uma bomba no Aeroporto de Brasília e a destruição da Praça dos Três Poderes.
Votos convergentes entre os ministros
Flávio Dino
O ministro Flávio Dino acompanhou o relator, afirmando que os elementos apresentados indicam fortes indícios de autoria e materialidade. Rejeitou a tese de que a tentativa de golpe teria menor gravidade por não ter resultado em mortes. Segundo ele, “golpe de Estado mata, não importa quando”.
Luiz Fux
O ministro Fux também acompanhou integralmente o relator, ressaltando que os acontecimentos de janeiro de 2023 “não podem cair no esquecimento”. Destacou que a fase de instrução permitirá a análise detalhada da configuração dos crimes.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia considerou a denúncia como uma narrativa clara de desmonte institucional. Ressaltou a sequência de atos ilícitos e o uso do código “Festa da Selma” pelos envolvidos como referência à tentativa de golpe.
Cristiano Zanin
Último a votar, o ministro Cristiano Zanin frisou que a denúncia está amparada por provas documentais, vídeos e dispositivos eletrônicos, e não apenas por colaborações premiadas. Ressaltou que a responsabilidade penal será definida com base na participação concreta de cada acusado, independentemente de sua presença nos atos do dia 8 de janeiro.
Autoria individualizada dos denunciados
O ministro Alexandre de Moraes também detalhou os indícios de participação de cada acusado:
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Alexandre Ramagem (PL-RJ): disseminação de desinformação sobre suposta fraude nas eleições.
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Almir Garnier Santos: presença comprovada em reunião sobre a “minuta do golpe”.
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Anderson Torres: utilização do cargo no Ministério da Justiça para minar a confiança no sistema eleitoral.
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Augusto Heleno: apoio ao discurso de desinformação e articulação contra decisões judiciais.
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Jair Bolsonaro: apontado como líder da organização criminosa, tendo incitado publicamente a intervenção militar e articulado o descrédito ao sistema eleitoral.
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Mauro Cid: confessou a participação e firmou acordo de colaboração premiada.
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Paulo Sérgio Nogueira: atuação na adulteração do relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral.
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Walter Braga Netto: incitação aos movimentos e apoio à disseminação de notícias falsas após as eleições.
Próximos passos da Ação Penal
Com o recebimento da denúncia, os oito acusados passam à condição de réus e responderão formalmente às imputações no âmbito da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta nova etapa processual, inicia-se a fase de instrução, que compreende a produção de provas, a oitiva de testemunhas e o exercício do direito à ampla defesa. Caberá ao STF analisar a responsabilidade penal individualizada de cada réu, com base nos elementos probatórios e nas disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
Entre as testemunhas arroladas estão generais da ativa e da reserva, além de integrantes dos governos atual e anterior, o que confere amplitude à apuração dos fatos. A expectativa é que o julgamento seja concluído ainda em 2025.
Em caso de condenação por todos os delitos atribuídos, o ex-presidente Jair Bolsonaro poderá ser sentenciado a uma pena superior a 40 anos de reclusão, com cumprimento inicial em regime fechado. Ressalte-se que ele já se encontra inelegível até 2030, conforme decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O impacto político do julgamento
A decisão do STF inaugura um novo patamar na responsabilização de autoridades civis e militares por atos antidemocráticos. O processo sinaliza que tentativas de ruptura com o Estado de Direito não serão toleradas sob o pretexto de “alternativas políticas”. Trata-se de uma afirmação institucional do pacto democrático pós-1988.
No plano político, mesmo que Bolsonaro seja condenado, o bolsonarismo permanece como força ativa, sobretudo nas redes sociais e em segmentos das Forças Armadas. A eventual condenação poderá radicalizar parte de sua base, que tende a transformar o ex-presidente em símbolo de “perseguição”.
Jair Bolsonaro contesta acusações
Na quarta-feira (26/03/2025), após ser oficialmente transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) realizou um pronunciamento em que negou envolvimento em tentativa de golpe de Estado, criticou o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, e afirmou que sempre atuou “dentro das quatro linhas da Constituição”. A fala durou 54 minutos e foi transmitida em suas redes sociais.
Pontos centrais da defesa de Jair Bolsonaro
No discurso, Bolsonaro apresentou uma série de argumentos que, segundo ele, comprovam sua inocência. A seguir, os principais pontos:
Pronunciamento após as eleições
O ex-presidente citou o discurso realizado em 2 de novembro de 2022, no qual teria se posicionado contra manifestações violentas e invasões de patrimônio público. Segundo ele, a declaração foi uma forma de desestimular qualquer ação que extrapolasse os limites legais.
Pedido de desobstrução de rodovias
Bolsonaro afirmou ter publicado um vídeo pedindo a desmobilização dos caminhoneiros que bloqueavam rodovias após o resultado eleitoral. Destacou que sua intenção não era causar instabilidade ou “parar o Brasil”.
Encontro com o ministro da Defesa
O ex-presidente mencionou que facilitou o acesso de José Múcio, atual ministro da Defesa, aos comandantes das Forças Armadas durante o processo de transição de governo. A informação já havia sido confirmada pelo próprio Múcio em declarações públicas.
Declaração em live e viagem aos EUA
Referindo-se a uma live realizada em 30 de dezembro de 2022, data de sua partida para os Estados Unidos, Bolsonaro afirmou que “cumpriu sua parte dentro da legalidade”. Reforçou que não permaneceu no Brasil por não querer “passar a faixa a alguém com o passado de Lula”, mas argumentou que não há crime em não comparecer à cerimônia de posse.
Conselhos da República e da Defesa
Bolsonaro sustentou que não convocou os Conselhos da República e da Defesa, como exigido constitucionalmente em situações de crise. A ausência dessas ações, segundo ele, demonstraria inexistência de atos preparatórios para um golpe institucional.
Críticas ao processo e à Justiça Eleitoral
O ex-presidente voltou a criticar o sistema eletrônico de votação, afirmando que “não é obrigado a confiar em programadores”. Defendeu novamente a adoção do voto impresso e da contagem pública de votos, citando o caso da Venezuela como exemplo de fiscalização mais transparente.
O discurso também incluiu críticas diretas ao STF e ao TSE, sugerindo perseguição pessoal por parte do ministro Alexandre de Moraes. Ao comentar a acusação de destruição de patrimônio público, ironizou: “Só se foi por telepatia”.
Estratégia discursiva e mobilização de apoiadores
O pronunciamento indicou uma estratégia de mobilização da base bolsonarista e tentativa de manutenção de capital político. Bolsonaro mencionou líderes moderados, como Michel Temer, Nelson Jobim e José Múcio, que em algum momento questionaram a existência de um plano golpista, para fortalecer sua linha de defesa.
Referências à política venezuelana, como os nomes de María Corina Machado e Edmundo González, reforçaram sua retórica sobre riscos à democracia e serviram para alinhar sua narrativa com temas sensíveis à sua audiência digital.
Candidatura em 2026 apesar de inelegibilidade até 2030
Jair Bolsonaro declarou que será candidato à Presidência em 2026, mesmo estando inelegível até 2030 por decisão do TSE. A fala foi feita em 26/03/2025, em Brasília, após julgamento no STF. O ex-presidente contesta as condenações por abuso de poder nas eleições de 2022 e reforça seu protagonismo no campo conservador, sem indicar sucessores viáveis.
Contexto político e repercussão
A fala de Bolsonaro ocorre em um momento de queda na popularidade do governo Lula, contexto que o ex-presidente tenta explorar para reafirmar-se como líder da oposição, apesar de estar atualmente inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A crítica às penas impostas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro e a afirmação de que “querem me condenar a 30 anos” foram apresentadas como tentativa de vitimização política e reforço de engajamento nas redes sociais.

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