Budismo e Estoicismo: semelhanças e diferenças sobre a impermanência e a formação do ser

O valor da impermanência como princípio formador.
As tradições filosóficas do Oriente e do Ocidente compartilham uma visão madura sobre a transitoriedade da vida. Ambas oferecem caminhos distintos, porém convergentes, para lidar com o tempo, o erro e a construção interior.

A impermanência — o reconhecimento de que tudo está em constante mudança — constitui um dos pilares do pensamento budista. No Budismo Theravada e Zen, essa ideia se expressa no conceito de anicca, que significa “não permanência”. A Monja Coen, ao afirmar que “não há nada pra jogar fora” e que “os erros e acertos traçam a tapeçaria da vida”, reafirma essa noção, valorizando cada aspecto da trajetória como necessário ao presente.

De modo análogo, o Estoicismo, formulado por pensadores como Zenão de Cítio, Epicteto, Sêneca e Marco Aurélio, compreende a realidade como um fluxo regido por uma razão universal (logos), onde nada escapa à ordem da natureza. O imperativo é aceitar o que não se pode controlar e agir com virtude no que se pode.

Semelhança 1: o erro não é falha moral, mas matéria de transformação

Para o Budismo, o erro é uma ocasião de autoconhecimento. As ações impensadas, ou “nuvens mentais”, surgem da ignorância, e são oportunidades de despertar a atenção plena. O caminho é o da compaixão consigo e com os outros, acolhendo o erro como parte da jornada.

Para os estoicos, o erro nasce da falha na razão, e sua correção exige disciplina da vontade. Não se trata de culpa, mas de realinhamento à razão cósmica. Epicteto ensina que o erro dos outros deve ser perdoado e o próprio deve ser corrigido com firmeza — mas sem desespero.

Semelhança 2: o passado é irreversível e deve ser aceito

Ambas as correntes rejeitam o arrependimento inútil. A fala de Monja Coen – “porque tendo sido como foi, nos coloca hoje como somos” – ecoa diretamente o pensamento de Marco Aurélio, que advertia contra a prisão ao passado, pois “não se pode mudar o que já foi”. A chave está no presente, que é o único ponto de ação real.

Semelhança 3: o presente é o local onde se manifesta o ser

A atenção plena (sati) no budismo e a prohairesis estoica são caminhos distintos para o mesmo fim: a consciência plena do agora. Ambas as doutrinas ensinam que é no presente que se toma o controle da própria existência, seja pela meditação ou pela razão.

Diferença 1: visão da transcendência

O budismo, mesmo em suas vertentes mais filosóficas, está fundado numa visão de libertação do ciclo do sofrimento (samsara). A impermanência é parte da realidade do mundo condicionado, e a prática visa superar esse ciclo através do despertar.

Já o estoicismo permanece ancorado numa cosmologia imanente: o universo é racional, mas não há escapatória dele. O destino (fatum) é aceito com serenidade, mas não se busca escapar da roda da existência, e sim viver conforme a natureza.

Diferença 2: o papel das emoções

O budismo trabalha as emoções como energias mentais a serem transmutadas. A raiva, o apego, a inveja não devem ser reprimidos, mas observados com compaixão até se dissolverem.

No estoicismo, as emoções são tratadas como juízos equivocados que precisam ser corrigidos pela razão. O sábio estoico ideal é aquele que não se perturba, enquanto o budista busca compreender o sofrimento para transcendê-lo.

Diferença 3: método de prática

No budismo, a prática envolve meditação, ética e sabedoria – é um processo interior contínuo, com métodos contemplativos como o zazen ou o vipassana. No estoicismo, a prática é intelectual e moral: exercícios de autoexame, diários de reflexão, e treinamentos da vontade.

Aceitação da impermanência

Budismo e estoicismo convergem na aceitação da impermanência, na valorização do presente e na construção contínua do ser. Divergem, porém, em suas cosmovisões: enquanto o primeiro busca a transcendência do sofrimento, o segundo se ancora na aceitação racional do destino.

Ambos, no entanto, oferecem antídotos poderosos contra o ressentimento, o apego ao passado e o desespero diante da mudança. Em um tempo marcado por ansiedade e confusão moral, essas tradições resgatam a centralidade da sabedoria como caminho para a liberdade interior.

Leia +

A sabedoria da impermanência: o olhar de Monja Coen e a filosofia estoica sobre o valor do passado


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