TJBA confirma reintegração de posse a agricultores em Candeias após esbulho possessório

A Primeira Câmara Cível do TJBA manteve, em 09/05/2024, decisão que garante a reintegração de posse a agricultores familiares em Candeias (BA), após reconhecer que a área foi ocupada de forma pacífica e contínua por mais de dez anos. A Corte rejeitou o recurso de empresário que promoveu invasão violenta com demolição de casas e cerceamento do acesso à terra, reforçando a proteção jurídica da posse agrária.
Decisão da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia assegura permanência de famílias agricultoras em área ocupada há mais de uma década no bairro Outro Negro.

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), sob a relatoria do desembargador Josevando Andrade, no dia 9 de maio de 2025 (sexta-feira), manteve por unanimidade a sentença que garante a reintegração de posse em favor de agricultores familiares que ocupam uma área no bairro Outro Negro, em Candeias. A decisão foi proferida no âmbito do Agravo de Instrumento nº 8026011-41.2025.8.05.0000, interposto pelo empresário Reigildo Soares Nunes e pela empresa RM Empreendimentos de Comércio de Combustíveis Ltda, ambos, derrotados no esbulho possessório.

O recurso buscava reverter a decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de Candeias, que havia determinado a reintegração dos agricultores, diante de provas que indicam ocupação pacífica e contínua da área por mais de dez anos. A Corte rejeitou os argumentos apresentados pelos agravantes, destacando a ausência de documentos que comprovassem a titularidade ou a posse legítima da área por parte da empresa.

Conflito fundiário envolveu violência e demolição de casas

Segundo consta no processo, os agricultores alegam que foram vítimas de esbulho possessório violento, com demolição de residências, utilização de segurança armada privada e impedimento de acesso às áreas cultivadas. A invasão ocorreu sem respaldo judicial e gerou prejuízos materiais e morais às famílias.

O esbulho possessório consiste, de forma objetiva, na privação total da posse de um bem — como um imóvel — em decorrência de ato ilegal ou não autorizado pelo legítimo possuidor. Essa violação ocorre quando o possuidor é impedido de exercer seus direitos de usar, fruir e dispor do bem, em razão de ações praticadas com violência, clandestinidade ou abuso da confiança (precariedade).

Ao analisar o processo, o relator observou que os documentos e depoimentos apresentados pelos autores demonstram a existência de posse legítima anterior à entrada da empresa na área. O voto ressaltou que os agricultores realizavam atividades produtivas e residenciais no local, sendo caracterizada a posse de forma mansa, pacífica e ininterrupta, nos moldes do artigo 1.210 do Código Civil.

“A ausência de documentação apta a comprovar a alegada posse pela parte agravante e a existência de elementos robustos que evidenciam o esbulho justificam a manutenção da liminar de reintegração”, destacou a relatora.

Decisão do TJBA: recurso inadmissível

O relator Josevando Andrade destacou que o agravo não cumpria os requisitos extrínsecos de admissibilidade, como tempestividade e dialeticidade recursal. Conforme o voto, a decisão impugnada apenas ratificava a ordem liminar anterior, não abrindo novo prazo recursal.

Além disso, o magistrado observou que o recurso foi protocolado em 04/05/2025, ultrapassando o prazo legal de 15 dias, iniciado em 15/10/2024, quando os agravantes apresentaram a contestação no processo originário.

Advertência sobre multa

A decisão apontou que o recurso não atacou especificamente os fundamentos da decisão recorrida, o que viola o princípio da dialeticidade, impedindo a inovação recursal. Diante disso, o relator aplicou o artigo 932, III, do CPC, não conhecendo do agravo.

O desembargador advertiu expressamente a parte agravante quanto à incidência de multa, caso eventual agravo interno venha a ser julgado manifestamente inadmissível ou improcedente de forma unânime, conforme prevê o artigo 1.021, §4º, do CPC. Também alertou sobre a penalidade prevista no artigo 1.026, §2º, para eventual oposição de embargos de declaração com caráter protelatório.

Contexto da ação e fundamentos da controvérsia

A ação possessória foi ajuizada em outubro de 2020. A decisão liminar de reintegração foi concedida em dezembro de 2022, sem individualização técnica da área alegadamente invadida. Segundo os agravantes, o terreno reivindicado não está descrito com precisão e não corresponde à área ocupada pela empresa, que possui registro formal, alvarás e licenças ambientais em vigor.

O agravante Reigildo Soares Nunes foi incluído no processo somente em fevereiro de 2024, o que, segundo a defesa, configura supressão do direito ao contraditório no momento da decisão liminar.

Em 2025, os agravados apresentaram novo memorial descritivo, elaborado de forma unilateral e sem amparo em laudo técnico pericial ou georreferenciamento, com o objetivo de legitimar a execução da medida. A defesa afirma que o documento foi produzido com base em informações extraídas da própria contestação dos agravantes, o que indicaria vício de origem e conduta processual temerária.

Tribunal reforça jurisprudência sobre conflitos agrários

A decisão do TJBA reitera a jurisprudência consolidada sobre a proteção possessória em litígios agrários, especialmente quando envolve comunidades tradicionais, pequenos agricultores e ocupações prolongadas com finalidade de moradia e subsistência. O acórdão destaca que a função social da posse deve ser observada nas decisões judiciais que envolvem disputas fundiárias.

Além disso, o colegiado reforçou que o Judiciário não pode chancelar a substituição da via legal por ações arbitrárias, como a tomada forçada de posse mediante violência ou coação.

“A tutela da posse deve prevalecer quando demonstrada a anterioridade e a continuidade do exercício possessório, sobretudo em contextos marcados por vulnerabilidade social e ausência de regularização fundiária”, assinala o voto.

Implicações jurídicas e sociais da decisão

Com a confirmação da reintegração de posse, o Tribunal assegura estabilidade jurídica aos agricultores que ocupam o imóvel, evitando novas ações de força privada ou remoções ilegais. A decisão também reforça a necessidade de mediação institucional e de políticas públicas para a resolução pacífica de conflitos fundiários no estado da Bahia.

A disputa envolve uma área em processo de valorização imobiliária, o que evidencia a pressão sobre territórios tradicionalmente ocupados por agricultores familiares. O caso ilustra os desafios relacionados à regularização da posse em regiões metropolitanas e o papel do Poder Judiciário na contenção de práticas abusivas.

Impactos diretos da decisão judicial contestada

A área ocupada, supostamente de forma ilegal, pela RM Empreendimentos abriga:

  • Obras em andamento para instalação de um posto de combustíveis;

  • Duas concreteiras operacionais;

  • Infraestrutura registrada e licenciada ambientalmente;

  • Empregos diretos e indiretos, contratos ativos e expectativa de expansão.

A execução da liminar, segundo os agravantes, pode acarretar:

  • Paralisação das atividades empresariais;

  • Rescisão contratual com fornecedores e investidores;

  • Demissões de trabalhadores locais;

  • Encerramento das operações e prejuízos irreparáveis.

Além disso, argumentam que a medida compromete a arrecadação de tributos municipais, enfraquece a segurança jurídica no ambiente de negócios e desestimula investimentos privados no setor de infraestrutura e energia no interior baiano.

Denúncia de padrão processual repetitivo e tentativa de acordos extrajudiciais

Os agravantes alertam ainda que o mesmo advogado responsável pela ação dos agravados estaria repetindo modelo semelhante de litígio possessório em outros municípios baianos, utilizando a ausência de delimitação precisa como estratégia para pressionar proprietários legítimos a aceitar acordos financeiros extrajudiciais. A prática, segundo a defesa, compromete o bom funcionamento do Poder Judiciário e desvirtua a finalidade da ação possessória como instrumento legítimo de proteção à posse legítima.

Entenda o Caso

Invasão de Terras: Agricultores familiares buscam Justiça contra violento esbulho possessório em Candeias

Pequenos produtores rurais do bairro Outro Negro, no município de Candeias (BA), ingressaram com ação judicial contra o que classificam como esbulho possessório violento. Os agricultores relatam que sofreram invasões em suas propriedades a partir de abril de 2018, com episódios de intimidação armada, destruição de plantações e retirada forçada de cercas, em um conflito fundiário cuja tramitação ocorre sob o processo nº 8002590-26.2021.805.0044.

A ação é movida por Antônio dos Anjos Pinto, Antônio Carlos do Nascimento, Carlos Alberto Franco Amorim, Rita dos Santos, Robson Pereira dos Santos Junior, Simone de Almeida Brito e Zezito Nunes, que afirmam ter posse legítima reconhecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Candeias.

Os relatos indicam que as invasões ocorreram em datas distintas: 17 de abril de 2018, 1º de dezembro de 2020 e 15 de fevereiro de 2021. Nessas ocasiões, os invasores alegaram serem proprietários das terras, mas não apresentaram documentos válidos registrados em cartório. Agressões verbais, uso de armas de fogo e maquinário para destruição das lavouras integram o conjunto das alegações feitas pelos autores da ação.

Empresário é apontado como suposto mandante

Conforme o processo, o suposto mandante da invasão é um empresário local, que possui diversos registros criminais. Entre as acusações levantadas constam:

  • Receptação de veículos, com processos em Salvador e na Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas;

  • Tentativas de homicídio, com inquéritos datados de 1992 e 1994;

  • Ameaças e litígios possessórios com outras empresas, como a Concessionária Bahia Norte;

  • Despejo e aterramento de resíduos químicos, conforme denúncia da empresa Intermarítima.

Esses dados aparecem em diversas ações e inquéritos, entre os quais se destacam:

  • Processo nº 0002005-85.2010.8.05.0080 (receptação);

  • Processo nº 0000901-69.2010.8.05.0044 (homicídio);

  • Processo nº 0302184-85.2014.8.05.0150 (ameaça);

  • Inquéritos Policiais nº 064/92, 060/93, 094/94 e 039/2009.

Provas documentais e suspeitas de influência política

A ação inclui registros fotográficos, boletins de ocorrência e imagens da destruição das propriedades, além da presença de um veículo identificado com plotagem de um vereador, que seria irmão do suposto invasor. A conexão entre o investigado e figuras políticas locais sugere influência sobre o território e as instituições públicas da cidade.

Justiça e reparação

Os produtores afetados pleiteiaram a reintegração de posse e indenização por perdas materiais e morais. A comunidade de Outro Negro espera uma resposta do Poder Judiciário que reestabeleça o direito à propriedade rural e interrompa os episódios de violência fundiária. A situação ilustra a vulnerabilidade de agricultores familiares frente a interesses econômicos respaldados por estruturas de poder local.

Panorama fundiário em Candeias e relevância institucional do caso

O caso insere-se em um contexto de insegurança fundiária que afeta diversos municípios da Região Metropolitana de Salvador, marcado pela expansão urbana irregular, ausência de registros atualizados e disputas entre ocupações irregulares e empreendimentos privados licenciados.

Especialistas alertam para a necessidade de interoperabilidade entre os sistemas judiciário, cartorial, ambiental e municipal, de forma a garantir transparência e segurança na gestão territorial. A judicialização de conflitos fundiários sem delimitação técnica confiável fragiliza o papel do Judiciário e pode alimentar práticas de litigância predatória.

Linha do Tempo do Processo

Data Marco Processual
Outubro/2020 Ação possessória é ajuizada na Vara Cível e Comercial de Candeias (Proc. nº 8004678-71.2020.8.05.0044) pelos agravados.
Dezembro/2022 Juízo de primeiro grau concede liminar de reintegração de posse, sem delimitação objetiva da área.
Fevereiro/2024 O empresário Reigildo Soares Nunes é incluído no polo passivo do processo, dois anos após a concessão da liminar.
Janeiro/2025 Agravados apresentam novo memorial descritivo, unilateral e genérico, visando sustentar a reintegração.
Maio/2025 Agravantes protocolam o Agravo de Instrumento nº 8026011-41.2025.8.05.0000, com pedido de efeito suspensivo no TJBA.
27/05/2025 Caso é analisado pela Primeira Câmara Cível do TJBA, com alegações de insegurança jurídica e risco de prejuízos empresariais.

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