Domingo (01/06/2025) — O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para definir os critérios que devem nortear o fornecimento judicial de medicamentos de alto custo não incorporados ao Sistema Ônico de Saúde (SUS). A tese, com repercussão geral reconhecida, decorre do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 566471, que teve seu mérito analisado em 2020, e foi retomado em sessão virtual encerrada em 13/09/2024.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques, após formação de maioria com base no voto conjunto dos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. A proposta estabelece que a concessão judicial desses medicamentos só é admissível de forma excepcional, desde que respeitados critérios de necessidade, evidência técnica e incapacidade financeira do paciente.
Parâmetros jurídicos definidos pelo STF
A tese é sustentada por três premissas centrais:
- Limitação dos recursos públicos e necessidade de eficiência na execução das políticas de saúde;
- Igualdade de acesso à saúde, evitando distorções causadas por decisões individuais;
- Respeito à medicina baseada em evidências e à competência técnica das agências de regulação.
Critérios para concessão judicial
De acordo com a maioria formada, para que o Poder Judiciário determine o fornecimento de medicamento fora das listas do SUS, devem ser atendidos os seguintes requisitos:
- O medicamento deve possuir registro na Anvisa;
- Deve estar comprovado que não há alternativa terapêutica no SUS;
- Deve haver eficácia comprovada com base em evidências científicas;
- O paciente deve comprovar incapacidade financeira para arcar com o tratamento.
A decisão também determina que o juiz oficie os órgãos competentes para análise de incorporação do medicamento ao SUS, caso deferida a ação.
Acordo entre entes federativos e novas regras de competência
Em julgamento paralelo do RE 1366243 (Tema 1234), o STF homologou acordo proposto pelo ministro Gilmar Mendes, firmado entre União, estados e municípios, com o objetivo de uniformizar o trâmite das demandas judiciais envolvendo medicamentos não incorporados ao SUS.
As principais diretrizes estabelecidas são:
- Tratamentos acima de 210 salários mínimos: competência da Justiça Federal e custeio integral pela União;
- Tratamentos entre 7 e 210 salários mínimos: competência da Justiça Estadual, com ressarcimento de 65% pela União;
- Criação de plataforma nacional para acompanhar os pedidos judiciais.
Caso Elevidys: custo de R$ 17 milhões e impacto fiscal
A decisão do STF no caso do medicamento Elevidys, indicado para Distrofia Muscular de Duchenne, evidenciou os dilemas da judicialização da saúde. A medicação, com valor unitário de R$ 17 milhões, foi concedida por ministro do STF e posteriormente ratificada pelo Plenário da Corte, em decisão que não estabeleceu diretrizes de compensação fiscal.
Dados processuais indicam a existência de 55 ações judiciais requerendo o fornecimento do Elevidys. Em dois casos houve pagamento; em 11 processos com decisão favorável, o valor ainda não foi quitado. A União estima impacto de R$ 252 milhões para cumprir as 11 liminares e R$ 1,155 bilhão se todas as 55 forem atendidas.
Aponta-se risco de captura do Estado por interesses privados
A judicialização do fornecimento de medicamentos de alto custo tem sido criticada por comprometer o planejamento orçamentário e favorecer interesses privados de escritórios de advocacia e laboratórios, em detrimento da coletividade. Apurações jornalísticas indicam a existência de relações de parentesco entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, configurando ambiente propício ao nepotismo cruzado e ao favorecimento corporativo.
Conceitos de Eliana Calmon e a crise do Judiciário
A ex-ministra do STJ e ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, cunhou expressões que ajudam a entender o fenômeno:
- Bandidos de Toga: juízes que usam o cargo para corrupção e favorecimentos;
- Filhotismo: apadrinhamento de parentes na magistratura e no MP;
- Mulherismo: nomeação de esposas, noras e filhas em funções públicas como forma de blindagem institucional, além de atuarem em escritórios de advocacia.
Essas práticas indicam uma degeneração do modelo republicano, com captura do Estado por clãs familiares com acesso privilegiado ao Judiciário e ao orçamento público.
Ciclo de favorecimentos
A definição da tese pelo STF representa um avanço normativo ao tentar estabelecer critérios objetivos para a concessão de medicamentos de alto custo. No entanto, a falta de mecanismos efetivos de controle fiscal e de responsabilização institucional pode perpetuar o ciclo de favorecimentos privados em detrimento do interesse público. A utilização do Judiciário como meio para beneficiar grupos específicos, sem considerar a coletividade, enfraquece a legitimidade das instituições e compromete a sustentabilidade das políticas públicas de saúde.
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