Domingo (15/06/2025) – A Liberdade de Imprensa é um dos pilares fundamentais da democracia contemporânea, com respaldo em doutrinas liberais clássicas, teorias democráticas modernas e na Constituição Federal de 1988. No Brasil, apesar de protegida formalmente, a liberdade de imprensa sofre restrições práticas crescentes, especialmente por ações de instituições do Estado que, sob a justificativa de defesa da ordem e da honra, vêm promovendo censura, intimidação e perseguição judicial contra jornalistas e veículos de comunicação independentes.
Pesquisadores, entidades internacionais e profissionais de imprensa têm denunciado que esses episódios configuram um padrão de repressão institucional, que pode ser caracterizado como Crime de Estado contra a Liberdade de Imprensa, conforme os marcos do direito internacional e da teoria política.
Fundamentos Teóricos da Liberdade de Imprensa: Pensadores clássicos e modernos
A liberdade de imprensa, como conceito estruturante das democracias liberais, possui fundamentos teóricos consolidados por pensadores clássicos e contemporâneos. Suas formulações reforçam a centralidade da imprensa no controle do poder, na crítica pública e na garantia do pluralismo informativo. As contribuições de autores como John Milton, John Stuart Mill, Karl Popper, Jürgen Habermas e Guillermo O’Donnell continuam a embasar o debate atual sobre o papel da imprensa no Estado Democrático de Direito.
Contribuições clássicas: entre a liberdade religiosa e a razão pública
John Milton: Areopagitica e a censura prévia
No discurso Areopagitica (1644), John Milton contesta a censura prévia imposta pelo Parlamento britânico. Embora motivado inicialmente pela defesa da liberdade religiosa, Milton fundamenta seu argumento na crença de que a livre circulação de ideias é condição essencial para a verdade prevalecer no debate público. Ao sustentar que a verdade não teme o confronto com o erro, antecipa os fundamentos da liberdade de imprensa como valor civilizatório.
John Stuart Mill: liberdade como defesa da diversidade de opiniões
Em Sobre a Liberdade (1859), John Stuart Mill aprofunda o pensamento liberal ao defender que a liberdade de expressão e de imprensa protege a sociedade contra o autoritarismo da maioria e os perigos do pensamento homogêneo. Mill sustenta que a multiplicidade de vozes é indispensável ao progresso moral e intelectual da humanidade.
A imprensa como pilar da sociedade aberta e espaço deliberativo
Karl Popper: vigilância ao poder e resistência ao totalitarismo
Em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos (1945), Karl Popper aponta que a liberdade de imprensa é condição para o controle racional do poder político. Ao defender sociedades que tolerem a crítica e permitam o erro como parte do processo de aprendizagem coletiva, Popper atribui à imprensa o papel de observadora ativa do poder, contrapondo-se aos regimes totalitários.
Jürgen Habermas: o espaço público e a razão comunicativa
A partir da Teoria do Agir Comunicativo (1981), Jürgen Habermas conceitua a esfera pública como espaço discursivo no qual a imprensa tem função mediadora entre o sistema político e a sociedade civil. A imprensa, nesse contexto, atua como veículo de formação da opinião pública racional, promovendo deliberação informada e crítica cidadã.
Accountability horizontal e imprensa investigativa: a contribuição de O’Donnell
Democracia delegativa e fiscalização do poder
O cientista político argentino Guillermo O’Donnell, em seus estudos sobre democracia delegativa, introduz o conceito de accountability horizontal — controle entre instituições e agentes de poder. Nesse arranjo, a imprensa exerce papel externo e fundamental ao denunciar abusos, fiscalizar atos de governo e sustentar o debate democrático, especialmente em contextos de fragilidade institucional.
Liberdade de Imprensa na Constituição Brasileira
A Constituição de 1988 consagra a liberdade de imprensa nos seguintes dispositivos:
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Art. 5º, IV, IX e XIV – Liberdade de manifestação e expressão, sigilo da fonte;
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Art. 220 – Proibição de censura e garantia à informação jornalística plena.
O constitucionalista José Afonso da Silva define esses artigos como “elementos centrais da cidadania republicana”, cuja violação compromete a legitimidade democrática.
Violações à Liberdade de Imprensa no Brasil
Apesar das garantias constitucionais, diversos episódios recentes evidenciam ações estatais que comprometem a liberdade de imprensa, sugerindo um padrão sistemático de repressão institucional. Entre os principais casos:
Censura judicial e inquéritos sigilosos
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Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes determinou a retirada do ar de reportagem do site O Antagonista e da revista Crusoé, sob alegação de ofensa ao Supremo Tribunal Federal. A decisão foi amplamente criticada por entidades de defesa da liberdade de imprensa.
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A abertura de inquéritos sigilosos no STF, com base no Art. 43 do Regimento Interno, permitiu a suspensão de perfis de jornalistas, bloqueio de contas em redes sociais e quebra de sigilo sem amplo contraditório.
Rejeição da extradição por tribunais estrangeiros
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Em 2024, a Justiça da Espanha negou a extradição do jornalista Oswaldo Eustáquio, alegando risco de perseguição política no Brasil. O entendimento foi chancelado por cortes europeias, que apontaram fragilidade na garantia à liberdade de expressão no país.
Assédio judicial e censura indireta
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O caso do jornalista Carlos Augusto, diretor do Jornal Grande Bahia, é emblemático. Ele sofreu medidas judiciais intimidatórias após publicar reportagens críticas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público da Bahia. A ação, considerada por especialistas como “lawfare” (uso do aparato jurídico para fins políticos), ainda tramita em instâncias superiores, sendo mencionada em debates sobre censura judicial e assédio jurídico institucionalizado.
Crime de Estado Contra a Liberdade de Imprensa
A noção de Crime de Estado Contra a Liberdade de Imprensa refere-se a ações sistemáticas, promovidas por autoridades ou instituições estatais, destinadas a reprimir, censurar ou intimidar o exercício legítimo da atividade jornalística.
Elementos que caracterizam o crime de Estado
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Ação institucionalizada: quando o aparato do Estado (Judiciário, Executivo ou Legislativo) é utilizado para suprimir a liberdade informativa;
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Perseguição sistemática a jornalistas;
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Instrumentalização de inquéritos e decisões judiciais para censura;
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Violação ao devido processo legal e ao princípio do contraditório;
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Restrições ilegítimas ao sigilo da fonte e à circulação de conteúdos críticos.
Conforme a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a censura direta ou indireta promovida por agentes estatais pode configurar grave violação de direitos humanos, passível de responsabilização internacional.
Impactos e Repercussões Internacionais
Organizações como Repórteres sem Fronteiras, Human Rights Watch e Artigo 19 vêm denunciando a deterioração do ambiente de liberdade de imprensa no Brasil, sobretudo em decorrência de medidas estatais de controle informacional. O país figura em posições preocupantes nos rankings de liberdade de imprensa, com queda sistemática na última década.
Caminhos para a preservação da liberdade de imprensa
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Aprovação de leis de proteção a jornalistas contra o assédio judicial;
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Revisão do uso de inquéritos sigilosos por tribunais superiores;
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Criação de mecanismos autônomos de defesa da liberdade de expressão;
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Fortalecimento da imprensa regional e independente;
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Apoio internacional à denúncia de crimes de Estado contra jornalistas.
Diferença entre Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão
Embora estejam interligados e ambos sejam protegidos pela Constituição Federal, é fundamental distinguir os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão, pois cada um possui natureza jurídica e função social distintas.
Liberdade de Expressão – um direito individual
A liberdade de expressão é um direito individual, assegurado a todo cidadão, que garante a manifestação de pensamentos, opiniões, crenças, convicções e sentimentos sem censura ou punição prévia. Esse direito é exercido no âmbito privado ou público, por qualquer meio – seja verbalmente, por escrito, nas redes sociais, manifestações públicas ou por expressões artísticas.
Prevista no art. 5º, inciso IV, da Constituição, essa liberdade é ampla, mas não absoluta, podendo sofrer restrições quando houver afronta a outros direitos fundamentais, como a honra, a intimidade ou a integridade de terceiros.
Liberdade de Imprensa – um direito institucional e coletivo
A liberdade de imprensa, por sua vez, é uma liberdade institucional, ligada à atividade jornalística e à atuação de meios de comunicação social. Trata-se do direito de investigar, produzir, publicar e difundir informações de interesse público, com base no princípio da veracidade, do interesse coletivo e do dever de informar.
Garantida nos artigos 220 a 224 da Constituição, essa liberdade pressupõe a autonomia editorial, o sigilo da fonte e a inexistência de censura prévia. Ela protege a atividade jornalística profissional e o papel da imprensa como fiscal do poder público, o que a diferencia da liberdade de expressão meramente pessoal.
Complementaridade e autonomia
A liberdade de imprensa depende da liberdade de expressão, mas vai além dela. Enquanto qualquer cidadão pode exercer sua liberdade de expressão, a liberdade de imprensa implica responsabilidades editoriais, critérios jornalísticos e dever de interesse público, sendo regulada por normas éticas e legais específicas.
Em síntese:
| Aspecto | Liberdade de Expressão | Liberdade de Imprensa |
|---|---|---|
| Titularidade | Qualquer cidadão | Veículos e profissionais da imprensa |
| Objeto protegido | Opiniões, crenças, manifestações | Informação jornalística de interesse público |
| Fundamentação legal | Art. 5º, IV e IX, CF/88 | Art. 220 a 224, CF/88 |
| Natureza jurídica | Direito individual | Direito institucional e coletivo |
| Limites | Direitos de terceiros (honra, imagem) | Interesse público e veracidade da informação |
| Responsabilidade | Pessoal | Editorial e profissional |
Padrão de Crime de Estado
A liberdade de imprensa, embora garantida formalmente, vem sendo sistematicamente restringida por ações e omissões do próprio Estado brasileiro. A censura judicial, o uso político do aparato jurídico e a perseguição a jornalistas evidenciam um padrão que pode configurar Crime de Estado contra a liberdade de imprensa, à luz do direito internacional dos direitos humanos. A defesa desse direito exige mobilização institucional, atuação da sociedade civil e vigilância permanente sobre os poderes da República.
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