Esquema de R$ 54 milhões em propina a desembargadores do Maranhão contra o Banco do Nordeste é denunciado pela PGR; PF reuniu provas na Operação 18 Minutos

Comunicações interceptadas pela PF indicam encontros entre magistrados e advogados em residências particulares, trocas de mensagens diretas e movimentações financeiras atípicas ligadas à liberação de alvarás judiciais. Investigação revela atuação estruturada dentro do Judiciário maranhense e caso foi denunciado pela PGR.
Operação 18 Minutos revela suposta organização criminosa formada por desembargadores, juízes, servidores e advogados no Tribunal de Justiça do Maranhão, com fraudes milionárias contra o Banco do Nordeste. Caso foi denunciado pela PGR. 

Reportagem de Fausto Macedo e Nino Guimarães, publicada nesta segunda-feira (28/07/2025) no Estadão, revela que No dia 14 de agosto de 2024 (quarta-feira), a Polícia Federal deflagrou a Operação 18 Minutos, que revelou um suposto esquema complexo de venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA). De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo teria operado durante mais de uma década, arrecadando pelo menos R$ 54,7 milhões em propinas por meio da emissão fraudulenta de alvarás contra o Banco do Nordeste (BNB).

A investigação tem como base diálogos interceptados, provas documentais, movimentações bancárias fracionadas e o levantamento quase instantâneo de valores milionários, como um saque de R$ 14,1 milhões ocorrido 18 minutos após decisão judicial, o que deu nome à operação.

Estrutura da organização e agentes envolvidos

Segundo a PGR, o grupo denunciado era dividido em três núcleos:

  • Núcleo judicial: formado por desembargadores, juízes e servidores, responsáveis por decisões previamente ajustadas;

  • Núcleo causídico: composto por advogados que intermediavam e articulavam os benefícios judiciais;

  • Núcleo operacional: encarregado de ocultar e dissimular a origem dos recursos provenientes das decisões compradas.

Autoridades denunciadas

Foram denunciados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) os seguintes magistrados:

  • Desembargadora Nelma Sarney (cunhada do ex-presidente José Sarney);

  • Desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho;

  • Desembargador Antônio Guerreiro Júnior;

  • Desembargador aposentado Marcelino Everton Chaves;

  • Juíza Alice de Souza Rocha;

  • Juiz Cristiano Simas de Souza.

A PGR também solicita a perda dos cargos, a cassação da aposentadoria e o processamento por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Entre os demais denunciados estão 13 advogados e ex-assessores de magistrados.

Esquema teve início em ação contra o Banco do Nordeste

O caso emblemático que desencadeou a operação envolveu o advogado Francisco Xavier de Souza Filho, ex-procurador do Banco do Nordeste, que ajuizou em 2000 uma ação cobrando honorários por suposta atuação anterior à sua saída da instituição.

Embora a 5ª Vara Cível de São Luís tenha declarado a prescrição da cobrança em 2019, decisão posteriormente revertida por desembargadores, favorecendo o advogado com um alvará de R$ 14,1 milhões, sacado integralmente no mesmo dia.

A sequência de eventos inclui:

  • Pedido de vista do desembargador Luiz Gonzaga;

  • Visita do advogado Felipe Ramos, filho de Xavier, à casa do magistrado;

  • Depósitos fracionados na conta de Luiz Gonzaga dias após o encontro;

  • Julgamento favorável à apelação de Xavier, com votos dos desembargadores Guerreiro Júnior, Nelma Sarney e Luiz Gonzaga, contrariando parecer do Ministério Público.

Mensagens e movimentações reforçam denúncias

Mensagens resgatadas dos celulares dos envolvidos revelam a informalidade e a frequência dos contatos, como:

18h aqui em casa”, respondeu Luiz Gonzaga ao filho do advogado, marcando encontro em sua residência.

Há também referências recorrentes a encontros para “ajustes sobre processos”, com frequência incomum de visitas às residências dos magistrados. Em uma das conversas, o advogado Carlos Luna escreve:

Celência, posso passar na sua casa?

Tais comunicações, aliadas aos depósitos em espécie e à velocidade processual seletiva, sustentam a acusação da PGR de que houve comércio deliberado de decisões judiciais.

Fraude financeira após decisões

Após a rejeição da exceção de suspeição oposta pelo Banco do Nordeste, a juíza Alice Rocha liberou o alvará de R$ 14.163.443,18, desconsiderando os cálculos da contadoria, que apontavam saldo de R$ 490,8 mil.

No mesmo dia:

  • Xavier transferiu o valor integral para o filho Felipe;

  • Felipe repassou R$ 12 milhões para sua cunhada, Janaína Lobão;

  • Janaína sacou quase todo o valor em espécie e cheques, deixando saldo residual de R$ 38,58.

A apuração indica operações sucessivas de lavagem de dinheiro, com depósitos fracionados em contas dos magistrados e saques realizados por terceiros para dificultar o rastreamento.

Celeridade seletiva e cooptação institucional

Outro ponto destacado na denúncia é a celeridade seletiva das decisões:

  • Em 30/09/2015, a exceção de suspeição foi protocolada e julgada no mesmo dia por Luiz Gonzaga, com expedição imediata da ordem à vara de origem;

  • Enquanto isso, agravo do Banco do Nordeste contra a decisão de redistribuição do processo só foi apreciado três meses depois.

Esse contraste reforça, segundo a PGR, o comprometimento do funcionamento regular da Justiça com interesses espúrios.

Erosão institucional e urgência de responsabilização

O caso traz à tona evidências robustas de uma estrutura criminosa permanente instalada no Judiciário maranhense, com forte conluio entre advogados e magistrados. A utilização de decisões judiciais como instrumento de extorsão institucionalizada, além de violar frontalmente o Estado de Direito, corrói a confiança pública na imparcialidade da Justiça.

A denúncia não se restringe a meros desvios de conduta individual, mas sim à existência de um sistema paralelo de poder, operando sob aparência de legalidade, o que demanda ação firme das instâncias superiores e transparência institucional na apuração dos fatos.

Principais dados revelados pelo Estadão

Magistrados denunciados (Núcleo Judicial)

  • Desembargadora Nelma Sarney – cunhada do ex-presidente José Sarney

  • Desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho

  • Desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior

  • Desembargador aposentado Marcelino Everton Chaves

  • Juíza Alice de Souza Rocha

  • Juiz Cristiano Simas de Souza

Advogados denunciados (Núcleo Causídico)

  • Francisco Xavier de Souza Filho – ex-advogado do Banco do Nordeste

  • Felipe Ramos – filho de Francisco Xavier, interlocutor frequente com magistrados

  • Carlos Luna – advogado com relações diretas com o desembargador Luiz Gonzaga

  • Sirley Sousa – ligada a saques em espécie

  • Outros 10 advogados não nomeados individualmente na reportagem

Servidores denunciados (Núcleo Operacional)

  • Paulo Martins de Freitas Filho – ex-assessor de desembargador

  • Lúcio Fernando Penha Ferreira – ex-assessor

  • Zely Reis Brown – ex-assessora

Valores envolvidos

  • R$ 54,7 milhões – valor total estimado em propinas movimentadas

  • R$ 14.163.443,18 – valor do alvará principal liberado judicialmente

  • R$ 12 milhões – valor transferido por Felipe Ramos à cunhada, Janaína Lobão

  • R$ 10,3 milhões – sacados em espécie por Janaína em 18 operações fracionadas

  • R$ 25 mil – recebidos por Luiz Gonzaga em maio de 2021 (sete depósitos)

Mensagens e diálogos interceptados

  • 18h aqui em casa” – convite de Luiz Gonzaga ao advogado Felipe Ramos

  • Celência, posso ir agora?” – mensagem de Carlos Luna ao magistrado

  • Diversas comunicações via WhatsApp e ligações diretas entre advogados e juízes

  • Memoriais de processos enviados diretamente a celulares de magistrados

Cronologia de decisões e movimentações

  • 05/10/2015 – levantamento do alvará de R$ 14,1 milhões

  • 12/07/2019 – juíza reconhece prescrição do crédito

  • 27/04/2021 – julgamento é iniciado na 2ª Câmara Cível

  • 04/05/2021 – provimento do recurso e fixação de honorários em 10%

  • 06/08/2024 – mensagens de aniversário e marcação de encontros em casa de magistrado

  • 14/08/2024 – deflagração da Operação 18 Minutos pela PF

Decisões judiciais estratégicas

  • Reconhecimento da prescrição (2019) revertido em 2021

  • Exceção de suspeição contra juíza Alice Rocha julgada improcedente no mesmo dia

  • Agravo do BNB apreciado apenas 3 meses depois, e não conhecido

Táticas ilícitas empregadas

  • Fracionamento de saques e depósitos em espécie

  • Troca de favores entre advogados e magistrados

  • Combinação prévia de decisões judiciais

  • Direcionamento de processos

  • Celeridade seletiva nas decisões

  • Utilização de afastamentos e substituições de juízes

Tese central da denúncia da PGR

“Mercancia de decisões”: as decisões judiciais proferidas foram negociadas previamente, com pagamentos ilícitos ocultados por meio de mecanismos de lavagem de dinheiro, violando o dever funcional e o princípio da imparcialidade jurisdicional.


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