O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou na terça-feira (15/07/2025) o decreto que cria o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, regulamentando a Lei de Reciprocidade Econômica (Lei 15.122/25). A medida surge como reação direta à decisão dos Estados Unidos de aplicar tarifas de 50% sobre todas as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto, conforme anunciado pelo presidente norte-americano Donald Trump.
A coordenação do novo comitê caberá ao vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Também integram o colegiado os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda) e Mauro Vieira (Relações Exteriores), com participação eventual de outros ministérios conforme o tema tratado.
A primeira missão do comitê, conforme informado pelo governo, será ouvir os setores empresariais diretamente afetados pela tarifa norte-americana. As primeiras reuniões estão previstas para esta terça-feira (15), com indústria pela manhã e agronegócio à tarde, na sede do MDIC, em Brasília.
Reação institucional à escalada tarifária dos EUA
A tarifa de 50% afeta diversos produtos estratégicos da pauta exportadora brasileira, como pescado, suco de frutas, carnes, derivados de petróleo, aço, celulose, aeronaves e café. A medida já provoca cancelamentos de contratos, como no caso de 58 contêineres de pescados com destino aos EUA, segundo a Abipesca.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) alertou para possíveis impactos na importação de diesel, já que cerca de 30% do consumo interno brasileiro é suprido por importações, principalmente dos EUA. Com a tributação, o redirecionamento dos derivados de petróleo pode se tornar inviável, afetando receitas, empregos e a logística do setor.
Segundo Cloviomar Cararine, economista do Dieese, “a realocação de mercados para derivados será mais complexa e pode afetar diretamente a cadeia produtiva nacional”.
Decreto detalha aplicação de contramedidas
O decreto publicado nesta terça-feira prevê duas categorias de contramedidas:
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Provisórias, com rito mais célere e caráter excepcional, acionadas a partir de pleitos submetidos à Secretaria-Executiva do Comitê;
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Ordinárias, encaminhadas à Secretaria-Executiva da Camex, com prazos maiores e submissão a consulta pública antes da deliberação.
Essas contramedidas poderão ser adotadas em resposta a medidas unilaterais de países ou blocos econômicos que interfiram em atos soberanos do Brasil ou que violem acordos comerciais internacionais, inclusive com imposição de requisitos ambientais mais rigorosos que os adotados internamente.
Empresariado pede cautela e rejeita retaliação imediata
Durante a primeira reunião do comitê com empresários, representantes do setor produtivo pediram que o governo não aplique medidas retaliatórias imediatas, sugerindo adiamento da entrada em vigor das tarifas e intensificação das negociações diplomáticas. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), “a política tarifária dos EUA ameaça investimentos, empregos e cadeias produtivas integradas”.
Segundo José Velloso, da Abimaq, “não há desvio comercial viável para manufaturados. Perdendo o mercado americano, dificilmente se recupera”.
Contexto político e tensões diplomáticas
A decisão dos EUA é interpretada como politicamente motivada, segundo análise da FGV. A medida coincide com o processo no STF contra Jair Bolsonaro, aliado político de Trump, e com decisões brasileiras contra grandes plataformas digitais, o que teria levado à politização das relações comerciais.
O governo Lula respondeu por meio de nota oficial do Itamaraty, classificando as manifestações de membros do governo norte-americano como “intromissão indevida e inaceitável”. Ressaltou ainda que o Brasil é um país soberano e que não aceitará ser tutelado em suas decisões internas.
Impacto comercial e perda de protagonismo dos EUA
De acordo com o estudo do Ibre/FGV, os EUA perderam protagonismo como parceiro comercial do Brasil, caindo de 24,4% das exportações em 2001 para 12% em 2024, enquanto a China avançou de 3,3% para 28% no mesmo período.
Entre os principais produtos afetados pela tarifa de 50%, destacam-se:
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Óleos brutos de petróleo (14%)
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Produtos semiacabados de ferro/aço (8,8%)
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Aeronaves e equipamentos (6,7%)
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Café torrado (4,7%)
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Celulose (4,1%)
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Sucos de frutas (3%)
Articulação internacional e expectativa de reversão
A US Chamber of Commerce e a Amcham Brasil divulgaram nota conjunta pedindo negociações de alto nível para evitar a escalada tarifária. As entidades destacaram que mais de 6.500 empresas americanas dependem de produtos brasileiros e que o Brasil é destino de aproximadamente US$ 60 bilhões em bens e serviços norte-americanos por ano.
O vice-presidente Alckmin declarou que o governo brasileiro prepara uma carta diplomática aos EUA solicitando prorrogação do prazo das tarifas e reforçou que empresas brasileiras vão mobilizar seus parceiros norte-americanos contra a medida.
Entre diplomacia e contenção de danos
A criação do Comitê Interministerial, aliada à regulamentação da Lei da Reciprocidade Econômica, representa um movimento institucional de resposta cautelosa e com base jurídica. Embora a lei permita medidas retaliatórias, a postura atual do governo indica preferência pelo diálogo e pela diplomacia econômica, estratégia reforçada pelas próprias entidades empresariais.
A reação brasileira deve considerar a interdependência produtiva entre os países, a vulnerabilidade da indústria de manufatura e o risco de descontinuidade em cadeias globais de valor. A contenção de danos exige atuação articulada com o setor privado, mobilização internacional e prudência para evitar agravamento de um litígio com forte componente político.
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