Em artigo publicado na sexta-feira (02/08/2025) pela Gazeta do Povo, o advogado Leonardo Corrêa denuncia o que classifica como a “triste ruína do nosso constitucionalismo”, ao criticar duramente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o modelo teórico que, segundo ele, transformou juízes em “oráculos” que agem à margem da Constituição. Com o título “Do texto à vontade: a triste ruína do nosso constitucionalismo”, o texto repercute a sanção aplicada pelo governo dos Estados Unidos contra o ministro Alexandre de Moraes, no âmbito da Lei Global Magnitsky, como marco simbólico do colapso da ordem legal brasileira.
STF sob sanções e críticas: a crise da legitimidade constitucional
Na análise de Corrêa, a legitimidade da Suprema Corte não decorre do prestígio de seus ministros ou da liturgia de seus ritos, mas do seu compromisso com a Constituição. “A lei que governa aqueles que nos governam”, afirma o autor, destacando que esse pacto foi abandonado silenciosamente por meio da adesão a doutrinas como o pós-positivismo e o neoconstitucionalismo.
Segundo o advogado, essas correntes doutrinárias corroeram os fundamentos do Direito ao permitir que juízes interpretassem normas constitucionais com base em valores subjetivos e não em textos legais aprovados democraticamente.
“O intérprete deixou de ser servidor do texto constitucional e passou a ser o autor do enredo”, observa Corrêa, apontando que o Judiciário passou a legislar sem o devido respaldo institucional.
“Uma ferida, não uma vitória”: sanção dos EUA e humilhação nacional
A sanção aplicada a Alexandre de Moraes pelos Estados Unidos, com base em acusações de censura, perseguição política, prisões arbitrárias e violações contra cidadãos americanos, é vista pelo autor como um sinal de alerta e não de celebração. “Não é uma vitória. É uma ferida. Uma nação não se engrandece quando vê seus tribunais expostos à censura internacional – ela se envergonha”, declara.
O artigo reforça que a situação atual não é fruto de um erro pontual, mas de uma construção ideológica que se estende por décadas e culmina na elevação da vontade judicial acima da legalidade constitucional. “Moraes não surgiu do nada. Ele é o produto final de um modelo que transformou o juiz em oráculo”, pontua.
Doutrinas jurídicas e o enfraquecimento da República
Interpretação além do texto
Corrêa argumenta que a ruptura institucional não se dá por tanques ou golpes, mas por meio de teorias jurídicas que autorizam a substituição do texto legal por princípios “flexíveis, subjetivos e manipuláveis”. Para ele, o juiz que se coloca acima da legalidade e age como legislador moral atinge o ápice do desvio institucional: “Nesse instante o juiz deixa de ser juiz – e a Constituição deixa de ser constituição”.
Juízes legisladores e a morte da liberdade
No centro da crítica está a dissolução da separação de poderes, com o Judiciário assumindo o papel de protagonista político e o Legislativo sendo ignorado. A consequência, adverte, é a morte silenciosa da liberdade, embalada em promessas de estabilidade. “A República se transforma em teatro de aparência”, alerta o autor.
O dilema da soberania: povo ou poder?
Para Corrêa, o debate sobre soberania nacional frente às críticas e sanções externas é um falso dilema. A escolha real é entre proteger a soberania popular – conforme o parágrafo único do artigo 1º da Constituição – ou defender aqueles que a violam sob o pretexto da institucionalidade. “Não há independência quando os direitos fundamentais são ignorados por decisões que negam o devido processo legal”, afirma.
O artigo destaca que o verdadeiro compromisso com a Constituição exige memória histórica, vigilância crítica e coragem para confrontar o autoritarismo togado. O autor relembra momentos em que civilizações trocaram liberdade por ordem e, ao final, perderam ambas – como na Alemanha nazista, na Roma imperial, na França revolucionária e na Itália fascista.
Proposta de resgate: humildade da toga e limites constitucionais
Em tom conclusivo, Leonardo Corrêa propõe um chamado à comunidade jurídica para retomar os fundamentos do constitucionalismo clássico:
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Reafirmar que o Estado existe para proteger a liberdade, não para concedê-la ou retirá-la arbitrariamente
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Reconhecer que a separação de poderes é a essência da Constituição Federal
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Recuperar a humildade judicial: o juiz deve interpretar a lei, e não reinventá-la
“Onde há vontade no lugar da lei, a liberdade morre em silêncio”, sentencia o autor, ao destacar que a toga não pode servir de escudo para o arbítrio nem justificar a usurpação de poder.
Contundente crítica ao STF
O artigo de Leonardo Corrêa representa uma contundente crítica à atual configuração do STF e ao protagonismo judicial que, segundo ele, rompe com a legalidade e mina os pilares da República. Ao contextualizar as sanções dos EUA dentro de um processo teórico de transformação institucional, Corrêa oferece uma interpretação sistemática da crise brasileira – rejeitando tanto o triunfalismo nacionalista quanto o entreguismo internacional. Contudo, o texto poderia ter aprofundado os limites concretos da aplicação da Lei Magnitsky no direito internacional e explorado alternativas de responsabilização interna para magistrados acusados de abusos.
Linha do Tempo das Mudanças Doutrinárias e Institucionais no STF
Do Constitucionalismo ao Ativismo Judicial
Perspectiva crítica sobre a formação do protagonismo do Judiciário brasileiro
1988 – Promulgação da Constituição Cidadã
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Marco fundacional do Estado Democrático de Direito brasileiro.
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Estabelece os princípios da separação de poderes, do devido processo legal e da soberania popular (Art. 1º, parágrafo único).
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STF assume papel tradicional de guardião da Constituição, com base na legalidade estrita.
Década de 1990 – Ascensão do Neoconstitucionalismo no meio jurídico
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Doutrina importada da Europa continental.
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Defende que princípios constitucionais têm peso superior às normas, mesmo que não estejam expressos no texto legal.
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Introduz a ideia de que juízes devem interpretar com base em valores morais, e não apenas no texto da lei.
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Começa o enfraquecimento da segurança jurídica textual.
Anos 2000 – Consolidação do Pós-positivismo no STF
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Pós-positivismo passa a ser hegemonia teórica nas decisões da Corte.
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STF começa a julgar com base em princípios subjetivos, como “dignidade da pessoa humana”, sem vinculação direta ao texto constitucional.
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O Judiciário amplia sua influência sobre o Legislativo, passando a interferir em políticas públicas e decisões parlamentares.
2010–2016 – Ativismo judicial em expansão
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STF ganha notoriedade em decisões de forte repercussão social e política (ex: mensalão, aborto, união homoafetiva).
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Crescimento do conceito de “jurisdição constitucional transformadora”.
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Juízes passam a se ver como agentes de mudança social, extrapolando os limites da função jurisdicional tradicional.
2017–2022 – STF assume protagonismo político
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Corte passa a interferir diretamente em decisões do Executivo e do Congresso.
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Prisões preventivas abusivas, censura a veículos de imprensa e restrições à liberdade de expressão tornam-se recorrentes sob o manto do “combate à desinformação”.
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Alexandre de Moraes emerge como figura central do novo papel do STF.
2023–2025 – Sanções internacionais e questionamentos à legitimidade
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Sanção do governo dos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Global Magnitsky (julho de 2025).
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A medida simboliza, segundo o artigo, a falência do modelo constitucional brasileiro.
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Juristas começam a propor o resgate da legalidade textual e da separação clássica de poderes.
Conclusão da linha do tempo
“Moraes não surgiu do nada. Ele é o produto final de um modelo que transformou o juiz em oráculo.” – Leonardo Corrêa
O atual cenário institucional brasileiro não é resultado de eventos isolados, mas de um processo doutrinário contínuo, que transformou o STF em um agente político e minou os freios constitucionais.
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