Presidente Lula defende soberania do Brasil na ONU, propõe Conselho climático e cobra regulação digital

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu o Debate Geral da 80ª Assembleia Geral da ONU, denunciou a “consolidação de uma desordem internacional”, condenou sanções unilaterais, defendeu a independência do Judiciário brasileiro, pediu tributação global dos super-ricos, reforçou compromissos da COP30 em Belém e propôs a criação de um Conselho climático vinculado à Assembleia Geral.

Em discurso de cerca de 15 minutos na abertura da 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (23/09/2025), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o mundo vive a “consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder”. Ele criticou “sanções arbitrárias e intervenções unilaterais”, reafirmou que “democracia e soberania são inegociáveis” e apresentou propostas para reforma do sistema multilateral, incluindo a criação de um Conselho global para ação climática.

Multilateralismo em crise e soberania nacional

Durante o discurso, Lula destacou que a ONU enfrenta um momento de fragilidade:

“O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade desta Organização está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder.”

O presidente condenou medidas coercitivas externas, afirmando que:

“Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável.”

Ele ainda associou tais medidas a grupos internos que, segundo ele, atuam em sintonia com pressões internacionais:

“Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil.”

Democracia e Estado de Direito

Lula usou o exemplo da recente condenação de um ex-presidente da República para reafirmar a resistência institucional brasileira:

“Há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso. Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas.”

O presidente afirmou que o episódio foi uma demonstração ao mundo de que a democracia brasileira não aceita tutelas externas nem retrocessos internos:

“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis.”

Clima e Amazônia: COP30 como “COP da verdade”

Ao tratar da crise climática, Lula alertou que a COP30, em Belém, será um teste global:

“Será a COP da verdade. Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta.”

Ele advertiu que, sem atualização dos planos nacionais, o mundo se aproxima de um colapso climático:

“Sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas, as NDCs, caminharemos de olhos vendados para o abismo.”

O Brasil, afirmou Lula, comprometeu-se a reduzir entre 59% e 67% suas emissões de gases de efeito estufa até 2035.
Além disso, destacou avanços recentes na Amazônia:

“O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento na região nos dois últimos anos. Erradicá-lo requer garantir condições dignas de vida para seus milhões de habitantes.”

Proposta de Conselho climático global

O presidente defendeu que o combate ao aquecimento global seja integrado à estrutura central da ONU:

“É necessário trazer o combate à mudança do clima para o coração da ONU, para que ela tenha a atenção que merece. Um Conselho vinculado à Assembleia Geral com força e legitimidade para monitorar compromissos dará coerência à ação climática.”

Segundo Lula, o Conselho seria um “passo fundamental” para reformas mais amplas da organização, incluindo um Conselho de Segurança ampliado.

Pobreza, fome e desigualdade

Lula também abordou desigualdades sociais e econômicas. Recordou a confirmação da FAO de que o Brasil saiu novamente do Mapa da Fome em 2025, mas alertou:

“Ainda há 670 milhões de pessoas famintas no mundo. A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo.”

O presidente apresentou três caminhos para enfrentar a crise global:

“A comunidade internacional precisa reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento; aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres; e definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores.”

Conflito em Gaza e Direito Internacional Humanitário

Ao tratar da guerra em Gaza, Lula fez críticas contundentes:

“Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo, mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza.”

Ele afirmou que o conflito destruiu princípios básicos do direito internacional:

“Ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente.”

Lula concluiu o trecho dizendo que “em Gaza, a fome é usada como arma de guerra”.

Ucrânia, Venezuela, Haiti e América Latina

Em relação à guerra na Ucrânia, Lula reiterou:

“Todos já sabemos que não haverá solução militar. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que leve em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.”

Sobre a América Latina e Caribe, defendeu o princípio de região pacífica:

“Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos. Manter a região como zona de paz é nossa prioridade.”

Comércio global e reforma da OMC

O presidente fez críticas às tarifas unilaterais e ao bloqueio de cadeias globais:

“Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio. Medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida. É urgente refundar a OMC em bases modernas e flexíveis.”

Regulação digital e inteligência artificial

No tema das plataformas digitais, Lula defendeu a regulação como proteção democrática:

“A internet não pode ser uma terra sem lei. Regular não é restringir a liberdade de expressão, é garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual.”

Ele destacou a legislação recente aprovada no Brasil:

“Promulguei uma das leis mais avançadas do mundo para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital.”

O presidente também defendeu governança global da inteligência artificial:

“Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado.”

Voz do Sul Global

O discurso de Lula buscou posicionar o Brasil como voz do Sul Global, articulando soberania nacional, justiça climática e regulação digital. A proposta de um Conselho climático na ONU é ambiciosa, mas enfrenta resistência de países que temem perder autonomia em suas políticas ambientais. As críticas ao genocídio em Gaza reforçam o alinhamento brasileiro com causas humanitárias, mas podem ampliar atritos diplomáticos. No campo digital, a defesa de regulação avança em linha com demandas globais, embora o risco de interpretações restritivas ainda esteja em debate.


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