Inércia da ALBA diante de provas contra Binho Galinha expõe conivência política, estado anômico e fragilidade democrática na Bahia | Por Carlos Augusto

Infográfico apresenta linha do tempo sobre o caso do deputado Binho Galinha e a conivência da Alba.
A inércia da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) diante das graves denúncias contra o deputado estadual Kléber Cristian Escolano de Almeida, conhecido como Binho Galinha, levanta questionamentos sobre possível conivência institucional e expõe fragilidades da democracia representativa. Apesar de o Ministério Público ter remetido provas consistentes que embasariam a investigação parlamentar, a ALBA permaneceu inerte e deixou de agir sobre o caso.

Desde a deflagração da Operação El Patrón, em 7 de dezembro de 2023, o Ministério Público da Bahia (MPBA) já havia encaminhado à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) um conjunto robusto de provas contra o deputado estadual Kléber Cristian Escolano de Almeida (Binho Galinha). As denúncias formais reuniam indícios de que o parlamentar não apenas integrava, mas liderava uma organização criminosa envolvida em lavagem de dinheiro, agiotagem, exploração do jogo do bicho, comércio ilegal de armas e associação para o tráfico de drogas.

Apesar da gravidade dos fatos, a ALBA optou por instaurar processo disciplinar prô forma, objetivando passar a impressão de que pudesse resultar na cassação do mandato. Essa omissão ocorreu tanto na gestão do ex-presidente Adolfo Menezes quanto sob a presidência atual de Ivana Bastos, ambos do PSD, revelando uma continuidade institucional na resistência em enfrentar denúncias que comprometem diretamente a imagem e a credibilidade da Casa Legislativa.

A postura da Assembleia Legislativa da Bahia diante das denúncias contra o deputado Binho Galinha evidencia um cenário de anomia institucional, no qual normas e deveres constitucionais deixam de ser cumpridos, abrindo espaço para a deslegitimação da própria autoridade parlamentar.

Ao não instaurar processo disciplinar, mesmo diante de provas consistentes encaminhadas pelo MPBA, a ALBA transmite a mensagem de que a proteção corporativa prevalece sobre a defesa da moralidade pública. Essa conivência política, sustentada por sucessivas presidências, reforça a percepção de que o Legislativo estadual se associa, por omissão, ao fortalecimento de redes criminosas, fragilizando a confiança social na democracia representativa.

O alerta do JGB

Em 10 de dezembro de 2023, o Jornal Grande Bahia publicou a reportagem “Tudo sobre a Operação El Patrón”, assinada pelo editor Carlos Augusto, destacando que a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) demonstrava “desapreço ao combate ao crime” ao não adotar providências diante das denúncias contra o deputado estadual Binho Galinha, acusado de liderar uma suposta organização criminosa. O texto chamou atenção para a ausência de medidas institucionais, mesmo diante da gravidade dos indícios reunidos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Em 2 de outubro de 2025, em resposta posterior relatada pela Folha de S.Paulo, a presidência da ALBA afirmou não ter recebido qualquer informação prévia sobre a operação e destacou que o Regimento Interno não prevê sanções a parlamentares durante investigações, limitando-se a casos de condenação definitiva. A posição levantou questionamentos éticos sobre transparência e governança, sendo interpretada por especialistas como evidência de lacunas normativas que fragilizam a imagem do Legislativo e comprometem a confiança pública no processo democrático.

ALBA anuncia possível acionamento do Conselho de Ética, mas postura tardia expõe contradições institucionais

Em 1º de outubro de 2025, a presidente da ALBA, deputada Ivana Bastos, enviou nota ao Jornal Grande Bahia, em resposta às repercussões envolvendo o deputado estadual Binho Galinha, alvo da Operação El Patrón. No comunicado, a parlamentar afirmou que, assim que a Casa Legislativa for formalmente notificada pelas autoridades competentes, serão adotadas as medidas internas previstas, em conformidade com a Constituição, as leis e o Regimento Interno.

A presidente destacou ainda que o Conselho de Ética será imediatamente acionado para avaliar o caso de forma objetiva, assegurando transparência, imparcialidade e respeito ao Estado de Direito. Segundo Ivana Bastos, a ALBA seguirá atenta às etapas processuais, buscando preservar a integridade institucional e a confiança da sociedade baiana no Parlamento.

Contudo, a nota evidencia uma posição ética dúbia e tardia. A vinculação da atuação legislativa à mera notificação oficial — que, segundo registros, já havia ocorrido, inclusive com o envio de cópia integral do processo judicial ainda sob segredo de justiça — contrasta diretamente com a gravidade das denúncias divulgadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público desde dezembro de 2023.

Ao escudar-se em formalidades burocráticas, em vez de adotar providências preventivas diante de indícios sólidos, a ALBA aprofunda a percepção de omissão e fragilidade institucional, comprometendo não apenas sua legitimidade, mas também o compromisso efetivo da Casa com a defesa da legalidade e o combate à criminalidade.

O conceito de “estado anômico” e a infiltração do crime

A própria Polícia Federal definiu o contexto atual como um “estado anômico”, no qual a normalidade institucional é corroída pela conivência entre poder político e crime organizado. O termo se aplica porque, diante da gravidade das acusações, seria natural que a Assembleia tivesse atuado de forma célere para preservar a credibilidade do Legislativo. No entanto, a opção foi a paralisia deliberada, permitindo que o deputado permanecesse blindado pela imunidade parlamentar.

Na prática, a ALBA incorporou o crime em suas fileiras. Ao silenciar sobre o caso, a Casa Legislativa enviou à sociedade o recado de que a proteção corporativa prevalece sobre o interesse público, comprometendo a confiança na democracia representativa.

Conivência parlamentar e fragilidade democrática

A situação não se resume à figura de um deputado. O episódio expõe um problema estrutural: a transformação de assembleias legislativas em espaços de blindagem política, que atuam mais como escudos do que como instrumentos de fiscalização.

Ao não avançar no processo disciplinar contra Binho Galinha, a ALBA:

  • Ignorou provas documentadas enviadas pelo Ministério Público;
  • Desrespeitou seu dever constitucional de zelar pela moralidade pública;
  • Comprometeu a legitimidade da representação política, ao manter em seus quadros um parlamentar sob graves acusações.

Esse comportamento gera um efeito corrosivo sobre a confiança pública, alimentando a percepção de que o crime pode se perpetuar dentro das instituições políticas sem enfrentar barreiras efetivas.

Consequências institucionais e políticas

O silêncio da Assembleia diante do caso de Binho Galinha levanta questionamentos sobre a eficácia dos mecanismos de controle interno. A falta de reação diante de denúncias graves reforça a ideia de que, no Brasil, a imunidade parlamentar ainda é confundida com impunidade.

Esse cenário cria um precedente perigoso: ao tolerar a permanência de um deputado acusado de chefiar organização criminosa, a ALBA pode incentivar que outros parlamentares, também investigados por crimes, encontrem na inércia institucional uma forma de proteção.

O resultado é um sistema político fragilizado, em que as regras existem no papel, mas não encontram aplicação prática diante da pressão corporativa. Isso aprofunda o abismo entre sociedade e Parlamento, ampliando a desconfiança na política e no Estado de Direito.

Ato político consciente

A inércia da ALBA no caso de Binho Galinha não pode ser interpretada como falha administrativa isolada, mas sim como ato político consciente. A Casa Legislativa escolheu não agir, mesmo tendo elementos suficientes para fazê-lo. Essa escolha a posiciona ao lado do crime, e não da sociedade.

A conivência parlamentar compromete a moralidade pública, fortalece a cultura da impunidade e fragiliza os pilares da democracia. Mais do que investigar o deputado, torna-se imperativo investigar também as razões da omissão da ALBA e os interesses que mantiveram o processo engavetado. O combate ao crime organizado não se faz apenas com operações policiais, mas também com instituições políticas capazes de se autodepurar.

O conceito teórico de anomia, segundo Durkheim

Émile Durkheim usou o conceito de anomia para explicar situações em que a sociedade perde sua capacidade de regular os desejos, comportamentos e expectativas dos indivíduos.

Na perspectiva dele, a vida social só se mantém coesa porque existem normas coletivas — regras morais, jurídicas e culturais — que orientam as condutas. Quando essas normas se enfraquecem, entram em conflito ou deixam de ser reconhecidas, instala-se a anomia, um estado de desordem normativa.

Durkheim trabalhou essa ideia especialmente em duas obras:

  • “Da Divisão do Trabalho Social” (1893): aqui ele associou a anomia a um momento de transição nas sociedades modernas. Quando a divisão do trabalho avança, as antigas formas de solidariedade (baseadas na semelhança entre indivíduos) se dissolvem, mas as novas regras ainda não estão consolidadas. Resultado: indivíduos perdem referências de como agir.

  • “O Suicídio” (1897): Durkheim analisou o chamado suicídio anômico, que ocorre quando crises econômicas, guerras ou mudanças bruscas alteram o equilíbrio social. Nestes contextos, os indivíduos se veem diante de expectativas ilimitadas, sem freios coletivos, e mergulham em frustração, desorientação e desespero.

Portanto, para Durkheim, a anomia é um estado patológico da sociedade, no qual a ausência ou fragilidade das normas sociais impede a integração e a regulação da vida coletiva. Não se trata apenas de “falta de lei”, mas da perda de legitimidade das regras que garantem ordem e sentido à vida em comunidade.

Esse conceito foi depois retomado por outros pensadores, como Robert K. Merton, que o reinterpretou na sociologia americana, relacionando anomia às tensões entre metas culturais e meios institucionais.

*Carlos Augusto, jornalista, cientista social e editor do Jornal Grande Bahia.

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