A Polícia Federal (PF) ampliou as apurações da Operação Sisamnes, que investiga um esquema de venda e vazamento de decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Relatório parcial entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, indica a existência de padrões típicos de atuação de organizações criminosas, envolvendo servidores, lobistas e advogados com acesso privilegiado a gabinetes de ministros.
Segundo a PF, o esquema demonstra alto grau de coordenação e hierarquia, com divisão de funções e fluxo contínuo de repasses financeiros. O objetivo seria manipular resultados de julgamentos, interferir em pautas e antecipar informações sigilosas a empresários e advogados interessados em decisões favoráveis.
Origem e nome da operação
Deflagrada em 2024, a Operação Sisamnes recebeu o nome de um juiz persa executado por corrupção durante o reinado de Cambises II, referência histórica à punição exemplar de magistrados que violam o dever de justiça. O caso teve início a partir da análise de mensagens, documentos e movimentações financeiras obtidas no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023, em circunstâncias que também são objeto de investigação.
As provas indicaram um sistema paralelo de venda de decisões judiciais, comandado pelo lobista Andreson de Oliveira Gonçalves em parceria com servidores de gabinete e advogados de grandes grupos empresariais.
Personagens centrais e núcleo de poder
Entre os investigados estão os servidores Daimler Alberto de Campos, Márcio José Toledo Pinto e Rodrigo Falcão, todos com passagens por gabinetes de ministros do STJ. A PF aponta que eles forneciam informações internas e influenciavam decisões, em troca de vantagens financeiras negociadas por intermediários externos.
O lobista Andreson Gonçalves, considerado o elo central do esquema, está em prisão domiciliar desde maio de 2025, após decisão do ministro Cristiano Zanin, que também determinou o bloqueio de bens e a quebra de sigilos bancário e telemático. Já o advogado Roberto Zampieri, encontrado morto no Paraná, teria atuado como operador jurídico das negociações, sendo responsável por elaborar minutas e relatórios direcionados a escritórios interessados em influenciar julgamentos.
O relatório também menciona o gabinete da ministra Isabel Gallotti, apontando que interlocutores ligados ao grupo antecipavam informações sobre a pauta e movimentações processuais, antes da divulgação oficial. Há ainda referência a Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes, suspeito de tráfego de informações internas.
Modus operandi e lavagem de dinheiro
De acordo com as investigações, o grupo estruturou um sistema de corrupção judicial com três núcleos operacionais:
- Núcleo interno (STJ) — servidores com acesso a decisões, despachos e pautas;
- Núcleo externo (lobistas e advogados) — responsáveis por negociar valores e repassar propinas;
- Núcleo financeiro (empresarial) — encarregado de lavar recursos por meio de empresas de fachada, consultorias jurídicas e transferências simuladas.
O esquema, segundo a PF, reproduz práticas de organizações criminosas estruturadas, com uso de criptografia, empresas interpostas e intermediação profissionalizada para encobrir as origens dos pagamentos.
As análises financeiras apontam ligações entre os investigados e empresas ligadas ao agronegócio, incluindo a Fource Consultoria e a Bom Jesus Agropecuária, ambas já citadas em outros inquéritos sobre fraudes em recuperações judiciais e decisões compradas no TJMT e no STJ.
Conexões com o agronegócio e fraudes bilionárias
A PF detectou que parte das decisões manipuladas beneficiava grandes grupos do agronegócio, especialmente em processos de recuperação judicial e falência. Nessas ações, sentenças favoráveis permitiam manter o controle de ativos, suspender execuções e reduzir dívidas, produzindo prejuízos bilionários a credores e bancos públicos.
Empresas de fachada ligadas aos investigados teriam recebido pagamentos de origem duvidosa para intermediar decisões e facilitar despachos junto ao STJ. A Fource Consultoria aparece como ponto de interseção entre os esquemas de corrupção judicial e manipulação empresarial, atuando como fachada para serviços jurídicos fictícios.
Mortes, coerções e infiltração criminosa
A investigação também passou a incluir a morte de Roberto Zampieri, considerada decisiva para o avanço da apuração. Mensagens encontradas em seu celular indicam ameaças e disputas internas pelo controle do esquema de propinas.
A PF trata o caso como homicídio conexo à corrupção judicial, com ramificações no Paraná e em Brasília, e suspeita de coação de testemunhas e destruição de provas.
Além disso, a corporação apura indícios de espionagem e vigilância ilegal contra magistrados e servidores não cooptados, com uso de softwares e monitoramento físico, o que eleva o caso à categoria de crime organizado infiltrado no sistema de Justiça.
Andamento judicial e próximos passos
O inquérito principal tramita sob sigilo no STF, com compartilhamento de provas com o STJ e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A PF segue analisando conversas criptografadas, transferências bancárias e arquivos em nuvem, buscando identificar novos servidores e magistrados envolvidos.
O STJ, por sua vez, instaurou sindicância administrativa que resultou na exoneração de servidores e na revisão de protocolos de segurança sobre acesso a sistemas internos. A Corte Especial acompanha o caso para evitar interferências nas apurações.
Crise de legitimidade e urgência de reforma institucional
A Operação Sisamnes representa o ponto mais grave de uma série de denúncias sobre corrupção judicial e captura de decisões no Brasil. O envolvimento de servidores e intermediários próximos a ministros do STJ levanta questionamentos sobre os mecanismos de controle interno, a opacidade da tramitação de processos e a ausência de accountability no alto escalão do Judiciário.
A erosão da confiança pública na Justiça, somada à impunidade de casos anteriores, exige reformas estruturais, como auditorias externas, rastreamento digital obrigatório e publicidade integral das comunicações de gabinete. A persistência do sigilo e a morosidade no andamento processual apenas reforçam a percepção de corporativismo, minando a credibilidade institucional e a segurança jurídica.
Linha do tempo da Operação Sisamnes (Polícia Federal e STF)
A seguir, é apresentada a cronologia consolidada da Operação Sisamnes, baseada em comunicados oficiais da Polícia Federal (PF) e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). A operação apura venda e vazamento de decisões judiciais no STJ, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, obstrução de justiça e o homicídio do advogado Roberto Zampieri.
| Fase / Data aproximada | Evento principal | Descrição e relevância |
|---|---|---|
| Fase inicial — 26/11/2024 | Deflagração da Operação Sisamnes | A PF cumpre mandados de prisão preventiva e 23 de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e Distrito Federal. Determina afastamentos, sequestro de bens e monitoramento eletrônico. Marca o início das apurações sobre venda de decisões judiciais no STJ. |
| 2ª fase — 20/12/2024 | Investigação de lavagem de dinheiro | Aprofunda a análise das movimentações financeiras ligadas ao esquema. Determina bloqueio de R$ 1,8 milhão, sequestro de imóveis e restrições de deslocamento de investigados. |
| 3ª fase — 18/03/2025 | Nova etapa de buscas no Tocantins | Cumprimento de mandados de prisão e busca por violação de sigilo funcional e obstrução de justiça. A PF descobre rede clandestina de monitoramento e repasse de informações de processos sigilosos. |
| 4ª fase — 02/05/2025 (estimada) | Ampliação do inquérito principal | Inicia análise de vínculos entre lobistas e empresas do agronegócio. Identifica a Fource Consultoria e a Bom Jesus Agropecuária como possíveis intermediárias em fraudes de recuperações judiciais. |
| 5ª fase — 13/05/2025 | Combate à corrupção e evasão de divisas | Cumprimento de 11 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, São Paulo e DF. Sequestro de cerca de R$ 20 milhões em bens. Alvos são investigados por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. |
| 6ª fase — 14/05/2025 | Prisões e buscas em Brasília | A PF cumpre dois mandados de prisão preventiva e um de busca no Distrito Federal. O objetivo é desarticular tentativas de destruição de provas e obstrução de investigações. |
| 7ª fase — 28/05/2025 | Apuração do homicídio de Zampieri | Medidas mais duras: cinco mandados de prisão preventiva, seis de busca e apreensão e quatro de monitoramento eletrônico. A PF investiga mandantes e coautores do assassinato de Roberto Zampieri, ocorrido em 2023. |
| 8ª fase — 29/05/2025 | Afastamento de magistrado e sequestro de bens | Cumprimento de três mandados de busca em Mato Grosso. Determina o afastamento de um juiz e o sequestro de bens avaliados em R$ 30 milhões. Também impõe recolhimento de passaportes. |
| 9ª fase — 30/05/2025 | Vazamento de informações sigilosas | A PF realiza buscas em Palmas (TO) para apurar vazamentos internos de decisões judiciais e informações de operações. Alvos são proibidos de deixar o país e de manter contato com outros investigados. |
| Nova fase — 27/06/2025 | Prisões e buscas em Palmas | Cumprimento de três mandados de prisão preventiva e três de busca e apreensão. Foco em servidores e assessores que teriam repassado informações de investigações sigilosas a investigados do STJ. |
| Relatório parcial — outubro de 2025 | Ampliação das investigações pelo STF | Relatório da PF enviado ao ministro Cristiano Zanin indica padrão de atuação típico de organização criminosa. O documento menciona o lobista Andreson Gonçalves, servidores de gabinete e possível ligação financeira com grandes grupos empresariais. |
Síntese das descobertas
A Operação Sisamnes revelou um esquema complexo e hierarquizado de corrupção judicial, que envolvia servidores, lobistas, advogados e empresários. As provas apontam que decisões do STJ eram negociadas mediante pagamento de propina e que informações sigilosas eram vendidas antes de julgamentos.
O caso também conecta crimes financeiros e homicídios à tentativa de ocultar provas e eliminar delatores.
Contexto e impacto institucional
A série de fases sucessivas indica uma das mais longas operações contra corrupção no Judiciário brasileiro. O fato de envolver assessores de ministros do STJ e intermediários externos levou o STF a intervir, ampliando a investigação sob sua relatoria.
A operação tornou-se símbolo da crise de legitimidade do sistema judicial e reacendeu o debate sobre transparência, accountability e controle externo do Poder Judiciário.
*Com informações do Jornal Folha de S.Paulo.
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