A apuração integra o relatório parcial da Operação Sisamnes e tramita sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o documento, o grupo empresarial Fource aparece como suposto principal articulador das irregularidades, tendo mobilizado lobistas e magistrados ligados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para influenciar decisões e favorecer empresas endividadas.
As investigações indicam que falências e recuperações judiciais simuladas eram conduzidas com o apoio de autoridades cooptadas do Judiciário, que garantiam sentenças favoráveis em troca de vantagens indevidas. Segundo a PF, o esquema dependia da corrupção judicial sistêmica para conferir aparência de legalidade a operações artificiais, provocando prejuízos bilionários a credores reais e distorções no mercado de crédito rural.
Redomiciliações fictícias e juízos “ótimos”
O relatório descreve que as fraudes começavam com a manipulação da competência territorial, permitindo que os processos fossem direcionados a juízos complacentes, apelidados de “Juízos ótimos”. Para isso, eram realizadas redomiciliações fictícias, criação de filiais artificiais e conexões jurídicas simuladas. Assim, os empresários garantiam que os casos fossem julgados por magistrados previamente influenciados.
Em seguida, o grupo cooptava administradores judiciais para controlar o andamento das ações e inseria créditos falsos no processo, em nome de empresas do mesmo conglomerado. Esses créditos simulados criavam credores aliados, que manipulavam votações e permitiam a compra de dívidas com deságio artificial, distorcendo a concorrência e gerando ganhos ilegais.
Fraudes estruturadas com apoio judicial
A PF sustenta que o funcionamento do esquema dependia de decisões judiciais corrompidas, sem as quais as fraudes não teriam validade. “Por meio da influência em gabinetes, manipulação de minutas, antecipação de despachos e negociação extraprocessual de decisões, os atos fraudulentos adquiriam aparência de legitimidade”, afirma o relatório.
Ao final dos processos, as empresas beneficiadas evitavam o pagamento de dívidas, recompravam ativos desvalorizados e aumentavam seu patrimônio, causando danos a produtores rurais, bancos e fornecedores. A PF avalia que a fraude foi viabilizada por uma rede de intermediação entre empresários, magistrados e lobistas.
Depoimentos e conexões com o STJ
Um dos episódios citados envolve o produtor de algodão José Pupin, que admitiu à Justiça a existência de irregularidades em sua própria recuperação judicial. O caso revelou a conexão direta entre o grupo Fource e autoridades do STJ, incluindo supostos assessores e advogados que atuavam como intermediários de decisões.
A PF também identificou que o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves criou contatos falsos em seu telefone celular, atribuindo nomes de servidores do STJ a advogados, para simular influência política. Essa tática, segundo os investigadores, buscava intimidar credores e reforçar a percepção de poder do grupo junto à Corte.
Relator autoriza novas linhas de investigação
O ministro Cristiano Zanin, relator do inquérito, recebeu pedido da PF para ampliar a apuração e investigar novos personagens ligados ao esquema de venda de sentenças, incluindo a filha de um ministro do STJ. A ampliação das investigações reforça a tese de que o esquema possuía ramificações institucionais e não se limitava ao primeiro grau de jurisdição.
A Operação Sisamnes recebeu esse nome em referência ao juiz persa Sisamnes, que, segundo o historiador Heródoto, foi executado e esfolado vivo por corrupção no século VI a.C. O nome simboliza a punição exemplar contra juízes que traem a função pública.
Fource nega irregularidades e critica relatório da PF
A empresa Fource divulgou nota em que repudia as conclusões da Polícia Federal, afirmando que o relatório “se baseia em relações subjetivas, sem apresentar elementos concretos ou provas que sustentem as acusações”. A companhia acusa a PF de “denuncismo” e viés policialesco, argumentando que não teve acesso integral aos autos e que as conclusões seriam “levianas e desprovidas de respaldo probatório”.
Segundo a nota, o grupo “reafirma sua integridade e profissionalismo” e afirma ser alvo de um “grupo de credores que descumpriu obrigações e não tem legitimidade para questionar sua atuação”. A Fource diz confiar que “o Ministério Público e o Judiciário se atenham às provas, assegurando a verdade e a justiça”.
Delegado se afasta da investigação
O delegado Marco Bontempo, responsável pelo caso, solicitou afastamento do inquérito alegando motivos de saúde após entregar o relatório parcial. A PF, contudo, garantiu que as investigações prosseguem sob nova coordenação e que o material reunido será encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) para análise de eventuais denúncias criminais.
O escândalo que desafia a credibilidade do Judiciário
A Operação Sisamnes expõe a vulnerabilidade estrutural do sistema judicial brasileiro, especialmente no controle de processos de recuperação e falência, que movimentam bilhões de reais e frequentemente escapam de auditoria efetiva. A suposta participação de magistrados e assessores de cortes superiores, como o STJ, aprofunda a crise de confiança institucional e reforça a necessidade de mecanismos de transparência, sorteio automatizado de relatorias e fiscalização independente.
Mais do que um caso isolado, o episódio aponta para uma cleptocracia judicial em formação, na qual decisões são convertidas em mercadoria, corroendo o princípio republicano e a segurança jurídica no país.
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