Após cinco meses de debates técnicos e audiências com mais de 200 entidades, o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados apresentou o conjunto final de medidas que visa reconstruir a base estrutural da administração pública brasileira, mantendo a estabilidade dos servidores e reforçando a transparência, a digitalização e a meritocracia.
A proposta, coordenada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) sob orientação do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está estruturada em um pacote de 70 iniciativas, distribuídas em três instrumentos legislativos complementares:
- uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os fundamentos constitucionais da administração pública;
- um Projeto de Lei Complementar (PLP), denominado Lei de Responsabilidade por Resultados, que cria metas obrigatórias e acordos de desempenho para todos os órgãos públicos;
- e um Projeto de Lei Ordinária (PL) que institui o Marco Legal da Administração Pública Brasileira, detalhando novas regras de concursos, carreiras, teletrabalho e gestão de pessoas.
O texto propõe um Estado digital, ágil e orientado a resultados, com mecanismos de avaliação de desempenho, planejamento estratégico e transparência em tempo real, sem reduzir direitos adquiridos dos atuais servidores públicos.
Um pacto republicano para o futuro do Estado brasileiro
Na carta de apresentação do Fichário da Reforma Administrativa, o presidente Hugo Motta define o projeto como um “pacto republicano com o futuro do Brasil”, destacando que o Estado brasileiro, preso a estruturas burocráticas do século XX, precisa se adaptar às exigências do século XXI.
Segundo ele, “a vida real cobra mais do que a máquina pública consegue entregar”. A reforma, portanto, busca corrigir a defasagem entre o que o cidadão paga e o que recebe do poder público.
O GT, formado por 16 parlamentares de diferentes partidos, dedicou mais de 500 horas de trabalho técnico, com apoio de especialistas de instituições como o Banco Mundial, FGV, USP, FGV Direito, Movimento Brasil Competitivo, além de gestores públicos e representantes de servidores. O resultado, diz o relatório, é uma proposta plural, negociada e tecnicamente embasada, elaborada para gerar consenso político e segurança jurídica.
Os quatro eixos centrais da Reforma Administrativa
Eixo 1 – Estratégia, governança e gestão
O primeiro eixo tem caráter estruturante: estabelece o planejamento estratégico obrigatório para todos os governos e órgãos públicos em até 180 dias após a posse, conforme previsto no artigo 5º do PLP da Lei de Responsabilidade por Resultados.
Cada ente federativo deverá divulgar metas, indicadores e relatórios semestrais de desempenho, vinculando a execução orçamentária à entrega efetiva de resultados. O planejamento estratégico de resultados passa a ser o núcleo de gestão pública, funcionando como um contrato de desempenho entre Estado e sociedade.
Entre as principais medidas estão:
- Acordos de Resultados entre gestores e autoridades superiores, com metas específicas, indicadores objetivos e mecanismos de monitoramento;
- Revisão periódica de gastos (“spending review”) inspirada em modelos da OCDE e da União Europeia;
- Avaliação obrigatória de políticas públicas, vinculada ao custo de implementação e à efetividade social;
- Papel ampliado dos Tribunais de Contas, que passam a monitorar resultados e não apenas legalidade formal.
Esses mecanismos criam uma nova cultura de responsabilidade por resultados, que complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 2000. Enquanto a LRF focava na despesa, a nova lei se volta à qualidade do gasto e ao impacto social das políticas públicas.
Eixo 2 – Transformação digital e Estado do futuro
O segundo eixo institucionaliza o Governo Digital como política de Estado. A PEC da Reforma Administrativa insere no artigo 6º da Constituição a inclusão digital como novo direito social e prevê a criação da Estratégia Nacional de Governo Digital e da Política Nacional de Dados para o Setor Público.
Na prática, o cidadão passará a ter identificação digital única — física e eletrônica — integrada a todos os sistemas de governo. A proposta também garante que consultas públicas e votações populares possam ocorrer digitalmente, reforçando a democracia participativa.
Além disso, a Plataforma Gov.br se tornará obrigatória para todos os entes federativos, inclusive Legislativo, Judiciário e Ministérios Públicos, promovendo interoperabilidade de dados e reduzindo custos operacionais.
Segundo o relatório do GT, essa transformação digital poderá economizar até R$ 30 bilhões anuais, com base em estimativas do Banco Mundial. Países como Estônia e Portugal serviram de referência, demonstrando que a digitalização integral do Estado reduz corrupção, acelera processos e melhora a confiança do cidadão nas instituições.
Eixo 3 – Profissionalização e meritocracia
O terceiro eixo estabelece novos parâmetros para carreiras e concursos públicos, criando o Marco Legal da Administração Pública Brasileira.
O texto determina que todo concurso deve ser precedido por estudo técnico de dimensionamento da força de trabalho, considerando vacâncias, impacto orçamentário e perfil de competências. Cria-se também o Concurso Nacional Unificado, o chamado “Enem dos Concursos”, com adesão opcional de estados e municípios.
Entre as principais inovações:
- Tabela salarial única, com múltiplos níveis e limites para evitar distorções entre carreiras;
- Estágio probatório com avaliações periódicas e obrigatórias, voltadas à qualificação contínua;
- Exigência de que 50% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores efetivos;
- Criação de critérios objetivos para seleção de gestores públicos, com editais de competência e transparência.
Essas mudanças pretendem substituir o tempo de serviço como fator de progressão por avaliação de desempenho e entrega de resultados, estimulando a meritocracia e a inovação no setor público.
Eixo 4 – Extinção de privilégios e supersalários
O último eixo é o mais simbólico e, possivelmente, o mais sensível politicamente. Ele enfrenta o problema histórico dos supersalários, verbas indenizatórias indevidas e penduricalhos que corroem a credibilidade do funcionalismo e o equilíbrio fiscal.
O texto proíbe o pagamento de indenizações retroativas, benefícios cumulativos e licenças remuneradas acima do padrão constitucional. Também fixa teto remuneratório unificado para empresas estatais e impõe limites às despesas com verbas indenizatórias.
Um ponto de destaque é a proibição da aposentadoria compulsória como punição disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público, substituída pela demissão administrativa após processo disciplinar no CNJ e CNMP.
Segundo o relatório do GT, a extinção desses privilégios não tem caráter punitivo, mas busca restaurar a igualdade entre servidores e assegurar justiça fiscal. Pesquisa Datafolha citada no documento mostra que 83% dos brasileiros rejeitam privilégios como supersalários, e 72% apoiam a profissionalização do serviço público como meio de combater a corrupção.
Teletrabalho, assédio e diversidade
A proposta também regulamenta o teletrabalho, fixando o limite de 20% da força de trabalho remota por órgão e exigindo avaliação de desempenho digital. O objetivo é evitar a precarização dos serviços e manter padrões de controle e produtividade.
A Lei do Marco Legal introduz ainda mecanismos contra o assédio moral e sexual, políticas de equidade de gênero e representatividade das mulheres na administração pública, prevendo licença-maternidade e estabilidade também para servidoras temporárias.
Essas medidas representam uma mudança cultural na gestão de pessoas, buscando compatibilizar produtividade e direitos humanos no ambiente de trabalho público.
O impacto político e institucional da reforma
A aprovação dessa reforma tem potencial de redefinir o pacto federativo e o papel do Estado brasileiro. A proposta cria uma governança nacional baseada em dados, metas e resultados, aplicável a todos os poderes e entes federativos.
Contudo, sua implementação exigirá capacitação técnica, cooperação federativa e mudança de cultura administrativa, especialmente nos tribunais e ministérios, onde ainda prevalecem práticas de autonomia excessiva e baixa transparência de custos.
Para especialistas como Carlos Sundfeld (FGV) e Francisco Gaetani (MGI), ouvidos pelo GT, a reforma é tecnicamente sólida, mas seu êxito dependerá da capacidade política de blindá-la contra retrocessos corporativos. O risco, dizem, é que o texto se fragmente em votações parciais, perdendo coerência entre seus quatro eixos.
Análise crítica: entre a eficiência e o pacto social
A Reforma Administrativa de 2025 é o mais ambicioso projeto de modernização do Estado desde a Constituição de 1988. Rompe com o modelo burocrático weberiano, buscando construir um Estado gerencial de base digital, mas sem romper o pacto social da estabilidade.
Seu mérito é equilibrar responsabilidade fiscal e valorização do servidor, substituindo o discurso de ajuste pelo de eficiência. Todavia, permanece o desafio de garantir controle democrático, transparência dos indicadores e fiscalização independente.
Se bem implementada, poderá inaugurar uma nova era de governança pública, em que o foco do Estado volta-se ao cidadão e não à máquina. Caso contrário, corre o risco de tornar-se apenas mais uma promessa reformista sem lastro na realidade operacional do serviço público.
Principais dados e informações da Reforma Administrativa de 2025
1. Estrutura Geral da Reforma Administrativa
Natureza da proposta:
- Reforma do Estado brasileiro com foco em eficiência, meritocracia, transparência e digitalização.
- Mantém direitos adquiridos e estabilidade dos atuais servidores públicos.
- Não tem caráter de ajuste fiscal, mas de reformulação gerencial e digital.
Instrumentos legislativos:
- PEC – Proposta de Emenda à Constituição: altera regras constitucionais da Administração Pública.
- PLP – Lei de Responsabilidade por Resultados: cria planejamento estratégico, acordos de metas e bônus de desempenho.
- PL – Marco Legal da Administração Pública: regulamenta concursos, carreiras, estágio probatório, cargos comissionados e teletrabalho.
Coordenação política:
- Deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) — coordenador do Grupo de Trabalho.
- Deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) — presidente da Câmara dos Deputados.
Período de elaboração:
- De 28 de maio a 14 de julho de 2025, com mais de 500 horas de reuniões técnicas.
Composição do GT:
- 16 parlamentares de diferentes partidos, incluindo PSB, PDT, Novo, PL, PT, União Brasil, Avante, Podemos, PSOL, Rede e PV.
Participação técnica:
- Apoio da Consultoria Legislativa da Câmara, Banco Mundial, FGV, USP, Movimento Brasil Competitivo, Esther Dweck (MGI), Bruno Reis (prefeito de Salvador), Eduardo Leite (governador do RS) e especialistas nacionais e estrangeiros.
2. Eixos Centrais da Reforma
Eixo 1 – Estratégia, Governança e Gestão:
- Planejamento estratégico obrigatório em até 180 dias após posse de governantes.
- Criação dos Acordos de Resultados entre gestores e superiores hierárquicos.
- Avaliação obrigatória das políticas públicas e revisão anual de gastos (“spending review”).
- Ampliação das funções dos Tribunais de Contas como verificadores de resultados.
- Criação do Conselho de Gestão Fiscal (CGF) permanente.
Eixo 2 – Transformação Digital:
- Inclusão digital reconhecida como novo direito social constitucional.
- Criação da Estratégia Nacional de Governo Digital e Política Nacional de Dados Públicos.
- Identificação digital única do cidadão e digitalização total de processos.
- Unificação da Plataforma Gov.br para os três Poderes e todos os entes federativos.
- Participação social digital e consultas populares online.
Eixo 3 – Profissionalização e Meritocracia:
- Criação do Marco Legal da Administração Pública.
- Implantação do Concurso Nacional Unificado (“Enem dos Concursos”).
- Estágio probatório de três anos, com avaliações periódicas e obrigatórias.
- Tabela salarial única para todas as carreiras, com até 20 níveis de progressão.
- Redução do número de carreiras públicas e limitação do salário inicial a 50% do final.
- Exigência de que 50% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores efetivos.
Eixo 4 – Extinção de Privilégios:
- Fim das férias de 60 dias, penduricalhos e indenizações retroativas.
- Proibição de aposentadoria compulsória como sanção disciplinar.
- Teto remuneratório unificado para empresas estatais e órgãos públicos.
- Limitação de verbas indenizatórias e revisão de benefícios acumulativos.
- Demissão disciplinar para magistrados e membros do MP mediante PAD no CNJ/CNMP.
3. Planejamento e Avaliação de Resultados
Planejamento Estratégico:
- Documento com metas e objetivos para todo o mandato governamental.
- Deve ser apresentado ao Legislativo e publicado no portal da transparência.
Acordos de Resultados:
- Contratos internos com metas mensuráveis e indicadores qualitativos e quantitativos.
- Avaliação baseada em eficiência, eficácia, efetividade e satisfação do cidadão.
Bônus de Desempenho:
- Pagamento condicionado ao cumprimento de metas institucionais.
- Limitado a duas remunerações anuais (ou até quatro para cargos estratégicos).
- Recurso financiado com base em até uma 14ª folha de pagamento do órgão.
Avaliação das Políticas Públicas:
- Obrigatória em todas as esferas de governo.
- Avaliação prévia simplificada antes da criação de novas políticas.
- Envolvimento dos Tribunais de Contas como verificadores independentes.
4. Gestão de Pessoas e Carreiras
Concursos Públicos:
- Exigência de estudo técnico de necessidade e impacto fiscal.
- Criação de cadastro nacional de aprovados e portal de transparência dos concursos.
- Vedação a novos concursos enquanto houver cadastro reserva vigente.
Carreiras e Progressão:
- Progressão baseada em entregas e resultados, não apenas em tempo de serviço.
- Possibilidade de ingresso em níveis mais altos da carreira, conforme mérito e experiência.
- Redução de carreiras redundantes e padronização da estrutura remuneratória.
Cargos Comissionados:
- Limite mínimo de 50% de ocupação por servidores efetivos.
- Procedimentos de seleção imparciais, com requisitos objetivos e critérios técnicos.
Teletrabalho e Ambiente Organizacional:
- Limite de 20% da força de trabalho em regime remoto.
- Avaliação de desempenho digital obrigatória.
- Políticas de combate ao assédio moral e sexual.
- Normas de diversidade, igualdade de gênero e proteção à gestante.
5. Controle Fiscal e Qualidade do Gasto
Lei de Responsabilidade por Resultados:
- Expande a LRF, focando na eficiência da despesa pública.
- Obriga integração entre planejamento estratégico e orçamentos (PPA, LDO e LOA).
- Cria mecanismos de revisão e monitoramento de políticas públicas.
Conselho de Gestão Fiscal:
- Harmoniza interpretações técnicas e acompanha a execução da política fiscal.
Transparência:
- Obrigatoriedade de publicar dados em formato aberto e legível por máquina.
- Portal unificado de dados para concursos, gastos e resultados de políticas.
6. Limites e Regras para os Poderes
Poder Executivo:
- Governadores e prefeitos devem publicar o planejamento estratégico em até 180 dias após a posse.
- Municípios com déficit estrutural terão limite de secretarias conforme população (mínimo de 5, máximo de 10).
Poder Legislativo:
- Despesas dos deputados estaduais não poderão exceder 75% do limite da Câmara dos Deputados.
- Divulgação obrigatória em transparência ativa e dados abertos.
Poder Judiciário e Ministério Público:
- Aplicação do teto remuneratório unificado.
- Revisão dos honorários e acúmulos de acervo.
- Possibilidade de demissão por PAD, afastando o privilégio da aposentadoria disciplinar.
7. Resultados esperados e impactos
Eficiência:
- Redução de desperdícios e maior foco em metas e entregas.
- Potencial de economia de R$ 30 bilhões por ano com digitalização e revisão de gastos.
Transparência:
- Criação de um Estado orientado por dados abertos e indicadores públicos de desempenho.
Inovação:
- Expansão da cultura de governo digital, interoperabilidade de sistemas e automação de serviços.
Justiça fiscal:
- Eliminação de privilégios e padronização salarial.
- Limitação de indenizações e supersalários.
Sustentabilidade institucional:
- Estrutura flexível e moderna, adaptada ao século XXI.
- Valorização do servidor como agente de transformação, e não como custo.
8. Contexto político e desafios
Prioridade legislativa:
- Presidente Hugo Motta definiu a reforma como pauta central da Câmara em 2025.
- Expectativa de votação até o fim do ano legislativo.
Apoio e resistências:
- Apoio de partidos de centro e governistas.
- Resistência de corporações do Judiciário, MP e sindicatos de servidores.
Desafio principal:
- Garantir coesão entre os três textos (PEC, PLP e PL) e preservar o equilíbrio entre eficiência administrativa e proteção de direitos.
9. Dados sintéticos e quantitativos
| Indicador | Valor/Descrição |
|---|---|
| Total de propostas legislativas | 70 medidas |
| Eixos estruturantes | 4 |
| Duração dos trabalhos técnicos | +500 horas |
| Audiências públicas | 7 |
| Especialistas consultados | 35 |
| Parlamentares no GT | 16 |
| Prazo de planejamento estratégico | 180 dias após posse |
| Limite teletrabalho | 20% da força de trabalho |
| Avaliação probatória | 3 anos, com avaliações periódicas |
| Economia estimada com digitalização | R$ 30 bilhões/ano |
| Participação da sociedade civil | +200 entidades representadas |
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