Reforma Administrativa propõe Estado digital, meritocrático e sem privilégios: proposta deve ser votada até o fim de 2025

Câmara dos Deputados avança com projeto que redefine o serviço público brasileiro.

Após cinco meses de debates técnicos e audiências com mais de 200 entidades, o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa da Câmara dos Deputados apresentou o conjunto final de medidas que visa reconstruir a base estrutural da administração pública brasileira, mantendo a estabilidade dos servidores e reforçando a transparência, a digitalização e a meritocracia.

A proposta, coordenada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) sob orientação do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está estruturada em um pacote de 70 iniciativas, distribuídas em três instrumentos legislativos complementares:

  • uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera os fundamentos constitucionais da administração pública;
  • um Projeto de Lei Complementar (PLP), denominado Lei de Responsabilidade por Resultados, que cria metas obrigatórias e acordos de desempenho para todos os órgãos públicos;
  • e um Projeto de Lei Ordinária (PL) que institui o Marco Legal da Administração Pública Brasileira, detalhando novas regras de concursos, carreiras, teletrabalho e gestão de pessoas.

O texto propõe um Estado digital, ágil e orientado a resultados, com mecanismos de avaliação de desempenho, planejamento estratégico e transparência em tempo real, sem reduzir direitos adquiridos dos atuais servidores públicos.

Um pacto republicano para o futuro do Estado brasileiro

Na carta de apresentação do Fichário da Reforma Administrativa, o presidente Hugo Motta define o projeto como um “pacto republicano com o futuro do Brasil”, destacando que o Estado brasileiro, preso a estruturas burocráticas do século XX, precisa se adaptar às exigências do século XXI.

Segundo ele, “a vida real cobra mais do que a máquina pública consegue entregar”. A reforma, portanto, busca corrigir a defasagem entre o que o cidadão paga e o que recebe do poder público.

O GT, formado por 16 parlamentares de diferentes partidos, dedicou mais de 500 horas de trabalho técnico, com apoio de especialistas de instituições como o Banco Mundial, FGV, USP, FGV Direito, Movimento Brasil Competitivo, além de gestores públicos e representantes de servidores. O resultado, diz o relatório, é uma proposta plural, negociada e tecnicamente embasada, elaborada para gerar consenso político e segurança jurídica.

Os quatro eixos centrais da Reforma Administrativa

Eixo 1 – Estratégia, governança e gestão

O primeiro eixo tem caráter estruturante: estabelece o planejamento estratégico obrigatório para todos os governos e órgãos públicos em até 180 dias após a posse, conforme previsto no artigo 5º do PLP da Lei de Responsabilidade por Resultados.

Cada ente federativo deverá divulgar metas, indicadores e relatórios semestrais de desempenho, vinculando a execução orçamentária à entrega efetiva de resultados. O planejamento estratégico de resultados passa a ser o núcleo de gestão pública, funcionando como um contrato de desempenho entre Estado e sociedade.

Entre as principais medidas estão:

  • Acordos de Resultados entre gestores e autoridades superiores, com metas específicas, indicadores objetivos e mecanismos de monitoramento;
  • Revisão periódica de gastos (“spending review”) inspirada em modelos da OCDE e da União Europeia;
  • Avaliação obrigatória de políticas públicas, vinculada ao custo de implementação e à efetividade social;
  • Papel ampliado dos Tribunais de Contas, que passam a monitorar resultados e não apenas legalidade formal.

Esses mecanismos criam uma nova cultura de responsabilidade por resultados, que complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 2000. Enquanto a LRF focava na despesa, a nova lei se volta à qualidade do gasto e ao impacto social das políticas públicas.

Eixo 2 – Transformação digital e Estado do futuro

O segundo eixo institucionaliza o Governo Digital como política de Estado. A PEC da Reforma Administrativa insere no artigo 6º da Constituição a inclusão digital como novo direito social e prevê a criação da Estratégia Nacional de Governo Digital e da Política Nacional de Dados para o Setor Público.

Na prática, o cidadão passará a ter identificação digital única — física e eletrônica — integrada a todos os sistemas de governo. A proposta também garante que consultas públicas e votações populares possam ocorrer digitalmente, reforçando a democracia participativa.

Além disso, a Plataforma Gov.br se tornará obrigatória para todos os entes federativos, inclusive Legislativo, Judiciário e Ministérios Públicos, promovendo interoperabilidade de dados e reduzindo custos operacionais.

Segundo o relatório do GT, essa transformação digital poderá economizar até R$ 30 bilhões anuais, com base em estimativas do Banco Mundial. Países como Estônia e Portugal serviram de referência, demonstrando que a digitalização integral do Estado reduz corrupção, acelera processos e melhora a confiança do cidadão nas instituições.

Eixo 3 – Profissionalização e meritocracia

O terceiro eixo estabelece novos parâmetros para carreiras e concursos públicos, criando o Marco Legal da Administração Pública Brasileira.

O texto determina que todo concurso deve ser precedido por estudo técnico de dimensionamento da força de trabalho, considerando vacâncias, impacto orçamentário e perfil de competências. Cria-se também o Concurso Nacional Unificado, o chamado “Enem dos Concursos”, com adesão opcional de estados e municípios.

Entre as principais inovações:

  • Tabela salarial única, com múltiplos níveis e limites para evitar distorções entre carreiras;
  • Estágio probatório com avaliações periódicas e obrigatórias, voltadas à qualificação contínua;
  • Exigência de que 50% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores efetivos;
  • Criação de critérios objetivos para seleção de gestores públicos, com editais de competência e transparência.

Essas mudanças pretendem substituir o tempo de serviço como fator de progressão por avaliação de desempenho e entrega de resultados, estimulando a meritocracia e a inovação no setor público.

Eixo 4 – Extinção de privilégios e supersalários

O último eixo é o mais simbólico e, possivelmente, o mais sensível politicamente. Ele enfrenta o problema histórico dos supersalários, verbas indenizatórias indevidas e penduricalhos que corroem a credibilidade do funcionalismo e o equilíbrio fiscal.

O texto proíbe o pagamento de indenizações retroativas, benefícios cumulativos e licenças remuneradas acima do padrão constitucional. Também fixa teto remuneratório unificado para empresas estatais e impõe limites às despesas com verbas indenizatórias.

Um ponto de destaque é a proibição da aposentadoria compulsória como punição disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público, substituída pela demissão administrativa após processo disciplinar no CNJ e CNMP.

Segundo o relatório do GT, a extinção desses privilégios não tem caráter punitivo, mas busca restaurar a igualdade entre servidores e assegurar justiça fiscal. Pesquisa Datafolha citada no documento mostra que 83% dos brasileiros rejeitam privilégios como supersalários, e 72% apoiam a profissionalização do serviço público como meio de combater a corrupção.

Teletrabalho, assédio e diversidade

A proposta também regulamenta o teletrabalho, fixando o limite de 20% da força de trabalho remota por órgão e exigindo avaliação de desempenho digital. O objetivo é evitar a precarização dos serviços e manter padrões de controle e produtividade.

A Lei do Marco Legal introduz ainda mecanismos contra o assédio moral e sexual, políticas de equidade de gênero e representatividade das mulheres na administração pública, prevendo licença-maternidade e estabilidade também para servidoras temporárias.

Essas medidas representam uma mudança cultural na gestão de pessoas, buscando compatibilizar produtividade e direitos humanos no ambiente de trabalho público.

O impacto político e institucional da reforma

A aprovação dessa reforma tem potencial de redefinir o pacto federativo e o papel do Estado brasileiro. A proposta cria uma governança nacional baseada em dados, metas e resultados, aplicável a todos os poderes e entes federativos.

Contudo, sua implementação exigirá capacitação técnica, cooperação federativa e mudança de cultura administrativa, especialmente nos tribunais e ministérios, onde ainda prevalecem práticas de autonomia excessiva e baixa transparência de custos.

Para especialistas como Carlos Sundfeld (FGV) e Francisco Gaetani (MGI), ouvidos pelo GT, a reforma é tecnicamente sólida, mas seu êxito dependerá da capacidade política de blindá-la contra retrocessos corporativos. O risco, dizem, é que o texto se fragmente em votações parciais, perdendo coerência entre seus quatro eixos.

Análise crítica: entre a eficiência e o pacto social

A Reforma Administrativa de 2025 é o mais ambicioso projeto de modernização do Estado desde a Constituição de 1988. Rompe com o modelo burocrático weberiano, buscando construir um Estado gerencial de base digital, mas sem romper o pacto social da estabilidade.

Seu mérito é equilibrar responsabilidade fiscal e valorização do servidor, substituindo o discurso de ajuste pelo de eficiência. Todavia, permanece o desafio de garantir controle democrático, transparência dos indicadores e fiscalização independente.

Se bem implementada, poderá inaugurar uma nova era de governança pública, em que o foco do Estado volta-se ao cidadão e não à máquina. Caso contrário, corre o risco de tornar-se apenas mais uma promessa reformista sem lastro na realidade operacional do serviço público.

Principais dados e informações da Reforma Administrativa de 2025

1. Estrutura Geral da Reforma Administrativa

Natureza da proposta:

  • Reforma do Estado brasileiro com foco em eficiência, meritocracia, transparência e digitalização.
  • Mantém direitos adquiridos e estabilidade dos atuais servidores públicos.
  • Não tem caráter de ajuste fiscal, mas de reformulação gerencial e digital.

Instrumentos legislativos:

  • PEC – Proposta de Emenda à Constituição: altera regras constitucionais da Administração Pública.
  • PLP – Lei de Responsabilidade por Resultados: cria planejamento estratégico, acordos de metas e bônus de desempenho.
  • PL – Marco Legal da Administração Pública: regulamenta concursos, carreiras, estágio probatório, cargos comissionados e teletrabalho.

Coordenação política:

  • Deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) — coordenador do Grupo de Trabalho.
  • Deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) — presidente da Câmara dos Deputados.

Período de elaboração:

  • De 28 de maio a 14 de julho de 2025, com mais de 500 horas de reuniões técnicas.

Composição do GT:

  • 16 parlamentares de diferentes partidos, incluindo PSB, PDT, Novo, PL, PT, União Brasil, Avante, Podemos, PSOL, Rede e PV.

Participação técnica:

  • Apoio da Consultoria Legislativa da Câmara, Banco Mundial, FGV, USP, Movimento Brasil Competitivo, Esther Dweck (MGI), Bruno Reis (prefeito de Salvador), Eduardo Leite (governador do RS) e especialistas nacionais e estrangeiros.

2. Eixos Centrais da Reforma

Eixo 1 – Estratégia, Governança e Gestão:

  • Planejamento estratégico obrigatório em até 180 dias após posse de governantes.
  • Criação dos Acordos de Resultados entre gestores e superiores hierárquicos.
  • Avaliação obrigatória das políticas públicas e revisão anual de gastos (“spending review”).
  • Ampliação das funções dos Tribunais de Contas como verificadores de resultados.
  • Criação do Conselho de Gestão Fiscal (CGF) permanente.

Eixo 2 – Transformação Digital:

  • Inclusão digital reconhecida como novo direito social constitucional.
  • Criação da Estratégia Nacional de Governo Digital e Política Nacional de Dados Públicos.
  • Identificação digital única do cidadão e digitalização total de processos.
  • Unificação da Plataforma Gov.br para os três Poderes e todos os entes federativos.
  • Participação social digital e consultas populares online.

Eixo 3 – Profissionalização e Meritocracia:

  • Criação do Marco Legal da Administração Pública.
  • Implantação do Concurso Nacional Unificado (“Enem dos Concursos”).
  • Estágio probatório de três anos, com avaliações periódicas e obrigatórias.
  • Tabela salarial única para todas as carreiras, com até 20 níveis de progressão.
  • Redução do número de carreiras públicas e limitação do salário inicial a 50% do final.
  • Exigência de que 50% dos cargos comissionados sejam ocupados por servidores efetivos.

Eixo 4 – Extinção de Privilégios:

  • Fim das férias de 60 dias, penduricalhos e indenizações retroativas.
  • Proibição de aposentadoria compulsória como sanção disciplinar.
  • Teto remuneratório unificado para empresas estatais e órgãos públicos.
  • Limitação de verbas indenizatórias e revisão de benefícios acumulativos.
  • Demissão disciplinar para magistrados e membros do MP mediante PAD no CNJ/CNMP.

3. Planejamento e Avaliação de Resultados

Planejamento Estratégico:

  • Documento com metas e objetivos para todo o mandato governamental.
  • Deve ser apresentado ao Legislativo e publicado no portal da transparência.

Acordos de Resultados:

  • Contratos internos com metas mensuráveis e indicadores qualitativos e quantitativos.
  • Avaliação baseada em eficiência, eficácia, efetividade e satisfação do cidadão.

Bônus de Desempenho:

  • Pagamento condicionado ao cumprimento de metas institucionais.
  • Limitado a duas remunerações anuais (ou até quatro para cargos estratégicos).
  • Recurso financiado com base em até uma 14ª folha de pagamento do órgão.

Avaliação das Políticas Públicas:

  • Obrigatória em todas as esferas de governo.
  • Avaliação prévia simplificada antes da criação de novas políticas.
  • Envolvimento dos Tribunais de Contas como verificadores independentes.

4. Gestão de Pessoas e Carreiras

Concursos Públicos:

  • Exigência de estudo técnico de necessidade e impacto fiscal.
  • Criação de cadastro nacional de aprovados e portal de transparência dos concursos.
  • Vedação a novos concursos enquanto houver cadastro reserva vigente.

Carreiras e Progressão:

  • Progressão baseada em entregas e resultados, não apenas em tempo de serviço.
  • Possibilidade de ingresso em níveis mais altos da carreira, conforme mérito e experiência.
  • Redução de carreiras redundantes e padronização da estrutura remuneratória.

Cargos Comissionados:

  • Limite mínimo de 50% de ocupação por servidores efetivos.
  • Procedimentos de seleção imparciais, com requisitos objetivos e critérios técnicos.

Teletrabalho e Ambiente Organizacional:

  • Limite de 20% da força de trabalho em regime remoto.
  • Avaliação de desempenho digital obrigatória.
  • Políticas de combate ao assédio moral e sexual.
  • Normas de diversidade, igualdade de gênero e proteção à gestante.

5. Controle Fiscal e Qualidade do Gasto

Lei de Responsabilidade por Resultados:

  • Expande a LRF, focando na eficiência da despesa pública.
  • Obriga integração entre planejamento estratégico e orçamentos (PPA, LDO e LOA).
  • Cria mecanismos de revisão e monitoramento de políticas públicas.

Conselho de Gestão Fiscal:

  • Harmoniza interpretações técnicas e acompanha a execução da política fiscal.

Transparência:

  • Obrigatoriedade de publicar dados em formato aberto e legível por máquina.
  • Portal unificado de dados para concursos, gastos e resultados de políticas.

6. Limites e Regras para os Poderes

Poder Executivo:

  • Governadores e prefeitos devem publicar o planejamento estratégico em até 180 dias após a posse.
  • Municípios com déficit estrutural terão limite de secretarias conforme população (mínimo de 5, máximo de 10).

Poder Legislativo:

  • Despesas dos deputados estaduais não poderão exceder 75% do limite da Câmara dos Deputados.
  • Divulgação obrigatória em transparência ativa e dados abertos.

Poder Judiciário e Ministério Público:

  • Aplicação do teto remuneratório unificado.
  • Revisão dos honorários e acúmulos de acervo.
  • Possibilidade de demissão por PAD, afastando o privilégio da aposentadoria disciplinar.

7. Resultados esperados e impactos

Eficiência:

  • Redução de desperdícios e maior foco em metas e entregas.
  • Potencial de economia de R$ 30 bilhões por ano com digitalização e revisão de gastos.

Transparência:

  • Criação de um Estado orientado por dados abertos e indicadores públicos de desempenho.

Inovação:

  • Expansão da cultura de governo digital, interoperabilidade de sistemas e automação de serviços.

Justiça fiscal:

  • Eliminação de privilégios e padronização salarial.
  • Limitação de indenizações e supersalários.

Sustentabilidade institucional:

  • Estrutura flexível e moderna, adaptada ao século XXI.
  • Valorização do servidor como agente de transformação, e não como custo.

8. Contexto político e desafios

Prioridade legislativa:

  • Presidente Hugo Motta definiu a reforma como pauta central da Câmara em 2025.
  • Expectativa de votação até o fim do ano legislativo.

Apoio e resistências:

  • Apoio de partidos de centro e governistas.
  • Resistência de corporações do Judiciário, MP e sindicatos de servidores.

Desafio principal:

  • Garantir coesão entre os três textos (PEC, PLP e PL) e preservar o equilíbrio entre eficiência administrativa e proteção de direitos.

9. Dados sintéticos e quantitativos

Indicador Valor/Descrição
Total de propostas legislativas 70 medidas
Eixos estruturantes 4
Duração dos trabalhos técnicos +500 horas
Audiências públicas 7
Especialistas consultados 35
Parlamentares no GT 16
Prazo de planejamento estratégico 180 dias após posse
Limite teletrabalho 20% da força de trabalho
Avaliação probatória 3 anos, com avaliações periódicas
Economia estimada com digitalização R$ 30 bilhões/ano
Participação da sociedade civil +200 entidades representadas

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