Brasil à beira de um ajuste decisivo: dívida perto de 100% do PIB, juros altos, Orçamento no “piloto automático” e risco fiscal crescente em 2027, alerta economista Felipe Salto

O economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e atual economista-chefe da Warren Investimentos, avalia que o Brasil não enfrentará insolvência em 2027, mas adverte que o próximo governo encontrará uma conjuntura fiscal mais grave, marcada por crescimento baixo, juros elevados e dívida pública em trajetória ascendente.

Em entrevista ao jornalista Luiz Guilherme Gerbelli, publicada na quarta-feira (12/11/2025) na série Ajuste Fiscal: A encruzilhada do próximo governo, do Estadão, o economista Felipe Salto afirmou que o Brasil não deve entrar em insolvência em 2027. A avaliação, contudo, veio acompanhada de uma advertência central: sem um plano robusto de reorganização das contas públicas já no início do próximo mandato, a deterioração fiscal será muito mais severa.

Salto observou que a falta de medidas eficazes para controlar despesas, elevar a eficiência tributária e reequilibrar o orçamento acelerará o avanço da dívida bruta. A ausência de uma estratégia clara e crível, afirmou, compromete confiança e estabilidade. Segundo ele, sem uma âncora fiscal confiável, “a dívida vai explodir”, ampliando o risco de turbulências macroeconômicas.

O economista ponderou que, embora a dívida brasileira esteja em trajetória de alta, ainda não se encontra em estágio crítico. Citou como elementos de contenção as reservas internacionais de US$ 345 bilhões e o caixa do Tesouro, capaz de sustentar até dez meses sem emissão de títulos. Esses mecanismos, porém, não eliminam o problema estrutural: o peso crescente das despesas obrigatórias, o declínio do investimento público e um processo orçamentário que descreveu como “distorcido e obsoleto”.

A projeção de Salto indica que, sem correções, o país chegará a 2027 com juros reais elevados e crescimento econômico insuficiente para acompanhar o ritmo das despesas. O resultado seria uma trajetória persistente de expansão da dívida. “Caminhamos para um período em que o endividamento cresce por muito tempo. Pode ultrapassar 100% do PIB em uma década”, afirmou.

Falhas estruturais do Orçamento e rigidez crescente das despesas

O “piloto automático” que engessa o planejamento público

Para Salto, a raiz da crise fiscal brasileira está na deterioração contínua do processo orçamentário. Ele afirma que o Orçamento perdeu seu papel como instrumento de planejamento nacional e tornou-se um mecanismo automático, incapaz de responder às necessidades estratégicas do País.

Segundo o economista, a expansão de gastos obrigatórios — Previdência, benefícios sociais, indexações e pisos constitucionais — comprime o investimento público, reduzindo-o gradualmente rumo a zero. A situação é agravada pelo aumento expressivo das emendas parlamentares, que cresceram cerca de 700% desde 2017.

Vinculações e indexações: saúde, educação e salário mínimo

Salto critica a retomada das vinculações constitucionais para saúde e educação, restabelecidas pela PEC da Transição. Afirma que a mudança ocorreu sem qualquer avaliação técnica sobre a suficiência dos recursos. Para ele, saúde e educação precisam de revisão permanente, mas não podem ser tratadas de forma automática e desconectadas da eficiência do gasto.

Outro ponto sensível é a indexação de benefícios sociais ao salário mínimo, que, segundo o economista, distorce tanto a política social quanto a política de mercado de trabalho.

As despesas sociais não podem crescer automaticamente sempre que o salário mínimo é reajustado pela produtividade”, defende.

Agenda de reformas: revisão de subsídios, gastos tributários e Fundeb

Gasto tributário pode chegar a R$ 621 bilhões

O economista propõe uma revisão profunda dos benefícios e renúncias fiscais, estimados pela Warren em R$ 621 bilhões. Para ele, “todo mundo precisa contribuir”. Sua sugestão inicial é um corte linear de 10%, incluindo setores tradicionalmente protegidos, como Zona Franca de Manaus e Simples Nacional.

Paralelamente, Salto defende a criação de um programa permanente de avaliação desses gastos, com participação do Ipea e da academia, para definir quais políticas geram resultados efetivos — inclusive sugerindo o fim de abatimentos de despesas médicas no IRPF, que beneficiam majoritariamente as camadas mais ricas.

Revisão do Fundeb e modernização da legislação

Salto propõe rever a trajetória da complementação da União ao Fundeb, hoje em 23%, e retornar a patamares próximos de 18% ou 19%. A medida poderia gerar economia anual de cerca de R$ 30 bilhões.

A modernização da legislação orçamentária, ainda baseada em normas dos anos 1960, é vista como etapa fundamental. Segundo ele, o Brasil sobrepõe novas regras fiscais sem reformar o processo orçamentário em sua essência, gerando um sistema rígido, fragmentado e disfuncional.

Poderes, emendas e judicialização: o ambiente político do ajuste

A força das emendas e a fragilidade da coalizão

Salto observa que o aumento das emendas impositivas — que podem superar R$ 60 bilhões em 2026 — torna mais difícil discutir prioridades nacionais. Soma-se a isso a fragilidade das coalizões presidenciais. O governo, diz ele, depende de uma base parlamentar majoritariamente de centro-direita, pouco comprometida com reformas estruturais.

A judicialização como mecanismo de equilíbrio

Para o economista, ao contrário de críticas comuns, a judicialização de temas orçamentários tem cumprido papel relevante, sobretudo no caso das emendas PIX, que vinham sendo executadas sem transparência. A atuação recente do ministro Flávio Dino, ao promover audiências públicas e questionar o volume de recursos, teria pressionado o Congresso a revisar excessos.

O que acontece se nada for feito?

Salto afirma que a política fiscal atual é “arroz com feijão”: insuficiente para estabilizar a dívida, mas distante de um colapso. No entanto, projeta que, sem medidas, o País enfrentará:

  • crescimento econômico fraco;
  • inflação pressionada;
  • juros estruturalmente altos;
  • dívida crescente por anos.

Se o próximo governo não apresentar um plano robusto já em janeiro de 2027, a dívida poderá entrar em trajetória de aceleração. “Não vejo insolvência, mas vejo um cenário muito mais grave”, alerta.

Ponto de inflexão

A entrevista expõe um quadro sólido e tecnicamente fundamentado sobre os desafios da política fiscal brasileira, mas também revela um impasse recorrente: a impossibilidade de avançar sem uma reconfiguração profunda do processo orçamentário e do pacto político entre Executivo e Congresso. A proposta de revisão ampla dos gastos tributários, subsídios e indexações encontra resistência em grupos de pressão influentes. A judicialização, embora exerça contenção, não substitui a ação planejada do Executivo. O alerta de Salto reforça a percepção de que 2027 será um ponto de inflexão, exigindo escolhas difíceis, compromisso político e coragem institucional — algo que o País posterga há décadas.

Principais dados apresentados por Felipe Salto

Situação fiscal geral e perspectiva para 2027

  • Brasil não deve entrar em insolvência em 2027, segundo Felipe Salto.
  • Cenário projetado: situação fiscal mais grave que a atual, com crescimento mais baixo e juros ainda elevados.
  • Necessidade de plano de ajuste já em janeiro de 2027, na abertura do novo governo.

Dívida pública e trajetória

  • Dívida pública brasileira é muito alta e crescente, mas ainda não explosiva.
  • Dívida é cerca de 18 pontos do PIB acima da média dos emergentes (conceito FMI).
  • Projeção: dívida pode ultrapassar 100% do PIB em horizonte de dez anos, se nada for feito.
  • Necessidade estimada pela IFI: superávit primário próximo de 2% do PIB com juros em patamar “civilizado” para estabilizar a relação dívida/PIB.

Juros, inflação e política monetária

  • Taxa real de juros é considerada “impeditiva” e “na estratosfera”.
  • Avaliação de que a taxa real poderia estar em cerca de 7% a 8%, em vez de níveis atuais mais elevados.
  • Projeção: Banco Central pode iniciar cortes no início do ano seguinte, mas ainda encerraria o ciclo com juros reais em dois dígitos, alimentando o crescimento da dívida.

Reservas internacionais, caixa do Tesouro e contas externas

  • Reservas internacionais em torno de US$ 345 bilhões.
  • Caixa do Tesouro considerado “gigantesco”: permitiria até dez meses sem emissão de novos títulos para financiar o governo.
  • Contas externas “pioraram recentemente”, mas ainda configuram ponto de força em comparação internacional.

Estrutura do Orçamento e composição do gasto

  • Orçamento descrito como em “piloto automático”, com baixa capacidade de planejamento.
  • Gasto obrigatório cresce continuamente, comprimindo a despesa discricionária (especialmente investimento).
  • Projeção de que o investimento público caminha para zero se a tendência atual for mantida.
  • Fortes vinculações constitucionais e indexações (salário mínimo, saúde, educação, benefícios sociais).

6. Saúde, educação e vinculações constitucionais

  • Emenda do teto (EC 95/2016) havia retirado a vinculação à receita, limitando crescimento à inflação.
  • PEC da Transição (2022) restabeleceu a vinculação de saúde e educação à receita, sem avaliação prévia de suficiência.
  • Orçamento da saúde, incluindo emendas, em torno de R$ 235 bilhões por ano.
  • Salto questiona se o volume de gasto é insuficiente ou mal distribuído, defendendo avaliação rigorosa da qualidade do gasto.

Salário mínimo e indexação de benefícios sociais

  • Crítica à indexação de despesas sociais ao salário mínimo.
  • Salário mínimo deveria seguir ganhos de produtividade do trabalho, não funcionar como indexador automático de políticas sociais.
  • Estimativa: desindexar essas despesas poderia gerar economia de cerca de R$ 35 bilhões por ano.

Gasto tributário, subsídios e renúncias fiscais

  • Estimativa de gasto tributário total: R$ 621 bilhões (Warren).
  • Proposta de corte linear de 10% em todos os gastos tributários, incluindo Zona Franca de Manaus, Simples e outros.
    • Potencial de economia: cerca de R$ 60 bilhões (se base de R$ 621 bilhões).
    • Mesmo se o gasto tributário for metade disso, corte de 10% geraria R$ 30 bilhões.
  • Exemplo crítico: dedução de despesas médicas no IRPF, que beneficia principalmente classes média e alta, com custo de quase R$ 30 bilhões por ano.

Fundeb e gastos sociais

  • Complementação da União ao Fundeb atualmente em 23%.
  • Proposta de reduzir a complementação para 18%–19%, economizando cerca de R$ 30 bilhões anuais.
  • Defende-se reorganização ampla de programas sociais:
    • Abono salarial
    • Seguro-desemprego
    • BPC
    • Auxílios diversos e Previdência

Emendas parlamentares e distorções políticas

  • Crescimento das emendas parlamentares:
    • Média anual de 2016–2017 até hoje: aumento de aproximadamente 700%.
  • Projeção para o próximo ano:
    • Emendas podem se aproximar de R$ 60 bilhões (incluindo emendas de comissão).
  • Comparação:
    • Bolsa Família: cerca de R$ 170 bilhões por ano.
    • BPC: cerca de R$ 120 bilhões por ano.
    • Emendas já equivalem a metade do BPC, segundo Salto.

Revisão de gastos e spending reviews

  • Spending reviews (revisões de gastos) criadas no novo Orçamento, impulsionadas por Simone Tebet.
  • Volume ainda tímido: revisão de R$ 9 a 10 bilhões, num Orçamento de R$ 2,5 trilhões.
  • Salto defende revisão total do gasto público, com foco nas despesas obrigatórias e nos benefícios tributários.

Papel dos poderes e judicialização

  • Crítica ao Congresso, que prioriza emendas e pouco discute avaliação de políticas públicas.
  • Papel do STF considerado relevante no controle de distorções, como as emendas PIX.
  • Citação à atuação do ministro Flávio Dino, que promoveu audiências públicas e debate sobre transparência orçamentária.
  • Sugestão de que o Executivo aproveite esse movimento para liderar uma reforma orçamentária ampla.

Riscos e cenários se não houver ajuste

  • Se não houver ajuste estrutural:
    • Dívida cresce mais rapidamente;
    • Mercado precifica juros mais altos por mais tempo;
    • Custo da dívida se eleva;
    • Cenário de crescimento baixo, inflação e juros altos.
  • Política atual de “arroz com feijão”:
    • Não é ideal, mas também não configura risco iminente de colapso.
    • Sem reforma, o País se afastará ainda mais da média dos emergentes em termos de dívida e custo de financiamento.

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