COP30: Pacote de Belém é aprovado, amplia financiamento climático, mas evita citar combustíveis fósseis

Belém (PA), 19/11/2025 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com jornalistas no Parque da Cidade, durante agenda oficial na COP30.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa com jornalistas no Parque da Cidade, durante agenda oficial na COP30. Plenária final da COP30, liderada pelo presidente da Conferência, André Corrêa do Lago, aprova Pacote de Belém, conjunto de decisões que amplia o financiamento climático, reforça a transição justa e reconhece o papel de povos indígenas e afrodescendentes, mas deixa de fora uma referência explícita ao fim dos combustíveis fósseis.

A COP30 foi encerrada neste sábado (22/11/2025) em Belém com a aprovação, por consenso de 195 países, do chamado Pacote de Belém, um conjunto de 29 decisões que redesenha parte da governança climática global. O acordo inclui metas para triplicar o financiamento da adaptação até 2035, consolidar um mecanismo de transição justa e instituir novos instrumentos de cooperação, como a Missão Belém 1,5 °C e o Acelerador Global de Implementação.

Apesar dos avanços em financiamento climático, gênero, oceanos e participação social, o texto final não menciona de forma explícita a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, tema que esteve no centro dos debates e gerou frustração de ativistas, pesquisadores e governos que defendiam um mapa do caminho para o abandono de petróleo, carvão e gás.

Ao mesmo tempo, a conferência em Belém foi marcada por forte mobilização social, protestos de povos indígenas, presença recorde de delegações tradicionais, lançamento de novos mecanismos financeiros – como o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre e a plataforma Empreender Clima – e pela divulgação do relatório GEO Brasil 2025, que detalha os principais desafios ambientais do país.

Pacote de Belém redefine prioridades: adaptação, transição justa e financiamento

O Pacote de Belém consolida um eixo central da COP30: colocar pessoas e territórios vulneráveis no centro da agenda. As Partes aprovaram uma decisão que triplica o financiamento da adaptação até 2035, com ênfase na responsabilidade dos países desenvolvidos em ampliar recursos destinados a nações em desenvolvimento.

Foi concluído o Roteiro de Adaptação de Baku, que estabelece o trabalho para o período 2026–2028, até o próximo balanço global do Acordo de Paris. O documento organiza a agenda de adaptação em ciclos, conectando políticas nacionais, indicadores de monitoramento e financiamento internacional.

A conferência também definiu um conjunto de 59 indicadores voluntários da Meta Global de Adaptação, abrangendo setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência, com temas transversais de finanças, tecnologia e capacitação. O objetivo é tornar mensuráveis os compromissos assumidos e facilitar a cobrança da sociedade civil.

O mecanismo de transição justa, outro eixo do Pacote, foi estruturado para “colocar as pessoas e a equidade no centro” da luta contra a mudança do clima. A iniciativa pretende ampliar cooperação internacional, assistência técnica, capacitação e troca de conhecimento entre países, com foco em trabalhadores, comunidades vulneráveis, povos indígenas, migrantes, afrodescendentes e populações rurais.

No campo social, a COP30 aprovou um Plano de Ação de Gênero reforçado, com apoio ampliado ao ponto focal nacional de gênero e mudanças climáticas, aumento de orçamento sensível a gênero e promoção da liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais.

Outro destaque foi a aprovação da Decisão Mutirão, que reafirma a ambição coletiva de transformar negociações em implementação efetiva, celebrando os dez anos do Acordo de Paris e conectando o “espírito de mutirão” – conceito de origem indígena brasileira – à ideia de mobilização global continuada.

Implementação em foco: novos instrumentos financeiros e iniciativas setoriais

Sob a narrativa de que a COP30 seria a “COP da implementação”, o governo brasileiro e parceiros internacionais apresentaram uma série de iniciativas voltadas a transformar compromissos em projetos concretos. Entre elas, destaca-se o lançamento da iniciativa FINI (Fostering Investible National Implementation).

A FINI foi anunciada como mecanismo para tornar Planos Nacionais de Adaptação mais atraentes ao mercado financeiro, reunindo países, bancos de desenvolvimento, seguradoras e investidores privados. A meta é destravar até US$ 1 trilhão em projetos de adaptação em três anos, com pelo menos 20% de participação do setor privado, a partir de soluções de blended finance (combinação de recursos públicos e privados).

Na área de saúde, o Plano de Ação de Saúde de Belém foi endossado por mais de 30 países e cerca de 50 organizações, com apoio de US$ 300 milhões do Climate and Health Funders Coalition. O plano busca fortalecer sistemas de saúde resilientes ao clima, especialmente no Sul Global, com foco em vigilância, prevenção de doenças e adaptação de hospitais e unidades de atendimento.

Outro anúncio de peso foi o Acelerador RAIZ, iniciativa voltada à restauração de terras agrícolas degradadas e proteção de florestas. Inspirado em programas brasileiros como Caminho Verde e EcoInvest, o RAIZ pretende ajudar países a mapear áreas prioritárias, estruturar projetos financiáveis e mobilizar capital privado para recuperação de milhões de hectares, com impacto direto sobre emissões e conservação.

A agenda oceânica também ganhou relevo. Dezessete países aderiram ao Desafio Azul NDC (Blue NDC Challenge), comprometendo-se a incorporar soluções oceano-clima em seus planos nacionais. Os Cinco Avanços Oceânicos (Ocean Breakthroughs) apresentaram um plano conjunto para alinhar conservação marinha, energias renováveis oceânicas, alimentos aquáticos, transporte marítimo e turismo às metas climáticas, com a One Ocean Partnership projetando a mobilização de US$ 20 bilhões até 2030 e a geração de 20 milhões de empregos “azuis”.

A presidência brasileira da COP30, nas palavras do embaixador André Corrêa do Lago, reforçou que o país continuará à frente da conferência até novembro de 2026, com a missão de fortalecer o multilateralismo, aproximar a agenda climática da vida cotidiana e acelerar a implementação do Acordo de Paris.

Fundo Florestas Tropicais Para Sempre e protagonismo da Amazônia

Um dos anúncios mais emblemáticos em Belém foi o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), lançado pelo Brasil como um mecanismo inovador de pagamento por resultados a países que conservam florestas tropicais.

Na primeira fase, o TFFF já teria mobilizado mais de US$ 6,7 bilhões, com o endosso de 63 países. A lógica é transformar a floresta em pé em ativo econômico: nações que preservam florestas tropicais recebem recursos contínuos a partir de um fundo de investimento global, enquanto investidores recuperam o capital com retorno compatível com taxas de mercado, ligado a metas de conservação verificadas.

Na prática, o fundo propõe uma nova economia da conservação, em que a manutenção da cobertura florestal gera desenvolvimento social e econômico, ao mesmo tempo em que reduz emissões de carbono e amplia a resiliência climática de comunidades locais.

A participação social na COP30 reforçou esse eixo amazônico. Mais de 900 representantes de povos indígenas circularam pela Zona Azul, ao lado de ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e movimentos sociais. A Marcha Climática de Belém e a Marcha Global dos Povos Indígenas reuniram dezenas de milhares de pessoas, reivindicando demarcação de terras, combate ao racismo ambiental e rejeição a grandes projetos de infraestrutura vistos como ameaças territoriais, como hidrovias e ferrovias na Amazônia.

A Cúpula dos Povos, realizada em paralelo à COP30, reuniu cerca de 20 mil participantes de 1,3 mil movimentos e organizações, com atos simbólicos como o “Funeral dos Combustíveis Fósseis” e a utilização da figura mítica da Boiuna como símbolo das lutas amazônicas. Sua Declaração Final denunciou o que chama de “falsas soluções” climáticas e apontou o modo de produção capitalista e o racismo ambiental como motores da crise.

Na AldeiaCOP, que abrigou cerca de 3 mil indígenas, foram realizados rituais, debates, feira de bioeconomia e mobilizações contra a violência em territórios tradicionais, incluindo protestos pelo assassinato do indígena Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá, ocorrido no Mato Grosso do Sul.

Segurança e crise pontual: incêndio na Zona Azul e fiscalização da PF

A logística da COP30 também foi posta à prova por um incêndio na Zona Azul, área oficial de negociações, na tarde de 20/11/2025. As chamas começaram no Pavilhão dos Países, próximo ao estande da China, atingindo o material de revestimento dos estandes e provocando correria e gritos de “fire” pelos corredores.

Segundo o Corpo de Bombeiros do Pará, o fogo foi controlado em seis minutos, com uso de 244 extintores, mangueiras e uma equipe de 56 agentes. Não houve registro de vítimas com queimaduras, mas ao menos 27 pessoas receberam atendimento por inalação de fumaça ou crises de ansiedade, sendo a maioria liberada após acompanhamento médico.

Como medida de segurança, a Zona Azul foi temporariamente fechada, passando por vistoria de bombeiros e autoridades, e retomou as atividades na mesma noite, após autorização da UNFCCC e do governo brasileiro.

A Polícia Federal reforçou o controle da segurança privada durante o evento. Fiscalizações em áreas oficiais e espaços temáticos – como Zona Azul, Zona Verde, Agrizone, Enzone, Freezone, Estação das Docas, Casa BNDES e Aldeia da COP – identificaram mais de 700 profissionais de segurança e resultaram no fechamento de duas empresas clandestinas de vigilância patrimonial.

De acordo com a PF, foram identificados casos de profissionais de apoio atuando como vigilantes, sem cumprir os requisitos do Estatuto da Segurança Privada e sem comunicação prévia obrigatória à própria Polícia Federal. Foram lavrados autos de infração, apreendidos equipamentos como detectores de metais e rádios de comunicação, e expedidas orientações de adequação às normas.

As autoridades ressaltaram que o acompanhamento contínuo durante a COP30 elevou o padrão de segurança dos espaços fiscalizados e contribuiu para a proteção de delegações, autoridades e visitantes, mesmo diante do episódio de incêndio e do grande fluxo de público.

Lula na abertura: emergência climática, multilateralismo e “COP da verdade”

Na sessão de abertura, em 10/11/2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu a COP30 como a “COP da verdade” e vinculou a emergência climática à crise de desigualdade global. Para Lula, o aquecimento do planeta aprofunda a lógica que seleciona “quem é digno de viver e quem deve morrer”, ao atingir com mais força as populações vulneráveis.

O presidente citou eventos extremos recentes – como o furacão Melissa, no Caribe, e o tornado no Paraná, com ventos superiores a 300 km/h – como evidências de que “a mudança do clima já não é ameaça do futuro, mas tragédia do presente”. Em seu discurso, defendeu que a humanidade caminha na direção correta, mas em “velocidade errada”, ainda rumo a um aquecimento superior a 1,5 °C.

Lula também apresentou o Chamado de Belém pelo Clima, documento que reorganiza a agenda em três eixos: cumprimento das NDCs, fortalecimento da governança climática global – incluindo a proposta de um Conselho do Clima ligado à Assembleia-Geral da ONU – e centralidade das pessoas na agenda, com atenção a mulheres, afrodescendentes, migrantes, povos indígenas e grupos marginalizados.

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, destacou o valor do multilateralismo climático em um contexto de conflitos e crises internacionais, e recuperou o conceito de “mutirão” como metáfora da cooperação global. Segundo ele, o mutirão se tornaria um “método contínuo de mobilização” antes, durante e depois da COP30.

O secretário-executivo da UNFCCC, Simon Stiell, lembrou que, dez anos após o Acordo de Paris, o mundo já observa queda na curva de emissões em relação ao cenário tendencial, mas alertou que isso é insuficiente diante da urgência climática. Stiell enfatizou que “lamentar não é estratégia” e insistiu na necessidade de soluções concretas, tanto em mitigação quanto em adaptação.

Lula aproveitou a abertura para associar a COP30 à Amazônia real, ressaltando que o bioma é lar de quase 50 milhões de pessoas, incluindo cerca de 400 povos indígenas, e que a conferência deixará legado de infraestrutura urbana em Belém, além de um entendimento mais profundo sobre a complexidade da região.

Empreender Clima, GEO Brasil 2025 e Marco de Sistemas Alimentares

Paralelamente às negociações, o governo brasileiro utilizou a COP30 como vitrine para novas políticas públicas. Uma delas é o Empreender Clima, plataforma digital que oferece crédito verde com juros reduzidos para micro e pequenos empreendedores.

A ferramenta, lançada pelo Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Memp), promete taxas a partir de 4,4% ao ano e financiamento de até 100% de projetos sustentáveis, com acesso simplificado a um pré-enquadramento no Fundo Clima. A proposta é democratizar o crédito climático, tradicionalmente concentrado em grandes empresas, oferecendo capacitação, cursos e mapeamento de oportunidades em setores como energia, agricultura, logística, construção civil e gestão de resíduos.

Segundo o ministro Márcio França, o objetivo é colocar o pequeno empreendedor no centro da transição ecológica, combinando crédito barato, tecnologia e formação para alavancar projetos em todo o país.

Outro marco foi o lançamento do relatório GEO Brasil 2025: Estado e Perspectivas do Meio Ambiente, produzido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) com apoio do PNUMA, coordenação da FGV Earth e colaboração do IPEA. O documento mostra que, entre 2001 e 2022, os gastos federais com meio ambiente representaram apenas 0,26% do orçamento, e que cerca de 30% dos municípios ainda não dispõem de infraestrutura básica de gestão ambiental.

O relatório aponta, entre outros dados, o aumento de 3 °C a 4 °C nas temperaturas médias de biomas como Pantanal e Cerrado, a ocorrência de cerca de 51 mil mortes anuais por poluição do ar e o fato de que apenas 52,2% do esgoto é tratado no país – índice que cai para menos de 20% na Região Norte. Também registra a expansão da agropecuária sobre ecossistemas nativos, de 187,3 para 282,5 milhões de hectares entre 1985 e 2022, acompanhada de aumento de 108% na comercialização de agrotóxicos.

Ancorado na metodologia DPSIR (Forças Motrizes, Pressões, Estado, Impactos e Respostas), o GEO Brasil 2025 funciona como um diagnóstico para políticas internas e negociações internacionais, reforçando o argumento de que a mudança do clima já afeta diretamente a segurança hídrica, a qualidade do ar, o saneamento e a saúde pública.

No campo da segurança alimentar, o governo lançou o Marco de Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O documento busca integrar políticas de combate à fome, redução da pobreza e resposta à emergência climática, defendendo uma transição para sistemas alimentares sustentáveis, agroecologia e valorização da sociobiodiversidade.

Entre os princípios, o Marco enfatiza o Direito Humano à Alimentação Adequada, a justiça climática, a soberania alimentar e a necessidade de fortalecer agricultura familiar, economia solidária e cadeias da sociobiodiversidade, além de políticas de segurança hídrica e redução de perdas e desperdícios de alimentos.

A secretária nacional de Segurança Alimentar, Lilian Rahal, destacou que o documento é um “convite à ação”, alinhado à retomada de programas como Cisternas, Alimenta Cidades e estratégias de agricultura urbana, num contexto em que o Brasil saiu recentemente do Mapa da Fome, mas enfrenta novos desafios impostos pela crise climática.

Reconhecimento inédito a afrodescendentes e avanço na agenda de justiça climática

Uma marca histórica da COP30 foi a inclusão, pela primeira vez, de menções explícitas a afrodescendentes em quatro documentos oficiais: Transição Justa, Plano de Ação de Gênero, Objetivo Global de Adaptação e Mutirão.

Esses textos reconhecem que pessoas de ascendência africana estão entre as mais afetadas pelos impactos da crise climática, ao lado de povos indígenas, comunidades locais, migrantes e grupos historicamente vulnerabilizados. Também sublinham a importância de considerar direitos humanos, equidade intergeracional, questões de gênero e justiça social no desenho de políticas de adaptação e mitigação.

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, celebrou o avanço como um reconhecimento formal de que populações afrodescendentes são desproporcionalmente impactadas, mas ponderou que ainda faltam ações concretas e recursos específicos para esses grupos no desenho de políticas climáticas nacionais e internacionais.

Organizações da sociedade civil, como o Geledés – Instituto da Mulher Negra, consideraram a inclusão um “avanço” na política climática global, por abrir caminho para políticas de adaptação que priorizem territórios marcados por desigualdades estruturais, violência ambiental e racismo. Para essas entidades, o reconhecimento não é apenas simbólico, mas fundamento para futuras cobranças de financiamento direcionado e capacidades institucionais.

O texto do Mutirão enfatiza o “importante papel” desses grupos não estatais – povos indígenas, comunidades locais, afrodescendentes, mulheres, jovens e crianças – na construção de progresso coletivo rumo às metas de longo prazo do Acordo de Paris, reforçando a ideia de que a implementação dependerá tanto de governos quanto da ação de sociedade civil e territórios.

A inclusão de afrodescendentes em Belém é vista como desdobramento de debates anteriores em conferências de biodiversidade, como a COP16 em Cali, que ampliaram a participação de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na agenda de conservação.

Controvérsia central: combustíveis fósseis, ambição climática e críticas internacionais

Apesar dos avanços institucionais e sociais, o ponto mais sensível da COP30 foi a ausência de menção direta aos combustíveis fósseis no texto principal do Pacote de Belém. O tema, presente em rascunhos anteriores, acabou deslocado para um texto paralelo proposto pelo Brasil, sem status equivalente às decisões formais.

A União Europeia pressionava por uma formulação clara sobre abandono de combustíveis fósseis, em linha com o que havia sido registrado na COP28, em Dubai. Países exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e outros integrantes do Grupo Árabe, resistiram a qualquer linguagem que sugerisse cronograma de eliminação de petróleo, gás e carvão.

A solução negociada nas madrugadas finais manteve apenas referências indiretas à necessidade de “alinhar” o sistema energético às metas climáticas, deixando de fora o “mapa do caminho” defendido por mais de 80 países e apoiado por setores da sociedade civil, inclusive com a sugestão da Colômbia de realizar uma COP paralela dedicada ao fim dos fósseis.

Análises de organizações brasileiras e internacionais apontaram um descompasso entre a retórica de liderança climática e os resultados efetivos sobre a transição energética. Especialistas como Ciro Brito, do Instituto Socioambiental (ISA), destacaram que, embora haja avanços em adaptação e transição justa, a ausência de um plano robusto para abandonar combustíveis fósseis mantém o mundo em rota de aquecimento acima de 1,5 °C.

A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, avaliou que o Mutirão e os novos instrumentos oferecem passos relevantes, mas “ficam aquém” da crise real, ao não corrigir a falta de alinhamento das NDCs com a trajetória de 1,5 °C. A crítica central é que há reconhecimento do problema, mas não o “salto político” exigido pela ciência, com lacunas em ambição de mitigação.

Na imprensa internacional, jornais franceses como Libération e Le Figaro ressaltaram a distância entre o objetivo de “salvar o multilateralismo climático” e a escassez de avanços concretos em financiamento e transição energética, apontando decepção com o resultado e classificando como ambígua a posição do Brasil: um país que se apresentava como defensor do fim dos combustíveis fósseis, mas que recuou diante da pressão de países petroleiros e do contexto geopolítico marcado por tensões comerciais e ausências estratégicas de grandes emissores.

Entre o avanço institucional e o déficit de ambição

1. Consolidação institucional x lentidão política

A COP30, em Belém, consolidou avanços relevantes no arcabouço institucional da governança climática: novas métricas de adaptação, reforço da transição justa, reconhecimento formal de afrodescendentes, ampliação do enfoque de gênero e aproximação da agenda climática com a saúde, os oceanos e os sistemas alimentares. Esses dispositivos tendem a produzir efeitos cumulativos, ao orientar políticas públicas, financiamento e cobrança social na próxima década.

Por outro lado, o eixo da mitigação – especialmente no que diz respeito à eliminação de combustíveis fósseis – permaneceu aquém do que a ciência, movimentos sociais e parte dos governos consideram indispensável. O contraste entre a retórica da “COP da verdade” e a ausência de um cronograma vinculante para fósseis expõe o limite político de um multilateralismo que busca preservar consensos mínimos, mesmo diante de uma emergência que exige decisões mais duras.

Do ponto de vista da opinião pública, isso tende a reforçar a percepção de que a arquitetura climática global avança em sofisticação técnica e social, mas patina justamente no ponto que mais define o futuro do clima: a velocidade da descarbonização da economia.

2. Justiça climática, Amazônia e liderança brasileira em disputa

Belém projetou a Amazônia e seus povos como centro simbólico da COP30, com forte presença de povos indígenas, mobilização massiva na Marcha pelo Clima e iniciativas como a Cúpula dos Povos e a AldeiaCOP. O reconhecimento de territórios indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes como atores fundamentais da agenda climática representa um avanço na linguagem e na legitimidade do regime.

Ao mesmo tempo, a liderança brasileira permanece em disputa. O país se apresenta como defensor da justiça climática, impulsiona instrumentos inovadores como o TFFF, o Empreender Clima e o Marco de Sistemas Alimentares, e recupera credibilidade em relação ao período de desmonte ambiental. Porém, sofre críticas quando a postura diplomática é percebida como condescendente com interesses de países petroleiros ou ambígua em relação à continuidade da expansão de petróleo e gás em seu próprio território.

Essa tensão entre liderança climática e pragmatismo geopolítico será medida, nos próximos anos, pela coerência entre a retórica de Belém e as decisões concretas sobre licenciamento de combustíveis fósseis, desmatamento zero, financiamento climático doméstico e implementação das políticas lançadas à sombra dos holofotes da COP30.

Principais Conclusões da COP30 em Belém

1. Financiamento climático e adaptação

  • Triplicação do financiamento para adaptação até 2035: os países aprovaram o compromisso de triplicar os recursos para adaptação às mudanças climáticas, com forte cobrança para que países desenvolvidos ampliem o apoio às nações em desenvolvimento.
  • Meta de mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão/ano em ação climática até 2035, combinando fontes públicas e privadas, aparece no contexto da decisão Mutirão.
  • Conjunto de 59 indicadores voluntários foi adotado sob a Meta Global de Adaptação, para monitorar avanços em setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência.

2. Mitigação e combustíveis fósseis

  • Não houve acordo sobre um roteiro vinculante para eliminar combustíveis fósseis: o texto final não traz menção explícita a “phase-out” de petróleo, carvão e gás, apesar da pressão de europeus, Colômbia e sociedade civil.
  • Em vez de metas claras, a COP30 aprovou um acordo genérico para “acelerar a ação climática” e “reduzir o uso de combustíveis fósseis”, mas sem calendário, obrigações ou limites quantitativos.
  • Um grupo de cerca de 90 países apoiou, fora do texto oficial, uma iniciativa paralela para a transição energética, reforçando o fosso entre ambição política de alguns e o consenso mínimo multilateral.

3. Transição justa e proteção social

  • Criação do Mecanismo de Belém para a Transição Global Justa (também chamado de BAM por parte da sociedade civil), voltado a garantir que a transição energética ocorra com justiça social, proteção a trabalhadores, territórios vulneráveis e setores dependentes de fósseis.
  • O mecanismo será detalhado até a COP31, com ênfase na necessidade de forte financiamento público para que países em desenvolvimento consigam implementar transições sem aprofundar desigualdades.

4. Florestas, biodiversidade e oceanos

  • Lançamento e fortalecimento do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), mecanismo de pagamento de longo prazo por resultados de conservação em florestas tropicais. A primeira fase anunciou mais de US$ 5,5 bilhões (em alguns momentos já se fala em montante superior) com apoio de dezenas de países.
  • O TFFF cria um modelo em que floresta em pé gera fluxo financeiro: países que preservam recebem, investidores têm retorno atrelado a metas de conservação verificadas.
  • Na agenda oceânica, a COP30 reforçou o Desafio Azul NDC (Blue NDC Challenge) e os Ocean Breakthroughs, com meta de mobilizar cerca de US$ 20 bilhões até 2030 e gerar milhões de “empregos azuis” em conservação marinha, energias renováveis oceânicas e cadeias produtivas ligadas ao mar.

5. Justiça climática, gênero e participação social

  • Pela primeira vez, documentos oficiais da COP trazem menções explícitas a afrodescendentes, ao lado de povos indígenas, comunidades locais, migrantes, mulheres, jovens e pessoas com deficiência, reconhecendo que estes grupos estão entre os mais afetados pela crise climática e são atores centrais da adaptação.
  • Fortalecimento do Plano de Ação de Gênero, com aumento de orçamento, apoio a pontos focais nacionais de gênero e promoção da liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais na ação climática.
  • A COP30 registrou participação social recorde de povos indígenas e movimentos, com grandes marchas, a Cúpula dos Povos e a AldeiaCOP, consolidando a narrativa de que não há solução climática sem territórios e comunidades na mesa de decisão.

6. Governança climática e novos instrumentos

  • Aprovação do Pacote de Belém, com 29 decisões cobrindo transição justa, financiamento da adaptação, comércio, gênero, tecnologia e implementação, demonstrando a opção por uma agenda mais conectada à vida cotidiana das pessoas.
  • Adoção da Decisão Mutirão como eixo político da presidência brasileira: um chamado a um “mutirão global” que marca a passagem formal de uma fase centrada em negociação para outra voltada à implementação de decisões anteriores.
  • Criação ou consolidação de dois instrumentos centrais:
    • Acelerador Global de Implementação, voltado a apoiar países na implementação de NDCs e planos de adaptação, com caráter colaborativo e voluntário;
    • Missão Belém para 1,5 °C, plataforma orientada para a ação que deverá produzir relatórios e recomendações para manter viva a trajetória de 1,5 °C, ainda que com forte crítica de especialistas por ser, por ora, mais um espaço de preparação do que de decisão.

7. Papel do Brasil, Amazônia e legado da COP30

  • A COP30 consolidou a imagem da Amazônia como eixo simbólico do regime climático, apresentando o bioma não apenas como “pulmão do mundo”, mas como território habitado por quase 50 milhões de pessoas, com conflitos, desigualdades e demandas próprias.
  • O Brasil saiu com um duplo papel: de um lado, liderança em justiça climática, florestas e financiamento de adaptação; de outro, alvo de críticas pela ambiguidade em relação aos combustíveis fósseis e pela acomodação diante da resistência de grandes produtores de petróleo, o que deixou o acordo final abaixo da ambição recomendada pela ciência.
  • Em termos de legado, Belém deixa:
    • um aparato institucional mais robusto (mecanismos, indicadores, fundos, marcos setoriais);
    • maior integração entre clima, saúde, sistemas alimentares, florestas e oceanos;
    • e a percepção de que o verdadeiro teste será a coerência entre o discurso da “COP da verdade” e as decisões concretas até a COP31.

Em síntese: a COP30 resolveu muito do como (instituições, indicadores, mecanismos, financiamento de adaptação), mas recuou no quê mais decisivo – quando e como o mundo vai, de fato, abandonar os combustíveis fósseis. É essa assimetria que passa a orientar o debate político e jornalístico daqui para frente.


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