PF aponta propina de R$ 250 mil a ex-presidente do INSS e investigação atinge ex-ministro de Bolsonaro, deputado estadual e entidades rurais

José Carlos Oliveira (Ahmed Mohamad Oliveira Andrade), ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e Previdência do Governo Bolsonaro.

A Polícia Federal concluiu nesta quinta-feira (13/11/2025) que o ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) Alessandro Antonio Stefanutto recebia R$ 250 mil mensais em propina para manter em funcionamento um esquema de descontos ilegais aplicados a aposentados e pensionistas. A informação consta no relatório que embasou a nova fase da Operação Sem Desconto, deflagrada nesta quinta-feira por determinação do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O avanço das investigações sobre Stefanutto

Segundo a PF, Stefanutto — identificado nos autos pelo codinome “Italiano” — utilizava empresas de fachada, incluindo uma pizzaria, uma imobiliária e um escritório de advocacia, para receber pagamentos oriundos da fraude. Grande parte desses valores teria circulado entre junho de 2023 e setembro de 2024, período em que ele presidiu o INSS.

Os investigadores afirmam que o ex-presidente exercia forte influência na Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais), entidade apontada como epicentro do esquema. O valor das propinas teria aumentado após sua nomeação à presidência do órgão.

O relatório indica que Stefanutto atuou em duas frentes decisivas: a facilitação jurídica do ACT (Acordo de Cooperação Técnica) com a Conafer em 2017, quando ainda era procurador do INSS, e, posteriormente, a proteção institucional do esquema durante sua gestão na presidência.

A dimensão da fraude e o impacto sobre beneficiários

A PF destaca que os pagamentos ilegais eram indispensáveis para a continuidade das operações fraudulentas. A apuração aponta ao menos 600 mil vítimas de descontos indevidos, gerando milhares de reclamações administrativas e judiciais.

O esquema movimentava recursos a partir da produção de listas fraudulentas de filiados, destinadas a justificar descontos automáticos em benefícios previdenciários. A Conafer, segundo os autos, era beneficiada por liberações irregulares de recursos e pela conivência de gestores de alto escalão no INSS.

Na decisão que autorizou a operação, o ministro André Mendonça classificou o montante de irregularidades como “fraude sistêmica”, ressaltando a articulação entre empresários, dirigentes de entidades de classe e autoridades públicas.

O outro lado de Stefanutto e da Conafer

A defesa de Stefanutto afirmou que a prisão é ilegal e que ele sempre colaborou com as investigações. Segundo nota, o ex-presidente não teve acesso ao teor da decisão que embasou sua detenção.

A Conafer, também alvo da operação, declarou estar disposta a colaborar com as autoridades. Afirmou defender a presunção de inocência e exigiu que “os direitos fundamentais dos investigados sejam integralmente respeitados”.

Ex-ministro José Carlos Oliveira é citado como “pilar institucional” do esquema

A investigação da Polícia Federal também alcançou o ex-ministro da Previdência Social José Carlos Oliveira, que ocupou postos estratégicos no INSS durante o governo Jair Bolsonaro. Ele foi presidente do órgão, diretor de benefícios e, posteriormente, ministro da Previdência.

O relatório afirma que Oliveira atuou como “pilar institucional” do esquema e cita que o ex-ministro liberou R$ 15,3 milhões para a Conafer em junho de 2021, sem comprovação documental, permitindo a inclusão de 30 listas fraudulentas e autorizações de descontos em 650 mil benefícios.

A PF identificou pagamentos de pelo menos R$ 100 mil em propina, por meio de empresas de fachada. Oliveira foi monitorado com tornozeleira eletrônica após mandados cumpridos na manhã desta quinta-feira.

Mensagens interceptadas pela PF sugerem que o esquema permaneceu ativo mesmo durante sua gestão como ministro. Em diálogos atribuídos ao operador financeiro Cícero Marcelino, Oliveira era chamado pelos codinomes “São Paulo” e “Yasser”.

Desdobramentos políticos: deputado estadual sob suspeita

A operação também atingiu o deputado estadual Edson Araújo (PSB-MA), vice-presidente da CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura), outra entidade suspeita de realizar descontos ilegais.

O parlamentar foi alvo de mandados de busca e apreensão e teve seus sigilos fiscal, bancário e telemático quebrados após aprovação da CPMI do INSS. Ele é acusado de ameaçar o vice-presidente da CPMI, deputado federal Duarte Júnior (PSB-MA), em troca de mensagens reveladas pelo parlamentar.

Araújo teria recebido cerca de R$ 5 milhões por meio de entidades de pescadores. O parlamentar não se manifestou até o momento.

Ligação política do ex-ministro José Carlos Oliveira

Reportagens do Poder360 detalham que Oliveira possui vínculos diretos com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, tendo filiado-se ao partido em fevereiro de 2024 e posado ao lado do dirigente em eventos públicos.

A PF afirma que ele autorizou, durante sua gestão, a assinatura de ACTs automáticos com entidades suspeitas, como a Ambec, cuja filiação saltou de três associados para milhares após os acordos.

Em mensagens analisadas pelo STF, operadores do esquema tratam Oliveira como peça-chave para evitar auditorias e manter acordos vigentes. Em diálogo de fevereiro de 2023, Cícero Marcelino afirma que “São Paulo já estava na planilha e já mandei depositar o cheque”.

Contaminação sistêmica da governança previdenciária

A nova etapa da Operação Sem Desconto expõe um quadro de contaminação sistêmica da governança previdenciária ao longo de diferentes gestões. Os indícios revelam não apenas irregularidades pontuais, mas uma engrenagem de natureza estrutural, movida por acordos informais, listas fraudulentas e influência política. A participação de altos dirigentes reforça a dimensão institucional da fraude, evidenciando fragilidades de controle e fiscalização no INSS. As respostas das defesas e das entidades atingidas revelam a tensão crescente entre a necessidade de apuração rigorosa e a garantia do devido processo legal, em um cenário que se entrelaça com disputas políticas e interesses corporativos. A amplitude dos alvos sugere novos desdobramentos judiciais, legislativos e administrativos nos próximos meses.


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