Reportagem do Estadão, assinada por Rayssa Motta e Felipe de Paula nesta segunda-feira (03/11/2025), revela que a PF identificou “acesso privilegiado a documentos decisórios e influência externa” exercidos por intermediários em gabinetes de ministros. O relatório de 426 páginas, assinado pelo delegado Marco Bontempo, descreve um “sistema de manipulação judicial estruturado em rede”, envolvendo advogados, lobistas e servidores estratégicos.
Os ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes, que relataram alguns dos processos sob análise, não são investigados, mas seus gabinetes foram mencionados nos diálogos obtidos pelos investigadores. As defesas das ministras e do ministro afirmaram que não possuem conhecimento do conteúdo sob sigilo, e colocaram-se à disposição para colaborar.
Segundo o documento, o grupo teria transformado processos em “verdadeiros leilões”, com valores e influências sendo negociados de forma oculta. O caso ganha relevância por indicar que minutas de votos e decisões circularam entre os lobistas antes da publicação oficial, o que representa uma grave violação da confidencialidade institucional.
Conversas revelam influência em gabinetes
Mensagens interceptadas entre o lobista Andreson de Oliveira e o advogado Roberto Zampieri — assassinado em dezembro de 2023 — sugerem que havia conhecimento prévio de votos e decisões no STJ. Em um diálogo de 28 de outubro de 2019, Andreson afirmou a Zampieri:
“Quem vai fazer o voto vai ser a juíza instrutora amiga minha. Se a gente acerta, ela faz a favor e entrega pra mim.”
Os investigadores relatam que, na mesma conversa, Andreson enviou a Zampieri minutas de decisões do gabinete da ministra Isabel Gallotti, com siglas de identificação de servidores, comprovando o acesso a documentos não públicos. No dia seguinte, as decisões foram publicadas com o mesmo conteúdo das minutas enviadas, reforçando a suspeita de manipulação.
A PF ainda cita menções diretas a outros ministros. Em uma das mensagens, Andreson pergunta:
“Quando ele paga para o Salomão ir com a gente? E depois a Gallotti.”
O diálogo sugere tentativas de negociação de favorecimento, ainda que não haja provas de participação dos magistrados. Luís Felipe Salomão e Marco Aurélio Buzzi são mencionados, mas não figuram como investigados.
Estrutura e operação da rede
As diligências da PF apontam para uma estrutura coordenada dentro e fora do tribunal. Pelo menos três ex-servidores do STJ são alvo da operação: Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete de Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, exonerado após sindicância interna; e Rodrigo Falcão, que trabalhou com o ministro Og Fernandes.
A defesa de Daimler, conduzida pelo advogado Bernardo Fenelon, sustenta que o nome de seu cliente “foi usado de maneira espúria para gerar influência fictícia”. Fenelon afirmou que os contatos telefônicos atribuídos a ele pertencem a terceiros e que nenhuma ligação concreta foi comprovada.
Para a PF, os elementos coletados demonstram que a atuação do grupo não se limitava a ações isoladas, mas operava como “uma rede sofisticada de intermediários, operadores e servidores estratégicos”, especialmente em processos de falência de grandes empresas do agronegócio, área de vultosos interesses econômicos.
Citações e autodefesa institucional
A ministra Nancy Andrighi declarou, por sua assessoria, que os processos administrativos seguem em curso “para que os responsáveis sejam punidos de forma exemplar”. Já o ministro Og Fernandes reforçou que “quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis”.
A ministra Isabel Gallotti afirmou desconhecer os detalhes da investigação, por tramitar em sigilo, mas reiterou que “o gabinete está à disposição para auxiliar nas apurações”.
O caso tramita sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal, em regime de sigilo. A apuração busca determinar se servidores utilizaram suas posições para vazar informações ou alterar minutas sem o conhecimento direto dos magistrados.
Repercussão e riscos institucionais
O episódio reforça a preocupação com a vulnerabilidade administrativa e ética nos tribunais superiores. A menção a minutas antecipadas, somada à presença de lobistas com acesso a documentos internos, coloca em xeque a integridade dos fluxos decisórios e a credibilidade da Justiça brasileira.
A Operação Sisamnes, nome inspirado em um juiz persa executado por corrupção, alcança agora uma nova fase, com a PF mapeando ramificações no STJ e tribunais estaduais. O inquérito revela como redes paralelas de influência podem corroer a confiança pública nas instituições judiciais, especialmente quando associadas a esquemas de venda de decisões e tráfico de influência.
Poder jurisdicional e vulnerabilidade humana
A Operação Sisamnes expõe um dos pontos mais sensíveis da República: a fronteira entre poder jurisdicional e vulnerabilidade humana. O caso revela como a opacidade dos tribunais superiores pode favorecer a infiltração de interesses econômicos na estrutura decisória. Ainda que não haja acusação direta contra ministros, o simples fato de lobistas acessarem minutas internas é suficiente para exigir uma revisão profunda dos mecanismos de segurança e transparência do Judiciário.
O avanço da investigação conduzida pela PF e supervisionada pelo STF será um teste de credibilidade institucional, definindo se o país é capaz de enfrentar a corrupção dentro da própria estrutura que deveria combatê-la.
Principais Dados
1. Contexto Geral da Investigação
- Operação: Sisamnes, conduzida pela Polícia Federal (PF).
- Objeto: Suposto esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais estaduais.
- Autoridade Judicial: Inquérito sob relatoria do ministro Cristiano Zanin Martins, no Supremo Tribunal Federal (STF).
- Delegado responsável: Marco Bontempo, integrante da equipe que investiga casos sensíveis nos tribunais superiores.
- Base probatória: Relatório de 426 páginas, com diálogos, minutas e documentos internos de gabinetes ministeriais.
2. Envolvidos e Citações
- Lobistas e advogados:
- Andreson de Oliveira – principal articulador citado, com acesso a minutas e juízes instrutores.
- Roberto Zampieri – advogado assassinado em dezembro de 2023, em Cuiabá; mantinha contato com Andreson.
- Ministros citados:
- Isabel Gallotti – relatora de sete processos suspeitos; seu gabinete teria sido alvo de infiltração e vazamento de minutas.
- Nancy Andrighi – teve processos sob análise da PF, mas não é investigada.
- Og Fernandes – também citado, mas sem investigação direta.
- Marco Aurélio Buzzi – mencionado em diálogos entre lobistas.
- Luís Felipe Salomão – citado em mensagens; à época, corregedor nacional de Justiça e responsável por enviar à PGR o relatório que originou a apuração.
- Servidores mencionados:
- Daimler Alberto de Campos – ex-chefe de gabinete de Gallotti.
- Márcio José Toledo Pinto – atuou com Gallotti e outros ministros; exonerado após sindicância.
- Rodrigo Falcão – ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.
3. Diálogos Interceptados
- Data principal: 28 de outubro de 2019.
- Trechos relevantes:
- Andreson: “Quem vai fazer o voto vai ser a juíza instrutora amiga minha.”
- “Se a gente acerta ela faz a favor e entrega pra mim.”
- Mensagens indicam posse de minutas internas antes da publicação oficial.
- Zampieri responde em tom de comemoração: “Quero ver os meus bandido!”
4. Evidências de Acesso Indevido
- Minutas antecipadas: Enviadas por Andreson a Zampieri antes da assinatura das decisões por Gallotti.
- Coincidência temporal: As decisões foram assinadas em 29/10/2019 e publicadas em 04/11/2019, com o mesmo conteúdo das minutas trocadas pelos lobistas.
- Processos afetados: Sete ações sob relatoria de Gallotti.
- Indício apontado: “Acesso privilegiado a documentos decisórios e influência externa sobre o gabinete da ministra Isabel Gallotti.”
5. Posição dos Envolvidos
- Ministros:
- Gallotti: afirmou desconhecer a investigação e colocou o gabinete à disposição.
- Andrighi: informou que apurações internas estão em andamento.
- Og Fernandes: defendeu responsabilização de eventuais ilícitos.
- Defesa de Daimler de Campos: nega vínculo e diz que o nome foi “utilizado de maneira espúria para gerar influência fictícia”.
6. Estrutura e Alcance do Esquema
- Modus operandi: atuação de lobistas, advogados e servidores estratégicos para manipular decisões de alto impacto econômico.
- Tática: “Venda de fumaça” — promessa de influência junto a gabinetes para convencer clientes.
- Objetivo: interferir em processos de falência de empresas do agronegócio e outros com valores expressivos.
- Avaliação da PF: rede “sofisticada”, com indícios de coordenação interna e possível atuação sem o conhecimento direto de alguns ministros.
7. Situação Atual
- Ministros não investigados: Gallotti, Andrighi, Og Fernandes, Salomão e Buzzi.
- Servidores e lobistas investigados: Andreson, Daimler, Toledo Pinto e Rodrigo Falcão.
- Inquérito: segue sob sigilo no STF, com foco em corrupção, tráfico de influência e violação de sigilo funcional.
Linha do Tempo da Operação Sisamnes
1ª fase — 26/11/2024: deflagração da operação
A Polícia Federal cumpriu mandados de prisão preventiva e 23 de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e Distrito Federal. Houve afastamento de autoridades, sequestro de bens e monitoramento eletrônico de investigados. Essa primeira etapa marcou o início das apurações sobre a venda de decisões judiciais no STJ, envolvendo intermediários e servidores de gabinetes.
2ª fase — 20/12/2024: investigação de lavagem de dinheiro
Os investigadores avançaram na rastreabilidade financeira do grupo e determinaram o bloqueio de R$ 1,8 milhão em contas ligadas aos investigados. Foram identificadas empresas de fachada utilizadas para movimentar recursos ilícitos e ocultar patrimônio de origem criminosa.
3ª fase — 18/03/2025: violações de sigilo e obstrução de justiça
Mandados de prisão e busca foram cumpridos no Tocantins após a descoberta de uma rede clandestina de monitoramento de processos sigilosos. As investigações revelaram que informações internas do STJ eram vendidas antes de decisões estratégicas, beneficiando advogados e empresários.
4ª fase — 02/05/2025 (estimada): ampliação do inquérito principal
A PF iniciou a análise de vínculos entre lobistas e empresas do agronegócio, identificando a Fource Consultoria e a Bom Jesus Agropecuária como intermediárias em fraudes de recuperações judiciais. Essas empresas teriam servido como eixo financeiro do esquema de venda de sentenças.
5ª fase — 13/05/2025: combate à corrupção e evasão de divisas
Foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, São Paulo e Distrito Federal, resultando no sequestro de aproximadamente R$ 20 milhões. Essa etapa aprofundou a investigação sobre corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
6ª fase — 14/05/2025: prisões em Brasília
Dois mandados de prisão preventiva e um de busca e apreensão foram executados no Distrito Federal. O objetivo foi desarticular tentativas de destruição de provas e de interferência nas apurações, praticadas por assessores de gabinetes e advogados ligados aos investigados.
7ª fase — 28/05/2025: investigação do homicídio de Roberto Zampieri
Esta fase concentrou as ações mais severas da operação. A PF cumpriu cinco prisões preventivas e seis buscas para identificar os mandantes e coautores do assassinato do advogado Roberto Zampieri, ocorrido em 2023. O crime teria sido motivado por tentativas de silenciar delatores e proteger o esquema.
8ª fase — 29/05/2025: afastamento de magistrado
Três mandados de busca e apreensão foram executados em Mato Grosso, levando ao afastamento de um juiz e ao sequestro de bens avaliados em R$ 30 milhões. O Supremo Tribunal Federal determinou ainda o recolhimento de passaportes para impedir a fuga dos investigados ao exterior.
9ª fase — 30/05/2025: vazamento de informações sigilosas
A PF deflagrou nova ação em Palmas (TO) para apurar o vazamento de informações sobre decisões judiciais e operações policiais. Os alvos foram proibidos de manter contato entre si e de deixar o país.
10ª fase — 27/06/2025: prisões em Palmas
Foram cumpridos três mandados de prisão preventiva e três de busca e apreensão contra servidores e assessores suspeitos de repassar informações sigilosas sobre investigações do STJ.
Relatório parcial — outubro de 2025: ampliação das investigações pelo STF
O relatório parcial da PF encaminhado ao ministro Cristiano Zanin indica um padrão típico de organização criminosa, com ramificações no setor jurídico e empresarial. O documento menciona o lobista Andreson Gonçalves, servidores de gabinete e conexões financeiras com grandes grupos empresariais, apontando cooptação sistemática de agentes públicos e manipulação de decisões judiciais.
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