PF expõe rede de influência e venda de sentenças no STJ no Caso Sisamnes; Relatório cita acesso a minutas, servidores e lobistas ligados a ministros

A Operação Sisamnes revelou indícios de acesso privilegiado e manipulação de decisões no STJ, envolvendo lobistas, advogados e servidores. Mensagens interceptadas pela PF indicam circulação antecipada de minutas e tentativas de negociação de sentenças. A investigação, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, apura o alcance do esquema e seus impactos na integridade institucional do Judiciário brasileiro.
A investigação conduzida pela Polícia Federal sob o nome de Operação Sisamnes revelou indícios consistentes de acesso antecipado a decisões e documentos internos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por parte de lobistas e advogados ligados a um esquema de influência e manipulação processual. O caso envolve conversas interceptadas entre operadores e servidores, além da suspeita de que decisões teriam sido negociadas em gabinetes de ministros.

Reportagem do Estadão, assinada por Rayssa Motta e Felipe de Paula nesta segunda-feira (03/11/2025), revela que a PF identificou “acesso privilegiado a documentos decisórios e influência externa” exercidos por intermediários em gabinetes de ministros. O relatório de 426 páginas, assinado pelo delegado Marco Bontempo, descreve um “sistema de manipulação judicial estruturado em rede”, envolvendo advogados, lobistas e servidores estratégicos.

Os ministros Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes, que relataram alguns dos processos sob análise, não são investigados, mas seus gabinetes foram mencionados nos diálogos obtidos pelos investigadores. As defesas das ministras e do ministro afirmaram que não possuem conhecimento do conteúdo sob sigilo, e colocaram-se à disposição para colaborar.

Segundo o documento, o grupo teria transformado processos em “verdadeiros leilões”, com valores e influências sendo negociados de forma oculta. O caso ganha relevância por indicar que minutas de votos e decisões circularam entre os lobistas antes da publicação oficial, o que representa uma grave violação da confidencialidade institucional.

Conversas revelam influência em gabinetes

Mensagens interceptadas entre o lobista Andreson de Oliveira e o advogado Roberto Zampieri — assassinado em dezembro de 2023 — sugerem que havia conhecimento prévio de votos e decisões no STJ. Em um diálogo de 28 de outubro de 2019, Andreson afirmou a Zampieri:

Quem vai fazer o voto vai ser a juíza instrutora amiga minha. Se a gente acerta, ela faz a favor e entrega pra mim.

Os investigadores relatam que, na mesma conversa, Andreson enviou a Zampieri minutas de decisões do gabinete da ministra Isabel Gallotti, com siglas de identificação de servidores, comprovando o acesso a documentos não públicos. No dia seguinte, as decisões foram publicadas com o mesmo conteúdo das minutas enviadas, reforçando a suspeita de manipulação.

A PF ainda cita menções diretas a outros ministros. Em uma das mensagens, Andreson pergunta:

Quando ele paga para o Salomão ir com a gente? E depois a Gallotti.

O diálogo sugere tentativas de negociação de favorecimento, ainda que não haja provas de participação dos magistrados. Luís Felipe Salomão e Marco Aurélio Buzzi são mencionados, mas não figuram como investigados.

Estrutura e operação da rede

As diligências da PF apontam para uma estrutura coordenada dentro e fora do tribunal. Pelo menos três ex-servidores do STJ são alvo da operação: Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete de Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, exonerado após sindicância interna; e Rodrigo Falcão, que trabalhou com o ministro Og Fernandes.

A defesa de Daimler, conduzida pelo advogado Bernardo Fenelon, sustenta que o nome de seu cliente “foi usado de maneira espúria para gerar influência fictícia”. Fenelon afirmou que os contatos telefônicos atribuídos a ele pertencem a terceiros e que nenhuma ligação concreta foi comprovada.

Para a PF, os elementos coletados demonstram que a atuação do grupo não se limitava a ações isoladas, mas operava como “uma rede sofisticada de intermediários, operadores e servidores estratégicos”, especialmente em processos de falência de grandes empresas do agronegócio, área de vultosos interesses econômicos.

Citações e autodefesa institucional

A ministra Nancy Andrighi declarou, por sua assessoria, que os processos administrativos seguem em curso “para que os responsáveis sejam punidos de forma exemplar”. Já o ministro Og Fernandes reforçou que “quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis”.

A ministra Isabel Gallotti afirmou desconhecer os detalhes da investigação, por tramitar em sigilo, mas reiterou que “o gabinete está à disposição para auxiliar nas apurações”.

O caso tramita sob relatoria do ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal, em regime de sigilo. A apuração busca determinar se servidores utilizaram suas posições para vazar informações ou alterar minutas sem o conhecimento direto dos magistrados.

Repercussão e riscos institucionais

O episódio reforça a preocupação com a vulnerabilidade administrativa e ética nos tribunais superiores. A menção a minutas antecipadas, somada à presença de lobistas com acesso a documentos internos, coloca em xeque a integridade dos fluxos decisórios e a credibilidade da Justiça brasileira.

A Operação Sisamnes, nome inspirado em um juiz persa executado por corrupção, alcança agora uma nova fase, com a PF mapeando ramificações no STJ e tribunais estaduais. O inquérito revela como redes paralelas de influência podem corroer a confiança pública nas instituições judiciais, especialmente quando associadas a esquemas de venda de decisões e tráfico de influência.

Poder jurisdicional e vulnerabilidade humana

A Operação Sisamnes expõe um dos pontos mais sensíveis da República: a fronteira entre poder jurisdicional e vulnerabilidade humana. O caso revela como a opacidade dos tribunais superiores pode favorecer a infiltração de interesses econômicos na estrutura decisória. Ainda que não haja acusação direta contra ministros, o simples fato de lobistas acessarem minutas internas é suficiente para exigir uma revisão profunda dos mecanismos de segurança e transparência do Judiciário.

O avanço da investigação conduzida pela PF e supervisionada pelo STF será um teste de credibilidade institucional, definindo se o país é capaz de enfrentar a corrupção dentro da própria estrutura que deveria combatê-la.

Principais Dados

1. Contexto Geral da Investigação

  • Operação: Sisamnes, conduzida pela Polícia Federal (PF).
  • Objeto: Suposto esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais estaduais.
  • Autoridade Judicial: Inquérito sob relatoria do ministro Cristiano Zanin Martins, no Supremo Tribunal Federal (STF).
  • Delegado responsável: Marco Bontempo, integrante da equipe que investiga casos sensíveis nos tribunais superiores.
  • Base probatória: Relatório de 426 páginas, com diálogos, minutas e documentos internos de gabinetes ministeriais.

2. Envolvidos e Citações

  • Lobistas e advogados:
    • Andreson de Oliveira – principal articulador citado, com acesso a minutas e juízes instrutores.
    • Roberto Zampieri – advogado assassinado em dezembro de 2023, em Cuiabá; mantinha contato com Andreson.
  • Ministros citados:
    • Isabel Gallotti – relatora de sete processos suspeitos; seu gabinete teria sido alvo de infiltração e vazamento de minutas.
    • Nancy Andrighi – teve processos sob análise da PF, mas não é investigada.
    • Og Fernandes – também citado, mas sem investigação direta.
    • Marco Aurélio Buzzi – mencionado em diálogos entre lobistas.
    • Luís Felipe Salomão – citado em mensagens; à época, corregedor nacional de Justiça e responsável por enviar à PGR o relatório que originou a apuração.
  • Servidores mencionados:
    • Daimler Alberto de Campos – ex-chefe de gabinete de Gallotti.
    • Márcio José Toledo Pinto – atuou com Gallotti e outros ministros; exonerado após sindicância.
    • Rodrigo Falcão – ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

3. Diálogos Interceptados

  • Data principal: 28 de outubro de 2019.
  • Trechos relevantes:
    • Andreson: “Quem vai fazer o voto vai ser a juíza instrutora amiga minha.”
    • “Se a gente acerta ela faz a favor e entrega pra mim.”
    • Mensagens indicam posse de minutas internas antes da publicação oficial.
    • Zampieri responde em tom de comemoração: “Quero ver os meus bandido!”

4. Evidências de Acesso Indevido

  • Minutas antecipadas: Enviadas por Andreson a Zampieri antes da assinatura das decisões por Gallotti.
  • Coincidência temporal: As decisões foram assinadas em 29/10/2019 e publicadas em 04/11/2019, com o mesmo conteúdo das minutas trocadas pelos lobistas.
  • Processos afetados: Sete ações sob relatoria de Gallotti.
  • Indício apontado: “Acesso privilegiado a documentos decisórios e influência externa sobre o gabinete da ministra Isabel Gallotti.”

5. Posição dos Envolvidos

  • Ministros:
    • Gallotti: afirmou desconhecer a investigação e colocou o gabinete à disposição.
    • Andrighi: informou que apurações internas estão em andamento.
    • Og Fernandes: defendeu responsabilização de eventuais ilícitos.
  • Defesa de Daimler de Campos: nega vínculo e diz que o nome foi “utilizado de maneira espúria para gerar influência fictícia”.

6. Estrutura e Alcance do Esquema

  • Modus operandi: atuação de lobistas, advogados e servidores estratégicos para manipular decisões de alto impacto econômico.
  • Tática: “Venda de fumaça” — promessa de influência junto a gabinetes para convencer clientes.
  • Objetivo: interferir em processos de falência de empresas do agronegócio e outros com valores expressivos.
  • Avaliação da PF: rede “sofisticada”, com indícios de coordenação interna e possível atuação sem o conhecimento direto de alguns ministros.

7. Situação Atual

  • Ministros não investigados: Gallotti, Andrighi, Og Fernandes, Salomão e Buzzi.
  • Servidores e lobistas investigados: Andreson, Daimler, Toledo Pinto e Rodrigo Falcão.
  • Inquérito: segue sob sigilo no STF, com foco em corrupção, tráfico de influência e violação de sigilo funcional.

Linha do Tempo da Operação Sisamnes 

1ª fase — 26/11/2024: deflagração da operação

A Polícia Federal cumpriu mandados de prisão preventiva e 23 de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e Distrito Federal. Houve afastamento de autoridades, sequestro de bens e monitoramento eletrônico de investigados. Essa primeira etapa marcou o início das apurações sobre a venda de decisões judiciais no STJ, envolvendo intermediários e servidores de gabinetes.

2ª fase — 20/12/2024: investigação de lavagem de dinheiro

Os investigadores avançaram na rastreabilidade financeira do grupo e determinaram o bloqueio de R$ 1,8 milhão em contas ligadas aos investigados. Foram identificadas empresas de fachada utilizadas para movimentar recursos ilícitos e ocultar patrimônio de origem criminosa.

3ª fase — 18/03/2025: violações de sigilo e obstrução de justiça

Mandados de prisão e busca foram cumpridos no Tocantins após a descoberta de uma rede clandestina de monitoramento de processos sigilosos. As investigações revelaram que informações internas do STJ eram vendidas antes de decisões estratégicas, beneficiando advogados e empresários.

4ª fase — 02/05/2025 (estimada): ampliação do inquérito principal

A PF iniciou a análise de vínculos entre lobistas e empresas do agronegócio, identificando a Fource Consultoria e a Bom Jesus Agropecuária como intermediárias em fraudes de recuperações judiciais. Essas empresas teriam servido como eixo financeiro do esquema de venda de sentenças.

5ª fase — 13/05/2025: combate à corrupção e evasão de divisas

Foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, São Paulo e Distrito Federal, resultando no sequestro de aproximadamente R$ 20 milhões. Essa etapa aprofundou a investigação sobre corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

6ª fase — 14/05/2025: prisões em Brasília

Dois mandados de prisão preventiva e um de busca e apreensão foram executados no Distrito Federal. O objetivo foi desarticular tentativas de destruição de provas e de interferência nas apurações, praticadas por assessores de gabinetes e advogados ligados aos investigados.

7ª fase — 28/05/2025: investigação do homicídio de Roberto Zampieri

Esta fase concentrou as ações mais severas da operação. A PF cumpriu cinco prisões preventivas e seis buscas para identificar os mandantes e coautores do assassinato do advogado Roberto Zampieri, ocorrido em 2023. O crime teria sido motivado por tentativas de silenciar delatores e proteger o esquema.

8ª fase — 29/05/2025: afastamento de magistrado

Três mandados de busca e apreensão foram executados em Mato Grosso, levando ao afastamento de um juiz e ao sequestro de bens avaliados em R$ 30 milhões. O Supremo Tribunal Federal determinou ainda o recolhimento de passaportes para impedir a fuga dos investigados ao exterior.

9ª fase — 30/05/2025: vazamento de informações sigilosas

A PF deflagrou nova ação em Palmas (TO) para apurar o vazamento de informações sobre decisões judiciais e operações policiais. Os alvos foram proibidos de manter contato entre si e de deixar o país.

10ª fase — 27/06/2025: prisões em Palmas

Foram cumpridos três mandados de prisão preventiva e três de busca e apreensão contra servidores e assessores suspeitos de repassar informações sigilosas sobre investigações do STJ.

Relatório parcial — outubro de 2025: ampliação das investigações pelo STF

O relatório parcial da PF encaminhado ao ministro Cristiano Zanin indica um padrão típico de organização criminosa, com ramificações no setor jurídico e empresarial. O documento menciona o lobista Andreson Gonçalves, servidores de gabinete e conexões financeiras com grandes grupos empresariais, apontando cooptação sistemática de agentes públicos e manipulação de decisões judiciais.


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