O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve a prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na manhã deste sábado (22/11/2025), em substituição à prisão domiciliar que cumpria desde 4 de agosto, no âmbito da ação penal que julga a chamada “trama golpista”. A decisão se baseia em suposta tentativa de violação da tornozeleira eletrônica, risco de fuga para representação diplomática estrangeira e na convocação de uma vigília de apoiadores em frente à residência do ex-presidente, feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Prisão preventiva substitui regime domiciliar e restringe visitas
Na nova decisão, Moraes rejeitou pedido da defesa para manter Bolsonaro em prisão domiciliar humanitária, sob o argumento de que o ex-presidente teria doenças permanentes e necessidade de acompanhamento médico intenso. O ministro determinou que todas as visitas na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília sejam previamente autorizadas pelo STF, com exceção dos advogados e da equipe médica responsável pelo tratamento do réu.
A defesa havia apresentado petição na sexta-feira (21/11/2025) alegando que o quadro de saúde de Bolsonaro representaria “risco à vida” em ambiente prisional comum, citando problemas cardiológicos, pulmonares, gastrointestinais, neurológicos e oncológicos, além de internações recentes. O objetivo dos advogados era evitar a transferência para o presídio da Papuda, mantendo o ex-presidente em casa até a fase final do processo.
Com a decretação da prisão preventiva, Moraes considerou prejudicados os pedidos anteriores de prisão domiciliar humanitária e de ampliação de visitas, reafirmando que a medida extrema se justifica pela necessidade de garantir a ordem pública e impedir “eventual tentativa de fuga do réu”. A audiência de custódia foi marcada para este domingo (23), por videoconferência, na sede da PF.
Tentativa de violar tornozeleira e hipótese de fuga para embaixada
Segundo a decisão, o Centro de Integração de Monitoração Eletrônica do Distrito Federal comunicou, na madrugada deste sábado, violação do equipamento de monitoramento usado por Bolsonaro. Relatório da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) aponta que o dispositivo apresentava marcas de queimadura em toda a circunferência, sem sinais de impacto em escada, como informado inicialmente.
De acordo com o documento, Bolsonaro foi questionado sobre o que havia ocorrido e respondeu ter usado um “ferro quente” para tentar abrir a tornozeleira, referindo-se a um ferro de solda. O alerta de violação teria sido registrado por volta de 0h07, levando equipes ao local para inspeção. Esses elementos foram citados por Moraes como indicativos de “intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga”, alegadamente facilitada pela confusão provocada pela vigília convocada por Flávio Bolsonaro.
A decisão menciona ainda o risco de fuga para embaixada estrangeira, com referência ao precedente de outros investigados que deixaram o país durante apurações da Polícia Federal. Moraes cita, entre outros, o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ), que, segundo o ministro, teria se evadido para Miami com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal.
Defesa fala em “profunda perplexidade” e risco à vida do ex-presidente
Os advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno divulgaram nota em que afirmam que a prisão preventiva “causa profunda perplexidade” e sustentam que Bolsonaro estava sendo continuamente vigiado, com tornozeleira eletrônica e presença de viaturas na porta de sua residência. Para a defesa, a medida estaria fundada em uma vigília de orações, direito garantido pela Constituição no âmbito da liberdade religiosa e de reunião.
Bueno classificou o episódio como humilhante para o ex-presidente e afirmou que a narrativa sobre tentativa de violação da tornozeleira estaria sendo usada para “justificar o injustificável”. Apesar de não oferecer explicação técnica para as marcas no equipamento, o advogado insiste que “não havia como fuga”, dada a presença ostensiva de agentes públicos no entorno da casa.
Os defensores reforçaram o argumento de que o estado de saúde de Bolsonaro é “delicado” e alegam que a manutenção da prisão preventiva pode representar risco concreto à sua vida, mesmo após a determinação de atendimento médico em tempo integral na sede da PF. Eles anunciaram que irão apresentar os recursos cabíveis, tanto contra a prisão preventiva quanto em relação à execução da condenação de 27 anos e 3 meses de prisão na ação penal que trata do Núcleo 1 da trama golpista.
Condições da cela na PF e atendimento médico permanente
Enquanto estiver na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, Jair Bolsonaro ficará em uma cela de aproximadamente 12 m², recentemente reformada. O espaço tem paredes brancas, cama de solteiro, armário, mesa de apoio, televisão, frigobar, ar-condicionado e banheiro privativo, além de acesso a banho de sol. O ex-presidente não terá contato com outros presos.
Moraes determinou que Bolsonaro receba atendimento médico “em tempo integral” e “em regime de plantão”, com trânsito livre da equipe que o acompanha, sem necessidade de autorização prévia do STF. A médica Marina Grazziotin Pasolini foi vista chegando à PF na manhã deste sábado para avaliar o quadro de saúde do ex-presidente, em linha com os relatórios anexados pela defesa à petição que pedia manutenção da prisão domiciliar.
Para aliados de Bolsonaro, a condição clínica do ex-presidente – que inclui episódios de soluço, queixas gastrointestinais e histórico de procedimentos cirúrgicos – reforça o argumento de que o cumprimento da pena deveria ocorrer em casa. Para o STF, entretanto, o conjunto de elementos relativos à tentativa de violação da tornozeleira e ao risco de aglomerações em frente ao condomínio prevaleceu sobre as alegações de fragilidade médica.
Reação do governo e ministros defendendo o STF
No campo político, integrantes do governo federal saíram em defesa da decisão do STF. A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que a prisão de Bolsonaro segue rigorosamente os ritos do devido processo legal, tanto no Supremo quanto na Procuradoria-Geral da República (PGR), em cada etapa da ação penal.
Segundo Gleisi, a decisão de Moraes está baseada em “riscos reais de fuga do chefe da organização golpista”, na iminência do trânsito em julgado da condenação e na necessidade de assegurar o cumprimento da pena. Ela mencionou ainda o histórico de tensão entre Judiciário e bolsonarismo, marcado por tentativas de coação contra o STF, inclusive com referência a episódios recentes como o tarifaço dos EUA contra o Brasil e as sanções da Lei Magnitsky adotadas contra autoridades brasileiras, interpretados como parte de uma disputa política mais ampla.
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, também se manifestou, afirmando que “ninguém está acima da democracia” e que a prisão de Bolsonaro por tentativa de golpe deve servir como marco histórico para reafirmar o compromisso do país com o Estado Democrático de Direito.
Congresso se divide entre apoio e críticas à prisão
A decisão provocou reações imediatas no Congresso Nacional. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara, afirmou que a prisão preventiva se justifica pela necessidade de garantir a ordem pública, argumentando que Bolsonaro, mesmo em prisão domiciliar, seguia politicamente ativo e contribuía para tensionar o ambiente institucional.
Segundo Lindbergh, a vigília convocada por Flávio Bolsonaro transformou o processo criminal em ato político, com potencial de intimidação ao STF e à PF e risco de desestabilização institucional, inclusive com possibilidade de aglomeração para tentar impedir a prisão definitiva.
Na oposição, o líder no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), classificou a medida como “aberração”, alegando que Bolsonaro já cumpria prisão domiciliar há mais de 100 dias, estaria debilitado e, segundo ele, “sequer é acusado formalmente” em algumas frentes relacionadas ao caso. Outros parlamentares da oposição apontaram excesso e perseguição política, consolidando o ambiente de polarização em torno da decisão.
Família Bolsonaro e aliados elevam o tom contra Moraes
Do exterior, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou nas redes sociais que o objetivo de Alexandre de Moraes seria “matar” seu pai, comparando a atuação do ministro à de regimes de exceção e utilizando termos como “Gestapo alexandrina”. Eduardo, que está nos Estados Unidos buscando sanções contra Moraes, acusou o ministro de agir como “capanga” de um suposto “regime de exceção” voltado a eliminar a oposição.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), considerado herdeiro político de Bolsonaro na centro-direita, divulgou nota em que afirma que o ex-presidente é inocente e que a prisão “atenta contra a dignidade humana”, sobretudo diante dos laudos médicos apresentados. O prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB) declarou solidariedade, dizendo considerar “frágil” o argumento de tentativa de fuga diante da presença de agentes da PF na porta da residência.
Lideranças religiosas bolsonaristas, como o pastor Silas Malafaia, associaram a decisão a uma tentativa de desviar o foco de denúncias envolvendo o Banco Master, cujo controlador foi preso em operação da PF, e citaram a contratação de escritório de advocacia ligado a familiares de Moraes, reforçando o discurso de politização do Judiciário. Tais alegações, contudo, integram o campo das disputas políticas e não constituem, até o momento, reconhecimento judicial de irregularidades por parte do ministro.
Manifestações em frente à PF e clima de tensão em Brasília
Desde as primeiras horas do dia, manifestantes favoráveis e contrários a Bolsonaro se reuniram em frente à Superintendência da PF no Distrito Federal. De um lado, grupos comemoraram a prisão, com gritos, buzinaços e até estouro de garrafa de champanhe; de outro, apoiadores exibiram bandeiras do Brasil, cantaram e protestaram contra o STF, sob forte presença policial.
Entre os presentes, relatos antagônicos expressam a polarização política atual. Uma manifestante, identificada como Verine Veiga, historiadora e advogada, classificou o dia como “histórico para o país”, relacionando a prisão às políticas adotadas pelo governo Bolsonaro durante a pandemia e à atuação do STF como barreira institucional.
Na ala pró-Bolsonaro, discursos criticaram Moraes e o Supremo. A deputada Bia Kicis (PL-DF) chamou a prisão de “perseguição política absurda e inconstitucional”, enquanto outros apoiadores minimizavam acusações de corrupção e questionavam a narrativa de tentativa de golpe. O clima de confronto verbal entre os dois grupos reforçou a percepção de que o episódio se tornou símbolo da disputa política e institucional que atravessa o país.
Repercussão internacional: imprensa estrangeira destaca risco de fuga
A prisão de Jair Bolsonaro ganhou destaque em veículos da imprensa internacional. O jornal britânico The Guardian noticiou a detenção sob a linha de que a polícia brasileira prendeu o ex-presidente em meio a suspeitas de que preparava uma fuga, citando a possibilidade de busca de refúgio em embaixada estrangeira.
Na França, o Le Monde destacou que Bolsonaro foi preso após condenação por tentativa de golpe de Estado, enfatizando o “risco de fuga” apontado pelo STF. Nos Estados Unidos, o The Washington Post registrou que o ex-líder brasileiro foi preso depois de autoridades identificarem adulteração na tornozeleira eletrônica, lembrando que ele já havia sido condenado por tentativa de golpe.
Jornais da Argentina, como o Clarín, também repercutiram o caso, detalhando a suposta violação do equipamento de monitoramento e citando trechos da decisão de Moraes. A Al Jazeera, no Catar, ressaltou o caráter inédito da prisão preventiva de um ex-presidente após condenação por tentativa de golpe de Estado, mencionando a transferência de Bolsonaro para a sede da Polícia Federal em Brasília.
Próximos passos no STF e possibilidade de prisão definitiva
Embora a prisão atual seja preventiva, o caso avança para a fase final no STF. Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelos crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado e à abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Após a publicação do acórdão que rejeitou os primeiros embargos de declaração, a defesa prepara novos recursos, que podem ser apreciados nos próximos dias.
Especialistas em processo penal apontam que o STF tem jurisprudência consolidada sobre o uso de embargos de declaração e embargos infringentes, limitando o alcance desses recursos. Em precedentes como o do ex-presidente Fernando Collor, o tribunal já considerou determinados recursos como “protelatórios”, autorizando o cumprimento imediato da pena após a rejeição das últimas impugnações.
No caso de Bolsonaro, Moraes poderá decretar o início da execução definitiva da pena caso entenda que novos recursos não têm potencial de modificar o resultado. A decisão monocrática pode ser submetida à Primeira Turma do STF, por agravo interno ou por remessa voluntária do próprio relator. Assim, a prisão preventiva decretada neste sábado pode ser sucedida, em curto prazo, por ordem de prisão definitiva, caso o Supremo reconheça o trânsito em julgado da condenação.
O que a prisão de Bolsonaro revela sobre o poder do STF e a polarização política
A prisão preventiva de Jair Bolsonaro concentra, em um único episódio, diversos vetores da crise institucional brasileira: o protagonismo do STF, a limitação de recursos penais em ações originárias, a polarização política extrema e o uso estratégico das redes sociais para tensionar decisões judiciais. Do ponto de vista jurídico, a fundamentação de Moraes combina elementos clássicos de prisão preventiva – risco de fuga, garantia da ordem pública, preservação da aplicação da lei penal – com um contexto político excepcional, no qual a figura do réu é, ao mesmo tempo, ex-presidente, líder de oposição e condenado por tentativa de golpe.
Ao transformar a violação da tornozeleira e a convocação de vigília em fatores centrais para a decretação da prisão, o STF envia um sinal de tolerância zero a qualquer gesto interpretado como afronta direta à autoridade da Corte. Para críticos, esse movimento pode representar ampliação excessiva do espaço de discricionariedade judicial, sobretudo em ambiente no qual não há segunda instância para reapreciação ampla do mérito. Já para defensores da decisão, trata-se de resposta proporcional diante de um histórico de ataques às instituições e de reiterado descumprimento de medidas cautelares por parte de Bolsonaro.
No plano político, o episódio reforça a dupla centralidade do STF e de Bolsonaro na polarização brasileira. O Supremo se consolida como ator decisivo na contenção de projetos considerados antidemocráticos, ao custo de ser acusado por uma parcela expressiva da sociedade de atuar como “poder moderador de fato”. Bolsonaro, por sua vez, converte cada derrota judicial em combustível para seu discurso de perseguição, mantendo sua base mobilizada mesmo após a inelegibilidade e a condenação criminal. Essa dinâmica, se não for mediada por instituições políticas robustas e por debate público racional, tende a prolongar a instabilidade e a dificultar a reconstrução de consensos mínimos sobre regras do jogo democrático.
*Com informações do STF, PF, Folha de S.Paulo, Estadão, Revista Veja e Agência Brasil.
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