O desenvolvimento secreto, pela China, de um protótipo funcional de máquina de litografia ultravioleta extrema (EUV) — tecnologia central para a fabricação de chips avançados — e, simultaneamente, a reação política nos Estados Unidos a testes da Intel com equipamentos associados à China evidenciam uma nova escalada da disputa tecnológica global. O embate envolve soberania industrial, segurança nacional, cadeias globais de suprimentos e o futuro da liderança em semicondutores de ponta, especialmente os voltados à inteligência artificial e aplicações militares .
Em um complexo de alta segurança em Shenzhen, cientistas chineses concluíram, no início de 2025, um protótipo operacional de máquina EUV, capaz de gerar luz ultravioleta extrema — etapa indispensável para gravar circuitos microscópicos em wafers de silício. Embora o equipamento ainda não tenha produzido chips funcionais, fontes ouvidas pela Reuters apontam que ele se encontra em fase avançada de testes.
A litografia EUV é considerada o gargalo tecnológico mais crítico da indústria de semicondutores. Quanto menor a litografia, maior o desempenho, a eficiência energética e a capacidade de processamento dos chips. Até hoje, apenas a holandesa ASML domina plenamente essa tecnologia, após quase duas décadas de pesquisa e investimentos bilionários, o que lhe confere um monopólio estratégico global.
Engenharia reversa e ex-engenheiros da ASML
A investigação revela que o projeto chinês contou com a atuação de ex-engenheiros da ASML, muitos deles de origem chinesa e já aposentados, recrutados especificamente por seu conhecimento técnico sensível. Segundo as fontes, esses profissionais atuaram sob pseudônimos e identidades falsas, em um programa classificado como de segurança nacional.
Parte do avanço teria sido viabilizada por engenharia reversa, a partir de componentes de máquinas ASML mais antigas adquiridas em mercados secundários internacionais. Redes de empresas intermediárias teriam sido utilizadas para ocultar o destino final dos equipamentos, contornando os controles de exportação impostos pelos Estados Unidos e aliados desde 2018.
Huawei, coordenação estatal e ambição de longo prazo
A Huawei aparece como peça central na coordenação de uma ampla rede de empresas estatais, universidades e centros de pesquisa envolvidos no projeto. O esforço mobiliza milhares de engenheiros e é descrito por fontes como a “versão chinesa do Projeto Manhattan”, em alusão ao programa norte-americano que desenvolveu a bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial.
O governo chinês estabeleceu oficialmente a meta de produzir chips funcionais com tecnologia EUV até 2028, embora analistas considerem 2030 um prazo mais realista, devido às dificuldades técnicas, especialmente nos sistemas ópticos de altíssima precisão — atualmente dominados por empresas ocidentais como a alemã Carl Zeiss AG.
Contenção ocidental e limites dos controles de exportação
Desde 2018, os Estados Unidos pressionam a Holanda para impedir a venda de máquinas EUV da ASML à China. As restrições se intensificaram em 2022, com controles de exportação mais amplos sob o governo Biden, cujo objetivo declarado é manter Pequim ao menos uma geração atrás na fabricação de chips avançados.
Apesar disso, o protótipo de Shenzhen demonstra que a estratégia de contenção retardou, mas não bloqueou, o avanço chinês. Especialistas apontam que a capacidade de mobilização estatal, somada ao acesso indireto a conhecimento ocidental, reduz a eficácia de sanções tecnológicas no longo prazo.
Reação nos EUA: Intel sob pressão política
Em paralelo ao avanço chinês, parlamentares republicanos dos Estados Unidos reagiram com dureza à revelação de que a Intel testou ferramentas de produção de semicondutores da ACM Research, empresa sediada na Califórnia, mas com operações relevantes na China. O episódio gerou alertas sobre segurança nacional, possível transferência de tecnologia sensível e o uso de recursos públicos em contexto geopolítico adverso.
Duas unidades da ACM haviam sido incluídas, em 2024, em listas de restrição do governo americano, sob a alegação de apoiar esforços chineses para empregar tecnologia comercial em aplicações militares ou na produção de chips avançados. A empresa nega as acusações.
Congresso, subsídios e segurança nacional
A senadora republicana Marsha Blackburn classificou como “inaceitável” qualquer teste de equipamentos associados à China em fábricas americanas, sobretudo quando a Intel recebe bilhões de dólares em subsídios federais para reconstruir a cadeia doméstica de semicondutores.
Já o deputado John Moolenaar, presidente do Comitê Seleto da Câmara sobre a China, afirmou que importar equipamentos chineses para fábricas nos EUA é uma das formas mais rápidas de minar a vantagem americana em chips de inteligência artificial, criando uma contradição direta com os objetivos da política industrial dos Estados Unidos.
Resposta da Intel e protocolos de segurança
A Intel declarou que não utiliza ferramentas da ACM em sua produção atual e que cumpre rigorosamente todas as leis e regulações americanas. Segundo a empresa, os testes não implicam adoção definitiva dos equipamentos.
A companhia afirma manter protocolos rígidos de cibersegurança, incluindo limitação de acesso a dados por equipamento, ausência de conexões diretas entre ferramentas e monitoramento contínuo das comunicações internas, além de diálogo frequente com legisladores e órgãos reguladores.
Uma nova Guerra Fria tecnológica
Os dois episódios — o avanço chinês em litografia EUV e a reação política nos EUA contra a Intel — expõem os limites práticos da atual estratégia ocidental de contenção tecnológica. A China demonstra capacidade de absorver choques, mobilizar recursos estatais e avançar mesmo sob sanções severas, ainda que em ritmo mais lento.
Nos Estados Unidos, a politização extrema da política industrial cria um ambiente em que até testes preliminares passam a ser tratados como ameaças estratégicas. Isso evidencia a tensão entre inovação, eficiência produtiva e alinhamento geopolítico rígido.
Caso a China consiga dominar plenamente a litografia EUV na próxima década, o equilíbrio global da indústria de semicondutores poderá sofrer uma mudança estrutural, com impactos profundos sobre segurança, economia, defesa e diplomacia. A chamada “Guerra Fria tecnológica” já não é retórica: ela se materializa em fábricas, laboratórios e decisões legislativas.
*Com informações da Agência Reuters.
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