As declarações atribuídas a um empresário experiente, publicadas na coluna de Lauro Jardim, revelam a existência de uma prática recorrente de contratações “preventivas” de escritórios de advocacia com vínculos pessoais ou familiares com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O relato expõe, de forma inequívoca, uma lógica de proteção antecipada adotada por grandes grupos econômicos diante do peso decisório concentrado na Corte.
As revelações reforçam a percepção de um suposto padrão de captura indireta do STF, no qual a advocacia deixa de cumprir exclusivamente sua função técnica e passa a operar como mecanismo de blindagem institucional. Esse cenário alimenta o debate sobre corrupção estrutural, conflitos de interesse e a erosão da imparcialidade do Judiciário brasileiro, além de reacender questionamentos centrais sobre ética institucional, assimetria de acesso à Justiça e a relação promíscua entre poder econômico e o núcleo decisório do sistema judicial.
A coluna de Lauro Jardim, publicada neste domingo (14/12/2025) no jornal O GLOBO, trouxe à tona um relato direto e sem rodeios de um empresário de grande porte sobre uma prática que, embora amplamente conhecida nos bastidores do poder, raramente é admitida de forma tão explícita. Segundo a fonte, a contratação de advogados ligados a ministros do STF ocorre “por prevenção”, mesmo na ausência de processos concretos ou litígios em andamento.
De acordo com o empresário, a lógica que orienta esse tipo de contratação é estritamente pragmática. O objetivo não seria a atuação jurídica imediata, mas a construção de uma relação duradoura, capaz de funcionar como seguro institucional contra riscos futuros. A frase atribuída à fonte sintetiza com crueza esse raciocínio:
“É melhor tê-los conosco do que contra nós”.
A prática, segundo o próprio relato, não é recente, mas teria se intensificado à medida que o STF amplia seu protagonismo político, jurídico e econômico, passando a influenciar diretamente decisões que impactam grandes conglomerados empresariais, setores estratégicos da economia e interesses bilionários, aprofundando a percepção de que o acesso ao topo do Judiciário se tornou um ativo estratégico no ambiente de negócios brasileiro.
Contratações sem causa específica e vínculos indiretos
O relato indica que os contratos firmados nem sempre estão associados a causas concretas ou litígios em andamento. Em muitos casos, tratam-se de contratos de pequeno valor ou de baixa intensidade, firmados apenas para estabelecer um vínculo formal com escritórios cujos sócios mantêm parentesco, amizade próxima ou relações históricas com ministros da Corte.
Esse tipo de arranjo, embora não seja necessariamente ilegal, levanta questionamentos relevantes sobre conflitos de interesse indiretos, tráfico de influência e a assimetria de acesso ao Judiciário. Especialistas ouvidos em debates anteriores sobre o tema costumam destacar que o problema central não está apenas na legalidade estrita, mas na erosão da confiança pública nas instituições.
A própria coluna ressalta que esse comportamento reflete uma percepção disseminada no meio empresarial: a de que o STF se tornou um espaço decisivo para a definição de rumos econômicos, regulatórios e políticos, tornando indispensável a construção de canais de interlocução — formais ou informais — com o entorno da Corte.
Protagonismo do STF e ambiente de insegurança jurídica
O contexto em que essas declarações surgem é marcado por um crescimento do protagonismo do STF em temas tradicionalmente tratados pelo Legislativo ou pelo Executivo. Decisões envolvendo marcos regulatórios, investigações criminais, políticas públicas e disputas empresariais de grande impacto reforçaram a percepção de que o Supremo passou a ocupar um papel central na governança do país.
Nesse cenário, empresários relatam um ambiente de insegurança jurídica, no qual decisões judiciais podem redefinir estratégias de negócios, afetar contratos e alterar o valor de ativos. A contratação preventiva de escritórios com trânsito no STF aparece, assim, como uma resposta pragmática a esse ambiente de incerteza.
Ainda que a prática seja descrita como comum nos bastidores, sua explicitação pública amplia o debate sobre a necessidade de regras mais claras de transparência, limites éticos para a advocacia e mecanismos de controle sobre possíveis conflitos de interesse envolvendo magistrados e seus círculos próximos.
Supremo sob suspeita: bastidores revelam padrão de influência, contratações preventivas e erosão da imparcialidade no STF
A narrativa revelada pela coluna de Lauro Jardim não pode ser tratada como um episódio isolado, folclórico ou meramente anedótico dos bastidores do poder. O conteúdo aponta para algo mais grave: a consolidação de um padrão estrutural de captura informal do Supremo Tribunal Federal por redes de influência econômica, operando à margem da legalidade estrita, mas profundamente corrosivas à legitimidade institucional da Corte.
O ponto central não é a eventual ilegalidade penal — até porque a maior parte dessas práticas é cuidadosamente desenhada para permanecer dentro da zona cinzenta da “formalidade jurídica”. O problema real é ético, institucional e sistêmico. Quando empresários admitem, sem constrangimento, a contratação “preventiva” de escritórios ligados por laços pessoais ou familiares a ministros do STF, o que se revela é a percepção generalizada de que decisões judiciais não são apenas produto da técnica jurídica, mas também do posicionamento relacional no entorno do poder.
Essa lógica — “é melhor tê-los conosco do que contra nós” — é devastadora. Ela traduz uma visão do STF não como Corte constitucional imparcial, mas como arena política sensível à pressão indireta, na qual o simples fato de estar vinculado a determinados escritórios funcionaria como um seguro institucional. Trata-se de uma inversão completa do ideal republicano: não é mais o direito que protege o cidadão, mas a proximidade com o círculo do julgador que protege o interesse econômico.
O caráter “preventivo” dessas contratações é ainda mais revelador. Não se trata de defesa técnica em processos concretos, mas de aquisição antecipada de influência simbólica, um pedágio silencioso pago para reduzir riscos futuros. Isso aproxima perigosamente o STF de um modelo de justiça de acesso diferenciado, no qual grandes grupos econômicos operam com múltiplas camadas de blindagem institucional, enquanto o cidadão comum permanece submetido a um Judiciário distante, lento e imprevisível.
É impossível dissociar esse fenômeno do protagonismo hipertrofiado do STF nas últimas décadas. Ao expandir sua atuação para além da guarda constitucional — interferindo em políticas públicas, regulação econômica, processos legislativos e disputas empresariais bilionárias — a Corte criou um ambiente propício à mercantilização indireta da influência. Quanto maior o poder concentrado, maior o incentivo à sua captura, ainda que por meios informais.
O resultado é um quadro de insegurança jurídica seletiva. Para quem dispõe de recursos e conexões, a insegurança é mitigada por contratos, vínculos e trânsito privilegiado. Para o restante da sociedade, sobra a imprevisibilidade, a opacidade decisória e a sensação de arbitrariedade. Isso não é um efeito colateral: é a consequência lógica de um sistema que tolera — e normaliza — conflitos de interesse indiretos no coração do Judiciário.
A naturalização desse arranjo expõe também a fragilidade dos mecanismos de controle. O STF opera praticamente sem fiscalização externa efetiva, o CNJ mostra-se tímido ou corporativo em temas sensíveis, e o debate público sobre quarentena para familiares, transparência de vínculos e limites da advocacia de influência é sistematicamente evitado. Em democracias maduras, tais temas seriam centrais. No Brasil, permanecem como tabu institucional.
Falar em “elevada corrupção” nesse contexto não significa acusar ministros individualmente de venda direta de decisões, mas reconhecer algo igualmente grave: a existência de um ecossistema de incentivos perversos, no qual a proximidade com o poder judicial máximo se converte em ativo econômico. Essa é a forma contemporânea, sofisticada e socialmente aceitável da corrupção institucional — aquela que não deixa recibos, mas destrói a confiança pública.
O STF, ao tolerar esse ambiente, compromete sua autoridade moral. Uma Corte constitucional não sobrevive apenas da legalidade de seus atos, mas da percepção inequívoca de imparcialidade. Quando essa percepção se dissolve, o Judiciário deixa de ser árbitro e passa a ser visto como parte interessada. E quando isso ocorre no topo do sistema, toda a estrutura abaixo se contamina.
O episódio revelado por Lauro Jardim não é um escândalo passageiro. É um sintoma. Ignorá-lo é optar pela continuidade de um modelo que afasta o STF de sua função histórica e o aproxima perigosamente de um poder opaco, autorreferente e estruturalmente vulnerável à captura. Em qualquer democracia que se pretenda séria, isso exigiria não silêncio defensivo, mas reformas profundas, transparência radical e autocrítica institucional — exatamente o que hoje parece faltar.
*Carlos Augusto, jornalista, cientista social e diretor do Jornal Grande Bahia.
Leia +
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




