Em nota enviada ao Jornal Grande Bahia nesta sexta-feira (26/12/2025), o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que firmou acordo judicial no valor de R$ 40 milhões com a BYD Auto do Brasil Ltda., a China Jinjiang Construction Brazil Ltda. e a Tecmonta Equipamentos Inteligentes Brasil Co. Ltda., no âmbito de ação civil pública relacionada ao resgate de 224 trabalhadores chineses encontrados em condições análogas à escravidão durante a construção da planta industrial da montadora no município de Camaçari, na Bahia. O acordo ainda depende de homologação pela Justiça do Trabalho.
Do montante total pactuado, R$ 20 milhões correspondem a danos morais individuais, que serão pagos diretamente aos trabalhadores resgatados. Os outros R$ 20 milhões referem-se a danos morais coletivos, a serem depositados em conta judicial e posteriormente destinados a instituições ou fundos indicados pelo MPT.
Além das indenizações financeiras, o acordo estabelece obrigações de fazer e não fazer relacionadas à proteção dos direitos trabalhistas, aplicáveis a todos os estabelecimentos e atividades empresariais das companhias envolvidas. O descumprimento das medidas poderá resultar em multa de R$ 20 mil por trabalhador prejudicado, a cada constatação.
Trabalhadores retornaram à China sem verbas rescisórias
Entre os 224 trabalhadores resgatados, 61 já haviam retornado à China sem receber as verbas rescisórias devidas. O acordo prevê o pagamento integral das rescisões, incluindo valores de FGTS com acréscimo da multa de 40%, além da indenização por dano moral individual, garantindo a reparação mesmo após o retorno dos operários ao país de origem.
Os trabalhadores haviam sido contratados pelas empreiteiras Jinjiang e Tecmonta, que prestavam serviços exclusivos à BYD na obra da fábrica em Camaçari, um dos principais investimentos industriais da montadora no Brasil.
Denúncia anônima deu início à investigação
A apuração teve início em outubro de 2024, após o MPT receber denúncia anônima sobre irregularidades nas condições de trabalho no canteiro de obras. Em 23 de dezembro de 2024, uma força-tarefa interinstitucional realizou a fiscalização no local.
A operação contou com a participação do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, do Ministério do Trabalho e Emprego, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal.
Inicialmente, foram resgatados 163 trabalhadores vinculados à Jinjiang. Posteriormente, outros 61 trabalhadores da Tecmonta também foram identificados em situação análoga à escravidão e como vítimas de tráfico internacional de pessoas.
Condições degradantes e indícios de trabalho forçado
De acordo com as investigações, os trabalhadores estavam alojados em instalações precárias, sem condições mínimas de conforto e higiene. As equipes de fiscalização identificaram vigilância armada, retenção de passaportes, contratos com cláusulas ilegais, jornadas exaustivas e ausência de descanso semanal.
Também foi constatada a exigência de pagamento de caução, a retenção de até 70% dos salários e a imposição de ônus excessivo para rescisão contratual, fatores que, segundo o MPT, caracterizam trabalho forçado nos termos da legislação brasileira e de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
Tramitação judicial
A ação civil pública tramita sob o processo nº 0000449-07.2025.5.05.0134. A homologação do acordo pela Justiça do Trabalho é a etapa necessária para que os pagamentos e as obrigações assumidas passem a produzir efeitos jurídicos plenos.
Trabalho escravo contemporâneo
O acordo firmado pelo MPT representa um dos maiores desdobramentos recentes envolvendo trabalho escravo contemporâneo em grandes projetos industriais no Brasil, atingindo diretamente uma multinacional estratégica para a política de reindustrialização e transição energética do país. O caso expõe fragilidades na fiscalização de cadeias produtivas terceirizadas, mesmo em empreendimentos de alto valor econômico e visibilidade institucional.
A responsabilização solidária de contratantes e empreiteiras reforça a interpretação de que não há dissociação entre a atividade-fim e as condições de trabalho nos canteiros, sobretudo quando os serviços são prestados de forma exclusiva. O episódio também evidencia tensões entre a atração de investimentos estrangeiros e o cumprimento rigoroso da legislação trabalhista brasileira.
Por fim, a situação levanta questionamentos sobre os mecanismos preventivos adotados por grandes grupos empresariais, especialmente em contextos de contratação internacional de mão de obra, e sobre a necessidade de controles mais rigorosos e permanentes, para evitar que violações graves de direitos humanos se repitam sob a lógica da terceirização.
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