Presidente Lula alerta para risco de guerra na Venezuela, critica ações dos EUA, projeta acordo Mercosul–UE e defende cooperação regional contra o crime organizado

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participa da Sessão Plenária da Cúpula de Presidentes e Chefes de Delegação dos Estados Partes do Mercosul e dos Estados Associados, realizada no Belmond Hotel Cataratas, reunindo líderes regionais para discutir integração, comércio e cooperação sul-americana.
Presidentes e chefes de delegação dos países do Mercosul durante a fotografia oficial da Cúpula do bloco, realizada em Foz do Iguaçu, no Paraná, em 20 de dezembro de 2025.  

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste sábado (20/12/2025), durante a Cúpula do Mercosul, que uma eventual intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela representaria uma catástrofe humanitária para a América do Sul e criaria um precedente perigoso para o direito internacional. A declaração ocorre em meio à escalada de tensões envolvendo Caracas e Washington, após novas ameaças do presidente norte-americano Donald Trump e a apreensão de petroleiros venezuelanos em águas internacionais.

Ao discursar no encontro de chefes de Estado do Mercosul, realizado em Foz do Iguaçu, Lula destacou que o continente sul-americano volta a enfrentar o risco da presença militar direta de uma potência extrarregional, mais de quatro décadas após a Guerra das Malvinas. Segundo ele, os limites do direito internacional estariam sendo colocados à prova.

O presidente brasileiro classificou uma possível ação armada dos Estados Unidos contra a Venezuela como uma ameaça ao equilíbrio regional, com impactos que extrapolariam as fronteiras do país vizinho e afetariam todo o hemisfério. Para Lula, o cenário atual exige cautela diplomática e reforço dos mecanismos multilaterais de diálogo.

Lula também afirmou que pretende retomar conversas diretas com Donald Trump antes do Natal, na tentativa de evitar um conflito armado. Segundo o presidente, o governo brasileiro acompanha com preocupação a sucessão de declarações e medidas adotadas por Washington nos últimos dias.

Escalada de tensões entre EUA e Venezuela

Na sexta-feira (19), Donald Trump voltou a endurecer o discurso contra o governo de Nicolás Maduro e não descartou o uso da força militar. Na mesma semana, o governo norte-americano autorizou a apreensão de petroleiros venezuelanos, sob o argumento de que a Venezuela teria retirado “direitos energéticos” dos Estados Unidos na exploração de petróleo.

No sábado (20), a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, confirmou que a Guarda Costeira norte-americana apreendeu um navio-tanque venezuelano em águas internacionais. A operação ocorreu poucos dias após Trump anunciar um “bloqueio total” a todos os petroleiros sancionados que entram e saem da Venezuela.

De acordo com autoridades norte-americanas, esta foi a segunda apreensão de embarcação nas últimas semanas, em meio ao reforço significativo da presença militar dos EUA no Caribe e em áreas próximas ao território venezuelano.

Impactos no mercado de petróleo e nas exportações venezuelanas

Analistas do setor energético indicam que as exportações de petróleo bruto da Venezuela caíram drasticamente após as apreensões. O navio interceptado, identificado como Centuries, de bandeira panamenha, transportava cerca de 1,8 milhão de barris de petróleo venezuelano com destino à China, segundo documentos internos da estatal PDVSA.

Embora parte da frota envolvida nas exportações venezuelanas esteja sob sanções, especialistas destacam que nem todas as embarcações apreendidas estavam formalmente sancionadas, o que amplia o grau de controvérsia jurídica das ações adotadas por Washington. Para o mercado global, um embargo prolongado pode retirar até um milhão de barris por dia da oferta, pressionando os preços internacionais do petróleo.

A China, principal compradora do petróleo venezuelano, responde por cerca de 4% das importações totais do país asiático. Analistas avaliam que, apesar de o mercado ainda estar bem abastecido, a continuidade das restrições pode gerar volatilidade e impactos relevantes nos próximos meses.

Acordo Mercosul–União Europeia volta ao centro do debate

Além do cenário geopolítico, Lula abordou o novo adiamento da assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, negociado há 26 anos. Após sinalizar que o Brasil poderia retirar apoio ao texto, o presidente recuou e afirmou que o acordo deverá entrar em vigor em janeiro de 2026.

Segundo Lula, o atraso estaria ligado a questões internas da Itália relacionadas à distribuição de recursos agrícolas, e não a uma oposição estrutural ao conteúdo do acordo. O presidente afirmou ter recebido cartas da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do presidente do Conselho Europeu, António Costa, manifestando expectativa de aprovação no início do próximo ano.

Lula também relatou conversa telefônica com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que teria sinalizado disposição para assinar o acordo em janeiro, reduzindo o isolamento da França nas negociações.

Cooperação regional contra o crime organizado

Outro eixo do discurso de Lula foi a cooperação regional no combate ao crime organizado transnacional. O presidente defendeu ações conjuntas entre os países do Mercosul, independentemente da orientação ideológica de seus governos, ressaltando que a segurança pública é um dever do Estado.

Ele citou iniciativas já em andamento, como a criação de instâncias regionais de combate às drogas, acordos contra o tráfico de pessoas e a formação de uma comissão permanente para a implementação de uma estratégia comum contra organizações criminosas que atuam além das fronteiras nacionais.

Durante a cúpula, o Brasil transferiu a presidência temporária do Mercosul ao Paraguai, atualmente governado por Santiago Peña. O bloco é formado por Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Riscos geopolíticos e fragilidade do multilateralismo

As declarações de Lula refletem a crescente fragilidade do sistema multilateral diante do recrudescimento de ações unilaterais por grandes potências. A possibilidade de intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela recoloca a América do Sul no centro de disputas estratégicas globais, com potencial de gerar efeitos humanitários, econômicos e políticos de larga escala.

A apreensão de petroleiros em águas internacionais, inclusive de embarcações não formalmente sancionadas, amplia as tensões jurídicas e diplomáticas, ao testar os limites do direito marítimo e das sanções extraterritoriais. Esse cenário tende a afetar não apenas a Venezuela, mas também parceiros comerciais e países da região.

Ao defender o diálogo e a integração regional, o Brasil busca reafirmar um papel histórico de mediação diplomática e estabilidade, embora enfrente restrições práticas diante da assimetria de poder entre os atores envolvidos e da polarização crescente no sistema internacional.


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