Caso Faroeste: Advogado Domingos Bispo acusa estelionato processual em disputa por terras da antiga Fazenda São José em Formosa do Rio Preto

Disputa pelas terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, entra em nova fase com a petição de Domingos Bispo, protocolada em 19 de agosto de 2024.
Disputa pelas terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, entra em nova fase com a petição de Domingos Bispo, protocolada em 19 de agosto de 2024.

A longa batalha judicial em torno das terras da antiga Fazenda São José, localizadas no município de Formosa do Rio Preto, Bahia, permanece um desafio para a justiça brasileira, mesmo após mais de três décadas de tramitação no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA). O processo de Reintegração de Posse, registrado sob o número 0000157-61.1990.8.05.0081, iniciado em 29 de maio de 1990, acumula vasta gama de incidentes processuais, decisões controversas e complexidades jurídicas, envolvendo múltiplas partes interessadas.

Novos fatos são revelados ao público através de reportagem exclusiva do Jornal Grande Bahia (JGB), que obteve, por meio de fonte, cópia da petição de Reintegração de Posse, apresentada em oposição à ação possessória nº 000157-61.1990.805.0081. A petição, dirigida à 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais de Formosa do Rio Preto, foi subscrita em 19 de agosto de 2024 pelo advogado Domingos Bispo, representando ele próprio e outros, contra José Valter Dias, o Grupo Econômico dos Okamoto e outros e aborda o direito de posse e propriedade das terras da antiga Fazenda São José, imóvel rural com mais de 300 mil hectares.

Na ação, Domingos Bispo e os demais autores denunciam a prática de fraudes e estelionato processual, além de questionarem a tentativa de acordo com objeto ilícito, que envolve a preterição na posse e propriedade dos direitos do cessionário e dos demais herdeiros.

As partes acusadas são responsabilizadas pelos autores da petição pela venda de áreas e pela celebração de acordos sem legitimidade sobre a propriedade, atos que estão sendo contestados judicialmente. A petição também menciona a ocorrência de estelionato processual no contexto do Caso Faroeste, apontando irregularidades em acordos firmados entre o grupo Bom Jesus Agropecuária e José Valter Dias.

As alegações incluem corrupção de servidores públicos e a celebração de acordos que beneficiam criminosos, sem a devida renúncia aos proveitos obtidos ilegalmente, em prejuízo dos herdeiros legítimos da área em disputa. O documento finaliza solicitando a anulação dos atos praticados e a correção das injustiças identificadas.

Trajetória temporal da lide

O litígio teve início com uma ação possessória movida por José Valter Dias, Ildeni Gonçalves Dias e outros, contra a Sociedade Agropecuária Vale do Rio Claro, a Algodoeira Goioerê – Indústria e Comércio Ltda., além de outros indivíduos e empresas. Em disputa está a posse de mais de 300.000 hectares de terra na Fazenda São José, cuja propriedade é reivindicada tanto pelos autores quanto pelos apelados. Desde o início, a causa não teve valor atribuído, mas os principais pontos em questão são a imissão de posse e a propriedade dos direitos do cessionário e dos herdeiros.

Neste contexto, evidências revelaram que os legítimos herdeiros do casal Ribeiro de Souza — Antônia Ribeiro de Souza (então casada com Luiz Ribeiro de Souza), Raimundo Ribeiro de Souza, com 18 anos; Joana Ribeiro de Souza, com 17 anos; Maria Ribeiro de Souza, com 8 anos; e Domingos Suzano Ribeiro, com 6 anos — tiveram seus direitos sumariamente suprimidos devido ao desaparecimento de partes da ação originária proposta por eles. A partir da atuação do advogado Domingos Bispo, esses herdeiros foram reintegrados ao processo.

Inicialmente, os herdeiros foram preteridos em um inventário parcial, que representava apenas uma pequena fração das terras. Simultaneamente, o Grupo Okamoto também reivindicava direitos sobre as mesmas terras, com base em matrículas fraudulentas nº 726 e 727. Em decorrência disso, os herdeiros legítimos não conseguiram defender judicialmente seus direitos, enfrentando não apenas obstáculos jurídicos, mas também ameaças de morte e o desaparecimento de processos e peças processuais, narra Domingos Bispo em petição.

A origem do título da terra

A Fazenda São José foi originalmente adquirida por meio de uma escritura pública de compra e venda datada de 15 de janeiro de 1870. A transação foi registrada no Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Santa Rita de Cássia, número 54, em 20 de junho de 1887. A propriedade passou a pertencer ao casal Suzano Ribeiro de Souza (†1890) e Maria da Conceição Ribeiro (†1908), conforme evidenciado por documentos oficiais.

Alegações de Fraude e Corrupção

A complexidade do processo é evidenciada pelas múltiplas alegações de fraude e corrupção que surgiram ao longo dos anos. Desde o início, as partes envolvidas se acusam mutuamente de práticas ilegais, incluindo o uso de documentos fraudulentos para legitimar reivindicações de posse.

Uma das alegações mais graves envolve a interferência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em atos jurisdicionais, favorecendo determinados litigantes, especialmente a Bom Jesus Agropecuária, uma das partes acusadas de grilagem de terras.

Em 2019, a “Operação Faroeste” trouxe à tona um esquema de corrupção dentro do  Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), que teria impacto direto no andamento deste processo. A operação revelou um esquema de venda de decisões judiciais, no qual magistrados do TJBA estariam envolvidos. Essas revelações reforçaram as alegações de que as decisões judiciais tomadas ao longo do processo foram, em muitos casos, influenciadas por fatores externos e não por uma análise imparcial dos fatos.

Manobras Jurídicas e Acordos Controversos

O caso também é marcado por uma série de manobras jurídicas que complicaram ainda mais o litígio. Em 2012, um acordo judicial reconheceu a posse de 43 mil hectares para José Valter Dias, dos quais 21 mil hectares foram atribuídos a ele e o restante ao grupo Okamoto. No entanto, este acordo foi posteriormente contestado e anulado, gerando novas disputas judiciais.

Outros acordos subsequentes, firmados em 2017 e 2023, também foram alvo de contestação, especialmente pelos herdeiros de Suzano Ribeiro de Souza, que afirmam terem sido sistematicamente excluídos das negociações.

Os herdeiros alegam que esses acordos foram baseados em documentos e matrículas fraudulentas, e que as terras foram apropriadas de maneira ilícita pelos grupos José Valter e Okamoto. Além disso, eles denunciam que a Bom Jesus Agropecuária estaria utilizando práticas de grilagem de terras para consolidar a posse.

Interferência do Conselho Nacional de Justiça

A interferência do CNJ é um dos aspectos mais controversos do caso. Em várias ocasiões, o CNJ teria interferido diretamente em atos jurisdicionais, influenciando decisões do TJBA que favoreceram a Bom Jesus Agropecuária. Um dos episódios mais notórios envolve a anulação da Portaria 105/2015 do TJBA, que, segundo os requerentes, teria sido uma decisão tomada fora da competência do CNJ, com o objetivo de beneficiar diretamente uma das partes envolvidas no litígio.

Essa interferência, alegam os requerentes, comprometeu a imparcialidade do julgamento e prejudicou os direitos dos herdeiros legítimos. A atuação do CNJ foi alvo de críticas por supostamente moldar as decisões judiciais de maneira impositiva, resultando em recusas de relatores por “foro íntimo”, o que atrasou ainda mais a resolução do caso.

Desaparecimento de Documentos e Intimidação

Outro aspecto relevante são os obstáculos enfrentados pelos herdeiros de Suzano Ribeiro de Souza ao longo do processo. Eles relatam o desaparecimento de documentos importantes dos autos, o que dificultou a defesa de seus direitos. Além disso, os herdeiros enfrentaram ameaças de morte e outras formas de intimidação, que foram amplamente divulgadas pela imprensa local. Esses episódios contribuem para a percepção de que o litígio está sendo manipulado para beneficiar grupos específicos em detrimento dos herdeiros legítimos.

O pedido à Justiça 

Domingos Bispo apresentou uma série de requerimentos à Justiça, destacando-se entre eles um pedido por uma atuação mais incisiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O objetivo é garantir os direitos dos requerentes e combater a corrupção no sistema judiciário, especialmente no que tange à substituição de magistrados e promotores. Bispo questiona os mecanismos de remoção de promotores que atuaram contra interesses específicos, o que tem prejudicado os autores das ações judiciais. Ele também requer que ocorra:

  1. Cumprimento Imediato de Despacho Judicial: Solicitação para que o cartório cumpra imediatamente o despacho publicado em 5 de julho de2024, que determinou a certificação nos autos do processo da existência de oposição para que fosse julgado concomitantemente com a ação possessória principal.
  2. Recondução de Posse: Pedido para que a posse das áreas atualmente sob controle da Bom Jesus Agropecuária, especialmente a Fazenda São José (renomeada como Fazenda Sacuri), seja devolvida a Domingos Bispo e aos herdeiros, em conformidade com a decisão judicial anteriormente proferida.
  3. Apuração de Fatos pelo CNJ e Corregedoria: Solicitação de que sejam acionados todos os meios legais para apurar os fatos relacionados à alegação de sumiço de ações judiciais, especialmente diante de suspeitas de corrupção e má conduta.
  4. Suspensão do Processo Principal: Requerimento para a suspensão do processo principal até que seja julgada a oposição, conforme determinado pelo despacho judicial.
  5. Denúncia de Uso Indevido de Decisões Judiciais: Denúncia de que a Bom Jesus Agropecuária estaria utilizando decisões judiciais que não lhe diziam respeito para tomar posse de áreas e solicitar medidas para coibir essa prática .

À espera de Justiça

O litígio em torno das terras da antiga Fazenda São José continua sem resolução, refletindo um quadro de injustiça, corrupção e abuso de poder que perdura há mais de três décadas. As alegações de fraude, as manobras jurídicas complexas, a interferência de órgãos judiciais e o desaparecimento de documentos são elementos que tornam este caso um símbolo das dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam justiça em disputas fundiárias no Brasil. Os herdeiros do casal Suzano Ribeiro de Souza (†1890) e Maria da Conceição Ribeiro (†1908), até o momento, continuam a lutar pelo reconhecimento de seus direitos, enquanto as partes envolvidas no litígio utilizam todos os recursos disponíveis para assegurar a posse das terras.


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