As emendas da corrupção | Por Luiz Holanda

Ministro do STF Dias Toffoli.
Ministro do STF Dias Toffoli.

Que a corrupção existe nos três poderes da República isso é um fato. O problema está em diminuí-la, já que extingui-la é quase impossível. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, reconhecendo esse fato, disse, recentemente, que é uma “mentira deslavada” que o tribunal queira acabar com a corrupção, pois “O caminho para se enfrentar a corrupção com efetividade é esse que vem sendo trilhado nos últimos anos: amadurecimento institucional, evolução legislativa, harmonia e independência dos Três Poderes da República e das instituições essenciais à Justiça e ao Estado brasileiro”.

O ministro sabe muito bem que os recursos públicos sempre foram o núcleo da guerra política, já que o dinheiro instrumentaliza a disputa pelo poder. Ele próprio passou por algumas situações constrangedoras devido ao dinheiro, com destaque para o pedido feito pela Policia Federal ao STF para abrir um inquérito contra a sua pessoa, cujo objetivo era investigar supostos repasses ilegais para ele. Segundo consta, o ministro teria favorecido dois prefeitos fluminenses em processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme a coluna Painel, da Folha de S. Paulo. A solicitação foi a primeira que a PF fez para uma apuração envolvendo um ministro da Corte, e foi baseada em acordo de colaboração premiada do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, segundo a reportagem.

No caso das emendas parlamentares, tantos são os recursos que podem ser desviados que os demais poderes querem fazer com que a aplicação desse dinheiro seja mais transparente. O ministro Flávio Dino, além de suspender a aplicação desenfreada do dinheiro oriundo das emendas, determinou novas medidas para a sua execução, afirmando que era a melhor forma de garantir transparência e rastreabilidade no repasse dos valores. A polêmica envolvendo o “orçamento secreto” e, mais recentemente, os repasses de verbas públicas através das emendas PIX, não é de agora. Isso demonstra que a relevância da disputa pelo poder no âmbito das finanças públicas é tão significativa que a organização do nosso estado prevê uma partilha de atribuições em matéria orçamentária com base na aplicação imperfeita dos “freios e contrapesos”, uma das características dos Estados Democráticos de Direito. O Poder Executivo elabora as leis orçamentárias, que são submetidas ao Poder Legislativo para apreciação, deliberação e aprovação, cabendo ao Executivo o papel de principal condutor da execução orçamentária, e ao Legislativo a fiscalização. O problema é que o Legislativo se tornou, hoje, o dono do dinheiro. Sua participação na elaboração das leis orçamentárias por meio de emendas ao projeto encaminhado pelo Poder Executivo, e a posterior execução dos recursos nelas contemplados através das emendas, há tempos vêm sendo um problema de difícil solução. As emendas iniciadas a partir da “emenda do orçamento impositivo” (emenda constitucional 85, de 2015), vêm tentando impor maior rigidez no processo orçamentário, mitigando a discricionariedade e tentando reduzir as possibilidades abertas para práticas corruptas, como a utilização do dinheiro como instrumento de cooptação política, mas a admissão das  emendas individuais, coletivas (ou “de bancada”), do relator do projeto de lei, acrescidas de uma interpretação “generosa” para o uso do dinheiro, mantém abertas várias portas para a corrupção. Permite também que os parlamentares se aproveitem dessas vulnerabilidades para operacionalizar gastos sem deixar claro quem se responsabiliza por eles e o que exatamente se faz com os recursos distribuído.

Mesmo com o STF tentando monitorar a aplicação desses recursos, o fato é que na disputa pelo dinheiro público o jogo é bruto. Com a criação da “Emenda PIX”, a coisa piorou. Abriu-se uma grande brecha para a corrupção, pois os recursos dela oriundos são transferidos sem a necessidade de identificação prévia ou formalização de convênios, o que torna o processo vulnerável. Em outras palavras, sem uma estrutura rigorosa de controle, a alocação desses recursos ocorre de maneira muito mais suscetível a desvios e má gestão, aumentando ainda mais os riscos de corrupção, especialmente em municípios que já enfrentam desafios fiscais e de governança. A Emenda PIX conseguiu transformar o que deveria ser um instrumento de desenvolvimento em uma potencial arma para a corrupção. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) contabilizou a transferência de R$ 3,9 bilhões ao longo deste ano, restando ainda R$ 2,9 bilhões a serem transferidos, ou seja, um alto volume de dinheiro que circulará entre as prefeituras sem a devida transparência ou fiscalização. É muito dinheiro para dar sem fiscalizar.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.