A liberdade de imprensa no Brasil | Por Luiz Holanda

A liberdade de imprensa no Brasil enfrenta desafios crescentes, conforme apontam organismos internacionais. Em 2022, o país ocupava a 110ª posição no ranking global, reflexo de um ambiente hostil ao jornalismo. Discursos autoritários e restrições institucionais agravam o cenário, minando a segurança dos profissionais da imprensa. Decisões judiciais recentes reforçam a percepção de censura disfarçada de regulamentação. O cerceamento da atividade jornalística ameaça a democracia e a transparência pública.
Relatórios internacionais alertam para o enfraquecimento da liberdade de imprensa no Brasil. Ataques a jornalistas e decisões judiciais restritivas colocam em xeque o direito fundamental à informação.

De acordo com o relatório produzido pela ONG Repórteres sem Fronteiras, o Brasil, em 2022, estava na 110ª posição no ranking de liberdade de imprensa, considerado como um país onde o exercício de informar sofria (e ainda sofre), sérias restrições. O estudo mostra que, à medida em que os discursos autoritários crescem, o número de países considerados seguros para os repórteres diminui. A pesquisa foi feita por meio de um questionário sobre as violações à liberdade de imprensa em 180 nações. Quanto maior a pontuação, menor a segurança para os jornalistas. Em 2021, quando o Brasil alcançou a 111ª posição, o país foi considerado um lugar onde “a situação da imprensa é considerada difícil” e o trabalho jornalístico desenvolvido em um “ambiente tóxico”.

Essa mesma ONG, em 2024, afirmou que a liberdade de imprensa estava ameaçada pelas mesmas pessoas que deveriam ser seus garantidores: as autoridades públicas. Ora, a liberdade de imprensa num país democrático é fundamental para promover mudanças políticas e sociais, tendo como base as informações de interesse para toda a sociedade, como denúncias em casos de corrupção, os sucessos e falhas das políticas públicas e o monitoramento do trabalho dos grupos políticos que estão no poder. Ultimamente, insultos, estigmatização e orquestração de humilhações públicas de jornalistas se tornaram corriqueiro, alimentando a retórica antimídia. O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados durante uma viagem pelo Vale do Javari, no extremo- oeste do Amazonas, pelas denúncias do uso irregular de recursos naturais e a proteção das populações indígenas.

A liberdade de expressão é um direito fundamental previsto em nossa Constituição, garantindo a livre manifestação do pensamento e a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Em seu artigo 5º, § 1º, inciso IV, está escrito que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A liberdade de expressão também é um direito assegurado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Assim, no momento em que um jornalista é atacado, o direito à liberdade de expressão é restringido justamente por quem promove a censura, ou seja, as autoridades públicas. No caso do Brasil, a imprensa, de um modo geral, aponta o STF como um órgão censurador, principalmente depois da decisão prevendo a responsabilização de veículos de imprensa por entrevistas com supostos indícios de falsidade, abrindo caminho para uma leitura que pode servir de base para restringir a atuação dos veículos de comunicação e dos profissionais da imprensa. Com essa decisão o Supremo legislou, criando, segundo o constitucionalista Lenio Streck, uma “lei geral e abstrata para o futuro”.

O início desse absurdo começou com o inquérito das fake news – também conhecido como o inquérito do fim do mundo-, comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2019, sempre de forma sigilosa. As investigações já miraram empresários, políticos e usuários das redes sociais. Seu objetivo oficial seria apurar fatos sobre notícias fraudulentas e ameaças à Suprema Corte, ministros e familiares veiculadas na internet.

Nossa Carta Magna reservou à imprensa um bloco normativo com o apropriado nome “Da Comunicação Social” (capítulo V do título VIII), a ela destinando o direito de revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. Nossa Carta trata a liberdade de informação jornalística e a liberdade de imprensa como sinônimos, rechaçando qualquer censura prévia a “um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização”.

Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Patrocínio, Murat e Ruy Barbosa, criticando a censura imposta no início da República, indagavam:

“Que República é esta, então, em que não se pode pensar o que se quer e não se pode dizer o que se pensa”.

O que hoje vivemos nos lembra Beaumarchais, em sua obra O Casamento de Figaro, criticando a censura:

“Contanto que eu não fale em meus escritos nem da autoridade, nem do culto, nem da política, nem da pessoa de boa situação, nem dos corpos que têm prestígio, nem da ópera nem dos demais espetáculos, nem de ninguém que esteja ligado a qualquer coisa, posso imprimir tudo livremente, sob a inspeção de dois censores”. Mutatis Mutandis, é o que estamos vivendo.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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