O Ministério Público da Bahia apresentou, em 15 de outubro de 2025, o Parecer nº 93575649, assinado pela Procuradora de Justiça Márcia Regina dos Santos Virgens, recomendando o improvimento do Agravo de Instrumento nº 8045863-85.2024.8.05.0000. O documento sustenta a manutenção da decisão que rejeitou a homologação de um novo acordo na disputa fundiária entre José Valter Dias, Ildeni Gonçalves Dias e a Sociedade Agropecuária Vale do Rio Claro Ltda., em litígio ligado ao conflito histórico sobre as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto.
O parecer ministerial entregue à Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) concluiu pelo conhecimento e improvimento do agravo interposto por José Valter Dias e Ildeni Gonçalves Dias, reafirmando a decisão da 1ª Vara de Formosa do Rio Preto que não homologou o acordo firmado em 2024. Segundo o Ministério Público, o pacto apresenta risco a terceiros de boa-fé, promove inovação processual ilícita e viola princípios estruturantes de segurança jurídica, em um contexto que envolve o extenso conflito fundiário da antiga Fazenda São José, área central da Operação Faroeste.
Os agravantes buscavam modificar a decisão que rejeitou a homologação do acordo e aplicou multas por litigância de má-fé. Alegavam inexistência de irregularidade na autocomposição, ausência de ampliação indevida da área litigiosa e violação ao contraditório.
O parecer ministerial discordou dessa interpretação. A Procuradora Márcia Regina enfatizou que o novo acordo extrapola os limites da lide, tenta reintroduzir discussão já definida em acordo homologado em 2012 e ameaça direitos de adquirentes que compraram áreas posteriormente, confiando na estabilidade jurídica do pacto anterior.
Conflito fundiário da antiga Fazenda São José e Operação Faroeste
A ação que deu origem ao Agravo de Instrumento nº 8045863-85.2024.8.05.0000 está inserida no conflito fundiário da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, no extremo Oeste da Bahia. Trata-se de uma propriedade rural com cerca de 360 mil hectares, área de elevado valor econômico e estratégico para o agronegócio, ocupada há décadas por centenas de produtores.
Essa disputa está no centro dos episódios que motivaram a Operação Faroeste, deflagrada para investigar suspeitas de grilagem de terras, fraude em matrículas imobiliárias e esquema de venda de decisões judiciais, envolvendo agentes privados e membros do Poder Judiciário baiano. As apurações trataram, entre outros pontos, da edição de atos administrativos e decisões judiciais que teriam favorecido a concentração fundiária em mãos de poucos beneficiários, em prejuízo de agricultores e ocupantes de boa-fé.
Segundo reportagens especializadas, a antiga Fazenda São José tornou-se um símbolo do conflito fundiário no Oeste baiano, articulando disputas entre grupos econômicos, herdeiros de antigos proprietários, produtores rurais, investidores e empresas do agronegócio. O litígio se estende por mais de quatro décadas, com sucessivos questionamentos sobre a cadeia dominial das terras, a regularidade de registros cartoriais e a própria atuação institucional de segmentos do Tribunal de Justiça da Bahia.
Nesse contexto, o parecer do Ministério Público ao Agravo de Instrumento analisado pela Primeira Câmara Cível não se limita a um desacordo pontual entre particulares, mas incide sobre um nó jurídico central do Caso Faroeste, no qual decisões sobre homologação de acordos podem produzir efeitos em larga escala sobre milhares de hectares já ocupados, titulados ou objeto de contratos com terceiros.
Partes litigantes no processo e grupos em disputa
No âmbito específico do Agravo de Instrumento nº 8045863-85.2024.8.05.0000, os agravantes são José Valter Dias e Ildeni (Ildeni) Gonçalves Dias, enquanto figura como agravado principal a Sociedade Agropecuária Vale do Rio Claro Ltda.. Também constam como agravados pessoas físicas ligadas ao chamado Grupo Econômico dos Okamoto, entre elas Alberto Yutaro Okamoto, Julio Kenzo Okamoto, Amélia Toyoko Okamoto e Vicente Masahiro Okamoto, além de empresas como a Algodoeira Goioerê Indústria e Comércio Ltda.
Reportagens do Jornal Grande Bahia situam essa disputa dentro de um quadro mais amplo. A ação de reintegração de posse original, de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, que tramita no Poder Judiciário baiano, tem como protagonistas José Valter Dias (autor original), o Grupo Econômico dos Okamoto, o Grupo Bom Jesus Agropecuária e outros litigantes, figurando ainda como terceiros interessados, entre outros, o advogado Domingos Bispo, cessionário de direitos hereditários.
Nessa perspectiva, o processo examinado pela Primeira Câmara Cível funciona como desdobramento de uma macrodisputa, na qual se cruzam interesses de grandes grupos empresariais do agronegócio, investidores, adquirentes de boa-fé, herdeiros de antigos proprietários e atores investigados no âmbito da Operação Faroeste. A definição judicial sobre a validade de acordos e a extensão da área litigiosa impacta diretamente essa constelação de partes.
Risco a terceiros e impossibilidade de transação sobre direitos alheios
O documento ministerial destaca que cláusulas do acordo reconhecem a existência de alienações anteriores da área litigiosa, o que impede a livre disposição sobre imóveis já transferidos a terceiros. O parecer lembra que o art. 166 do Código Civil considera nula a transação sobre direitos alheios e reforça que ajustes que afetem terceiros de boa-fé não podem ser homologados, ainda que celebrados entre partes originais do processo.
A Procuradora alerta que, após o acordo de 2012, aqueles que adquiriram porções da área passaram a compor o conjunto de sujeitos legitimados, não podendo ser tratados como meros assistentes litisconsorciais, mas como parte diretamente afetada por qualquer modificação substancial da lide.
Ausência de perícia e necessidade de georreferenciamento
O parecer registra que o processo tramita desde 1990 sem perícia técnica que estabeleça os limites reais do território disputado. Há, inclusive, indicação de que a área em debate ultrapassa, em extensão, a região metropolitana de Salvador, o que torna ainda mais sensível qualquer tentativa de redefinição territorial por meio de acordo.
Diante disso, o Ministério Público considera inviável formalizar acordos que ampliem ou redefinam espaços sem a realização de perícia com georreferenciamento oficial. A falta de precisão documental alimenta potenciais conflitos fundiários e impede a proteção efetiva de agricultores, ocupantes e adquirentes que atuam na região com base em registros públicos presumidos como válidos.
Segurança jurídica, coisa julgada e estabilidade do processo
A Procuradora reforça que homologar um acordo que altera a extensão da área litigiosa — sem perícia, sem delimitação técnica e com terceiros reivindicando posse ou domínio — viola o art. 506 do Código de Processo Civil, que veda efeitos prejudiciais da decisão a quem não figurou no processo.
O parecer destaca que a decisão de primeira instância foi correta ao identificar tentativa de inovação processual, contrariando a coisa julgada formada em 2012. A ampliação da área litigiosa sem elementos técnicos sólidos geraria insegurança jurídica e prejudicaria a estabilização do conflito, em um cenário já marcado por suspeitas de grilagem, fraudes cartoriais e decisões sob investigação na Operação Faroeste.
Sanções processuais e efeito suspensivo
A magistrada de primeiro grau aplicou multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça, incluindo penalidade calculada em 10% sobre o valor da suposta inovação processual, ultrapassando R$ 5 bilhões. Posteriormente, decisão monocrática suspendeu a exigibilidade dessas multas, sem afastar sua validade.
O parecer de 15 de outubro de 2025 considera as penalidades compatíveis com a conduta descrita nos autos, especialmente diante da tentativa de ampliar o objeto da lide mediante acordo que afetaria direitos alheios.
Lacunas estruturais
O documento evidencia lacunas estruturais no tratamento de litígios fundiários de larga escala na Bahia: falta de perícia, dificuldade de delimitar áreas geográficas, alienações sucessivas e ausência de governança documental robusta. A antiga Fazenda São José converteu-se em exemplo paradigmático de como a combinação entre grilagem, fragilidade registral e decisões judiciais contestadas pode corroer a confiança social no sistema de Justiça.
O parecer do Ministério Público, ao defender a manutenção da decisão que rejeitou o acordo, reforça a centralidade da segurança jurídica, da proteção de terceiros de boa-fé e da observância estrita dos limites da coisa julgada. Em um cenário marcado pela Operação Faroeste e por denúncias de corrupção judicial, qualquer flexibilização dos requisitos técnicos e legais para homologação de acordos territoriais de grande escala significaria aprofundar a instabilidade, e não resolvê-la.
Principais Dados do Parecer do MPBA
1. Dados Processuais
Processo: Agravo de Instrumento nº 8045863-85.2024.8.05.0000
Origem: Ação de Reintegração de Posse – Processo nº 0000157-61.1990.8.05.0081
Comarca: Formosa do Rio Preto (BA)
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível do TJBA
Relatora: Desª. Sílvia Carneiro Santos Zarif
Parecer: Procuradora de Justiça Márcia Regina dos Santos Virgens
Data do parecer: 15/10/2025
2. Partes
O processo envolve como agravantes José Valter Dias e Ildeni Gonçalves Dias, em face da agravada principal, Sociedade Agropecuária Vale do Rio Claro Ltda., além dos agravados adicionais Alberto Yutaro Okamoto, Júlio Kenzo Okamoto, Amélia Toyoko Okamoto e Vicente Mashahiro Okamoto, todos citados no contexto da disputa fundiária. O parecer também registra a atuação de advogados de relevo no caso, entre eles Antonio Lucas Lima Macedo, Iran Furtado de Souza Filho, Fredie Souza Didier Junior, Antonio Augusto Nascimento Batista, Albert Iomar de Vasconcelos e Maria Cardoso Nogueira, refletindo a complexidade jurídica e a representatividade técnica das partes litigantes.
3. Objeto do Agravo
Os agravantes pedem:
- Homologação de novo acordo firmado entre as partes.
- Afastamento das multas por:
- Litigância de má-fé (2%).
- Ato atentatório à dignidade da Justiça (10% sobre R$ 5.049.132.000,00).
- Anulação da decisão que rejeitou o acordo.
- Reconhecimento de que não houve ampliação indevida da área litigiosa.
4. Decisão de 1º Grau (atacada no agravo)
A magistrada da 1ª Vara decidiu:
- Rejeitar a homologação do acordo, por entender que houve
- ampliação do objeto da demanda;
- tentativa de induzir o juízo a erro;
- transação sobre direitos de terceiros.
- Aplicar sanções processuais:
- 2% por litigância de má-fé;
- 10% sobre R$ 5.049.132.000,00 por ato atentatório à dignidade da Justiça.
- Determinar:
- Anulação de mandados de reintegração de 2017;
- Reintegração de possuidores retirados;
- Proibição de sobreposição de áreas;
- Indicação de perícia futura para delimitação.
- Registrar falta de delimitação técnica:
- Ausência de perícia em mais de 30 anos;
- Incidência de áreas superiores à Região Metropolitana de Salvador;
- Anulação da matrícula nº 1037 e subdivisões.
5. Fundamentos do Ministério Público
O MP conclui que o agravo não deve ser provido com base em:
5.1. Transação sobre direito alheio
- Acordo tenta redistribuir terras já alienadas a terceiros.
- Vedação expressa do art. 166 do Código Civil.
5.2. Risco a terceiros de boa-fé
- Diversos adquirentes reclamam direitos sobre áreas do litígio.
- O acordo reconhece negócios anteriores e mesmo assim tenta redistribuir terras.
5.3. Coisa julgada do acordo de 2012
- Encerramento formal da lide em 2012.
- Quem comprou após 2012 é parte legítima, não mero assistente.
5.4. Falta de perícia e georreferenciamento
- Impossível reconhecer limites reais sem prova técnica.
- Delimitação nunca foi feita em 35 anos de processo.
5.5. Segurança jurídica
- Homologar acordo sem perícia geraria caos dominial.
- Poderia criar múltiplos litígios reflexos.
5.6. Sanções processuais
- O MP considera justificadas as multas.
- A exigibilidade está suspensa por decisão do TJBA, mas não afastada.
6. Eventos e documentos relevantes citados
- Acordo de 2012, homologado e com força de coisa julgada.
- Petições de terceiros adquirentes (vários IDs).
- Matrícula nº 1037 e subdivisões anuladas.
- Decisão monocrática no agravo suspendendo a exigibilidade das multas.
- Pedidos de perícia e georreferenciamento.
7. Conclusão do MP
O Ministério Público recomenda:
- Conhecimento do agravo (admissível).
- Improvimento do agravo (mérito).
- Manutenção integral da decisão de 1º grau.
- Manutenção da rejeição do acordo e das sanções processuais.
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