A COP30 foi encerrada neste sábado (22/11/2025) em Belém com a aprovação, por consenso de 195 países, do chamado Pacote de Belém, um conjunto de 29 decisões que redesenha parte da governança climática global. O acordo inclui metas para triplicar o financiamento da adaptação até 2035, consolidar um mecanismo de transição justa e instituir novos instrumentos de cooperação, como a Missão Belém 1,5 °C e o Acelerador Global de Implementação.
Apesar dos avanços em financiamento climático, gênero, oceanos e participação social, o texto final não menciona de forma explícita a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, tema que esteve no centro dos debates e gerou frustração de ativistas, pesquisadores e governos que defendiam um mapa do caminho para o abandono de petróleo, carvão e gás.
Ao mesmo tempo, a conferência em Belém foi marcada por forte mobilização social, protestos de povos indígenas, presença recorde de delegações tradicionais, lançamento de novos mecanismos financeiros – como o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre e a plataforma Empreender Clima – e pela divulgação do relatório GEO Brasil 2025, que detalha os principais desafios ambientais do país.
Pacote de Belém redefine prioridades: adaptação, transição justa e financiamento
O Pacote de Belém consolida um eixo central da COP30: colocar pessoas e territórios vulneráveis no centro da agenda. As Partes aprovaram uma decisão que triplica o financiamento da adaptação até 2035, com ênfase na responsabilidade dos países desenvolvidos em ampliar recursos destinados a nações em desenvolvimento.
Foi concluído o Roteiro de Adaptação de Baku, que estabelece o trabalho para o período 2026–2028, até o próximo balanço global do Acordo de Paris. O documento organiza a agenda de adaptação em ciclos, conectando políticas nacionais, indicadores de monitoramento e financiamento internacional.
A conferência também definiu um conjunto de 59 indicadores voluntários da Meta Global de Adaptação, abrangendo setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência, com temas transversais de finanças, tecnologia e capacitação. O objetivo é tornar mensuráveis os compromissos assumidos e facilitar a cobrança da sociedade civil.
O mecanismo de transição justa, outro eixo do Pacote, foi estruturado para “colocar as pessoas e a equidade no centro” da luta contra a mudança do clima. A iniciativa pretende ampliar cooperação internacional, assistência técnica, capacitação e troca de conhecimento entre países, com foco em trabalhadores, comunidades vulneráveis, povos indígenas, migrantes, afrodescendentes e populações rurais.
No campo social, a COP30 aprovou um Plano de Ação de Gênero reforçado, com apoio ampliado ao ponto focal nacional de gênero e mudanças climáticas, aumento de orçamento sensível a gênero e promoção da liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais.
Outro destaque foi a aprovação da Decisão Mutirão, que reafirma a ambição coletiva de transformar negociações em implementação efetiva, celebrando os dez anos do Acordo de Paris e conectando o “espírito de mutirão” – conceito de origem indígena brasileira – à ideia de mobilização global continuada.
Implementação em foco: novos instrumentos financeiros e iniciativas setoriais
Sob a narrativa de que a COP30 seria a “COP da implementação”, o governo brasileiro e parceiros internacionais apresentaram uma série de iniciativas voltadas a transformar compromissos em projetos concretos. Entre elas, destaca-se o lançamento da iniciativa FINI (Fostering Investible National Implementation).
A FINI foi anunciada como mecanismo para tornar Planos Nacionais de Adaptação mais atraentes ao mercado financeiro, reunindo países, bancos de desenvolvimento, seguradoras e investidores privados. A meta é destravar até US$ 1 trilhão em projetos de adaptação em três anos, com pelo menos 20% de participação do setor privado, a partir de soluções de blended finance (combinação de recursos públicos e privados).
Na área de saúde, o Plano de Ação de Saúde de Belém foi endossado por mais de 30 países e cerca de 50 organizações, com apoio de US$ 300 milhões do Climate and Health Funders Coalition. O plano busca fortalecer sistemas de saúde resilientes ao clima, especialmente no Sul Global, com foco em vigilância, prevenção de doenças e adaptação de hospitais e unidades de atendimento.
Outro anúncio de peso foi o Acelerador RAIZ, iniciativa voltada à restauração de terras agrícolas degradadas e proteção de florestas. Inspirado em programas brasileiros como Caminho Verde e EcoInvest, o RAIZ pretende ajudar países a mapear áreas prioritárias, estruturar projetos financiáveis e mobilizar capital privado para recuperação de milhões de hectares, com impacto direto sobre emissões e conservação.
A agenda oceânica também ganhou relevo. Dezessete países aderiram ao Desafio Azul NDC (Blue NDC Challenge), comprometendo-se a incorporar soluções oceano-clima em seus planos nacionais. Os Cinco Avanços Oceânicos (Ocean Breakthroughs) apresentaram um plano conjunto para alinhar conservação marinha, energias renováveis oceânicas, alimentos aquáticos, transporte marítimo e turismo às metas climáticas, com a One Ocean Partnership projetando a mobilização de US$ 20 bilhões até 2030 e a geração de 20 milhões de empregos “azuis”.
A presidência brasileira da COP30, nas palavras do embaixador André Corrêa do Lago, reforçou que o país continuará à frente da conferência até novembro de 2026, com a missão de fortalecer o multilateralismo, aproximar a agenda climática da vida cotidiana e acelerar a implementação do Acordo de Paris.
Fundo Florestas Tropicais Para Sempre e protagonismo da Amazônia
Um dos anúncios mais emblemáticos em Belém foi o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), lançado pelo Brasil como um mecanismo inovador de pagamento por resultados a países que conservam florestas tropicais.
Na primeira fase, o TFFF já teria mobilizado mais de US$ 6,7 bilhões, com o endosso de 63 países. A lógica é transformar a floresta em pé em ativo econômico: nações que preservam florestas tropicais recebem recursos contínuos a partir de um fundo de investimento global, enquanto investidores recuperam o capital com retorno compatível com taxas de mercado, ligado a metas de conservação verificadas.
Na prática, o fundo propõe uma nova economia da conservação, em que a manutenção da cobertura florestal gera desenvolvimento social e econômico, ao mesmo tempo em que reduz emissões de carbono e amplia a resiliência climática de comunidades locais.
A participação social na COP30 reforçou esse eixo amazônico. Mais de 900 representantes de povos indígenas circularam pela Zona Azul, ao lado de ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e movimentos sociais. A Marcha Climática de Belém e a Marcha Global dos Povos Indígenas reuniram dezenas de milhares de pessoas, reivindicando demarcação de terras, combate ao racismo ambiental e rejeição a grandes projetos de infraestrutura vistos como ameaças territoriais, como hidrovias e ferrovias na Amazônia.
A Cúpula dos Povos, realizada em paralelo à COP30, reuniu cerca de 20 mil participantes de 1,3 mil movimentos e organizações, com atos simbólicos como o “Funeral dos Combustíveis Fósseis” e a utilização da figura mítica da Boiuna como símbolo das lutas amazônicas. Sua Declaração Final denunciou o que chama de “falsas soluções” climáticas e apontou o modo de produção capitalista e o racismo ambiental como motores da crise.
Na AldeiaCOP, que abrigou cerca de 3 mil indígenas, foram realizados rituais, debates, feira de bioeconomia e mobilizações contra a violência em territórios tradicionais, incluindo protestos pelo assassinato do indígena Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá, ocorrido no Mato Grosso do Sul.
Segurança e crise pontual: incêndio na Zona Azul e fiscalização da PF
A logística da COP30 também foi posta à prova por um incêndio na Zona Azul, área oficial de negociações, na tarde de 20/11/2025. As chamas começaram no Pavilhão dos Países, próximo ao estande da China, atingindo o material de revestimento dos estandes e provocando correria e gritos de “fire” pelos corredores.
Segundo o Corpo de Bombeiros do Pará, o fogo foi controlado em seis minutos, com uso de 244 extintores, mangueiras e uma equipe de 56 agentes. Não houve registro de vítimas com queimaduras, mas ao menos 27 pessoas receberam atendimento por inalação de fumaça ou crises de ansiedade, sendo a maioria liberada após acompanhamento médico.
Como medida de segurança, a Zona Azul foi temporariamente fechada, passando por vistoria de bombeiros e autoridades, e retomou as atividades na mesma noite, após autorização da UNFCCC e do governo brasileiro.
A Polícia Federal reforçou o controle da segurança privada durante o evento. Fiscalizações em áreas oficiais e espaços temáticos – como Zona Azul, Zona Verde, Agrizone, Enzone, Freezone, Estação das Docas, Casa BNDES e Aldeia da COP – identificaram mais de 700 profissionais de segurança e resultaram no fechamento de duas empresas clandestinas de vigilância patrimonial.
De acordo com a PF, foram identificados casos de profissionais de apoio atuando como vigilantes, sem cumprir os requisitos do Estatuto da Segurança Privada e sem comunicação prévia obrigatória à própria Polícia Federal. Foram lavrados autos de infração, apreendidos equipamentos como detectores de metais e rádios de comunicação, e expedidas orientações de adequação às normas.
As autoridades ressaltaram que o acompanhamento contínuo durante a COP30 elevou o padrão de segurança dos espaços fiscalizados e contribuiu para a proteção de delegações, autoridades e visitantes, mesmo diante do episódio de incêndio e do grande fluxo de público.
Lula na abertura: emergência climática, multilateralismo e “COP da verdade”
Na sessão de abertura, em 10/11/2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu a COP30 como a “COP da verdade” e vinculou a emergência climática à crise de desigualdade global. Para Lula, o aquecimento do planeta aprofunda a lógica que seleciona “quem é digno de viver e quem deve morrer”, ao atingir com mais força as populações vulneráveis.
O presidente citou eventos extremos recentes – como o furacão Melissa, no Caribe, e o tornado no Paraná, com ventos superiores a 300 km/h – como evidências de que “a mudança do clima já não é ameaça do futuro, mas tragédia do presente”. Em seu discurso, defendeu que a humanidade caminha na direção correta, mas em “velocidade errada”, ainda rumo a um aquecimento superior a 1,5 °C.
Lula também apresentou o Chamado de Belém pelo Clima, documento que reorganiza a agenda em três eixos: cumprimento das NDCs, fortalecimento da governança climática global – incluindo a proposta de um Conselho do Clima ligado à Assembleia-Geral da ONU – e centralidade das pessoas na agenda, com atenção a mulheres, afrodescendentes, migrantes, povos indígenas e grupos marginalizados.
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, destacou o valor do multilateralismo climático em um contexto de conflitos e crises internacionais, e recuperou o conceito de “mutirão” como metáfora da cooperação global. Segundo ele, o mutirão se tornaria um “método contínuo de mobilização” antes, durante e depois da COP30.
O secretário-executivo da UNFCCC, Simon Stiell, lembrou que, dez anos após o Acordo de Paris, o mundo já observa queda na curva de emissões em relação ao cenário tendencial, mas alertou que isso é insuficiente diante da urgência climática. Stiell enfatizou que “lamentar não é estratégia” e insistiu na necessidade de soluções concretas, tanto em mitigação quanto em adaptação.
Lula aproveitou a abertura para associar a COP30 à Amazônia real, ressaltando que o bioma é lar de quase 50 milhões de pessoas, incluindo cerca de 400 povos indígenas, e que a conferência deixará legado de infraestrutura urbana em Belém, além de um entendimento mais profundo sobre a complexidade da região.
Empreender Clima, GEO Brasil 2025 e Marco de Sistemas Alimentares
Paralelamente às negociações, o governo brasileiro utilizou a COP30 como vitrine para novas políticas públicas. Uma delas é o Empreender Clima, plataforma digital que oferece crédito verde com juros reduzidos para micro e pequenos empreendedores.
A ferramenta, lançada pelo Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Memp), promete taxas a partir de 4,4% ao ano e financiamento de até 100% de projetos sustentáveis, com acesso simplificado a um pré-enquadramento no Fundo Clima. A proposta é democratizar o crédito climático, tradicionalmente concentrado em grandes empresas, oferecendo capacitação, cursos e mapeamento de oportunidades em setores como energia, agricultura, logística, construção civil e gestão de resíduos.
Segundo o ministro Márcio França, o objetivo é colocar o pequeno empreendedor no centro da transição ecológica, combinando crédito barato, tecnologia e formação para alavancar projetos em todo o país.
Outro marco foi o lançamento do relatório GEO Brasil 2025: Estado e Perspectivas do Meio Ambiente, produzido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) com apoio do PNUMA, coordenação da FGV Earth e colaboração do IPEA. O documento mostra que, entre 2001 e 2022, os gastos federais com meio ambiente representaram apenas 0,26% do orçamento, e que cerca de 30% dos municípios ainda não dispõem de infraestrutura básica de gestão ambiental.
O relatório aponta, entre outros dados, o aumento de 3 °C a 4 °C nas temperaturas médias de biomas como Pantanal e Cerrado, a ocorrência de cerca de 51 mil mortes anuais por poluição do ar e o fato de que apenas 52,2% do esgoto é tratado no país – índice que cai para menos de 20% na Região Norte. Também registra a expansão da agropecuária sobre ecossistemas nativos, de 187,3 para 282,5 milhões de hectares entre 1985 e 2022, acompanhada de aumento de 108% na comercialização de agrotóxicos.
Ancorado na metodologia DPSIR (Forças Motrizes, Pressões, Estado, Impactos e Respostas), o GEO Brasil 2025 funciona como um diagnóstico para políticas internas e negociações internacionais, reforçando o argumento de que a mudança do clima já afeta diretamente a segurança hídrica, a qualidade do ar, o saneamento e a saúde pública.
No campo da segurança alimentar, o governo lançou o Marco de Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O documento busca integrar políticas de combate à fome, redução da pobreza e resposta à emergência climática, defendendo uma transição para sistemas alimentares sustentáveis, agroecologia e valorização da sociobiodiversidade.
Entre os princípios, o Marco enfatiza o Direito Humano à Alimentação Adequada, a justiça climática, a soberania alimentar e a necessidade de fortalecer agricultura familiar, economia solidária e cadeias da sociobiodiversidade, além de políticas de segurança hídrica e redução de perdas e desperdícios de alimentos.
A secretária nacional de Segurança Alimentar, Lilian Rahal, destacou que o documento é um “convite à ação”, alinhado à retomada de programas como Cisternas, Alimenta Cidades e estratégias de agricultura urbana, num contexto em que o Brasil saiu recentemente do Mapa da Fome, mas enfrenta novos desafios impostos pela crise climática.
Reconhecimento inédito a afrodescendentes e avanço na agenda de justiça climática
Uma marca histórica da COP30 foi a inclusão, pela primeira vez, de menções explícitas a afrodescendentes em quatro documentos oficiais: Transição Justa, Plano de Ação de Gênero, Objetivo Global de Adaptação e Mutirão.
Esses textos reconhecem que pessoas de ascendência africana estão entre as mais afetadas pelos impactos da crise climática, ao lado de povos indígenas, comunidades locais, migrantes e grupos historicamente vulnerabilizados. Também sublinham a importância de considerar direitos humanos, equidade intergeracional, questões de gênero e justiça social no desenho de políticas de adaptação e mitigação.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, celebrou o avanço como um reconhecimento formal de que populações afrodescendentes são desproporcionalmente impactadas, mas ponderou que ainda faltam ações concretas e recursos específicos para esses grupos no desenho de políticas climáticas nacionais e internacionais.
Organizações da sociedade civil, como o Geledés – Instituto da Mulher Negra, consideraram a inclusão um “avanço” na política climática global, por abrir caminho para políticas de adaptação que priorizem territórios marcados por desigualdades estruturais, violência ambiental e racismo. Para essas entidades, o reconhecimento não é apenas simbólico, mas fundamento para futuras cobranças de financiamento direcionado e capacidades institucionais.
O texto do Mutirão enfatiza o “importante papel” desses grupos não estatais – povos indígenas, comunidades locais, afrodescendentes, mulheres, jovens e crianças – na construção de progresso coletivo rumo às metas de longo prazo do Acordo de Paris, reforçando a ideia de que a implementação dependerá tanto de governos quanto da ação de sociedade civil e territórios.
A inclusão de afrodescendentes em Belém é vista como desdobramento de debates anteriores em conferências de biodiversidade, como a COP16 em Cali, que ampliaram a participação de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na agenda de conservação.
Controvérsia central: combustíveis fósseis, ambição climática e críticas internacionais
Apesar dos avanços institucionais e sociais, o ponto mais sensível da COP30 foi a ausência de menção direta aos combustíveis fósseis no texto principal do Pacote de Belém. O tema, presente em rascunhos anteriores, acabou deslocado para um texto paralelo proposto pelo Brasil, sem status equivalente às decisões formais.
A União Europeia pressionava por uma formulação clara sobre abandono de combustíveis fósseis, em linha com o que havia sido registrado na COP28, em Dubai. Países exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e outros integrantes do Grupo Árabe, resistiram a qualquer linguagem que sugerisse cronograma de eliminação de petróleo, gás e carvão.
A solução negociada nas madrugadas finais manteve apenas referências indiretas à necessidade de “alinhar” o sistema energético às metas climáticas, deixando de fora o “mapa do caminho” defendido por mais de 80 países e apoiado por setores da sociedade civil, inclusive com a sugestão da Colômbia de realizar uma COP paralela dedicada ao fim dos fósseis.
Análises de organizações brasileiras e internacionais apontaram um descompasso entre a retórica de liderança climática e os resultados efetivos sobre a transição energética. Especialistas como Ciro Brito, do Instituto Socioambiental (ISA), destacaram que, embora haja avanços em adaptação e transição justa, a ausência de um plano robusto para abandonar combustíveis fósseis mantém o mundo em rota de aquecimento acima de 1,5 °C.
A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, avaliou que o Mutirão e os novos instrumentos oferecem passos relevantes, mas “ficam aquém” da crise real, ao não corrigir a falta de alinhamento das NDCs com a trajetória de 1,5 °C. A crítica central é que há reconhecimento do problema, mas não o “salto político” exigido pela ciência, com lacunas em ambição de mitigação.
Na imprensa internacional, jornais franceses como Libération e Le Figaro ressaltaram a distância entre o objetivo de “salvar o multilateralismo climático” e a escassez de avanços concretos em financiamento e transição energética, apontando decepção com o resultado e classificando como ambígua a posição do Brasil: um país que se apresentava como defensor do fim dos combustíveis fósseis, mas que recuou diante da pressão de países petroleiros e do contexto geopolítico marcado por tensões comerciais e ausências estratégicas de grandes emissores.
Entre o avanço institucional e o déficit de ambição
1. Consolidação institucional x lentidão política
A COP30, em Belém, consolidou avanços relevantes no arcabouço institucional da governança climática: novas métricas de adaptação, reforço da transição justa, reconhecimento formal de afrodescendentes, ampliação do enfoque de gênero e aproximação da agenda climática com a saúde, os oceanos e os sistemas alimentares. Esses dispositivos tendem a produzir efeitos cumulativos, ao orientar políticas públicas, financiamento e cobrança social na próxima década.
Por outro lado, o eixo da mitigação – especialmente no que diz respeito à eliminação de combustíveis fósseis – permaneceu aquém do que a ciência, movimentos sociais e parte dos governos consideram indispensável. O contraste entre a retórica da “COP da verdade” e a ausência de um cronograma vinculante para fósseis expõe o limite político de um multilateralismo que busca preservar consensos mínimos, mesmo diante de uma emergência que exige decisões mais duras.
Do ponto de vista da opinião pública, isso tende a reforçar a percepção de que a arquitetura climática global avança em sofisticação técnica e social, mas patina justamente no ponto que mais define o futuro do clima: a velocidade da descarbonização da economia.
2. Justiça climática, Amazônia e liderança brasileira em disputa
Belém projetou a Amazônia e seus povos como centro simbólico da COP30, com forte presença de povos indígenas, mobilização massiva na Marcha pelo Clima e iniciativas como a Cúpula dos Povos e a AldeiaCOP. O reconhecimento de territórios indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes como atores fundamentais da agenda climática representa um avanço na linguagem e na legitimidade do regime.
Ao mesmo tempo, a liderança brasileira permanece em disputa. O país se apresenta como defensor da justiça climática, impulsiona instrumentos inovadores como o TFFF, o Empreender Clima e o Marco de Sistemas Alimentares, e recupera credibilidade em relação ao período de desmonte ambiental. Porém, sofre críticas quando a postura diplomática é percebida como condescendente com interesses de países petroleiros ou ambígua em relação à continuidade da expansão de petróleo e gás em seu próprio território.
Essa tensão entre liderança climática e pragmatismo geopolítico será medida, nos próximos anos, pela coerência entre a retórica de Belém e as decisões concretas sobre licenciamento de combustíveis fósseis, desmatamento zero, financiamento climático doméstico e implementação das políticas lançadas à sombra dos holofotes da COP30.
Principais Conclusões da COP30 em Belém
1. Financiamento climático e adaptação
- Triplicação do financiamento para adaptação até 2035: os países aprovaram o compromisso de triplicar os recursos para adaptação às mudanças climáticas, com forte cobrança para que países desenvolvidos ampliem o apoio às nações em desenvolvimento.
- Meta de mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão/ano em ação climática até 2035, combinando fontes públicas e privadas, aparece no contexto da decisão Mutirão.
- Conjunto de 59 indicadores voluntários foi adotado sob a Meta Global de Adaptação, para monitorar avanços em setores como água, alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência.
2. Mitigação e combustíveis fósseis
- Não houve acordo sobre um roteiro vinculante para eliminar combustíveis fósseis: o texto final não traz menção explícita a “phase-out” de petróleo, carvão e gás, apesar da pressão de europeus, Colômbia e sociedade civil.
- Em vez de metas claras, a COP30 aprovou um acordo genérico para “acelerar a ação climática” e “reduzir o uso de combustíveis fósseis”, mas sem calendário, obrigações ou limites quantitativos.
- Um grupo de cerca de 90 países apoiou, fora do texto oficial, uma iniciativa paralela para a transição energética, reforçando o fosso entre ambição política de alguns e o consenso mínimo multilateral.
3. Transição justa e proteção social
- Criação do Mecanismo de Belém para a Transição Global Justa (também chamado de BAM por parte da sociedade civil), voltado a garantir que a transição energética ocorra com justiça social, proteção a trabalhadores, territórios vulneráveis e setores dependentes de fósseis.
- O mecanismo será detalhado até a COP31, com ênfase na necessidade de forte financiamento público para que países em desenvolvimento consigam implementar transições sem aprofundar desigualdades.
4. Florestas, biodiversidade e oceanos
- Lançamento e fortalecimento do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), mecanismo de pagamento de longo prazo por resultados de conservação em florestas tropicais. A primeira fase anunciou mais de US$ 5,5 bilhões (em alguns momentos já se fala em montante superior) com apoio de dezenas de países.
- O TFFF cria um modelo em que floresta em pé gera fluxo financeiro: países que preservam recebem, investidores têm retorno atrelado a metas de conservação verificadas.
- Na agenda oceânica, a COP30 reforçou o Desafio Azul NDC (Blue NDC Challenge) e os Ocean Breakthroughs, com meta de mobilizar cerca de US$ 20 bilhões até 2030 e gerar milhões de “empregos azuis” em conservação marinha, energias renováveis oceânicas e cadeias produtivas ligadas ao mar.
5. Justiça climática, gênero e participação social
- Pela primeira vez, documentos oficiais da COP trazem menções explícitas a afrodescendentes, ao lado de povos indígenas, comunidades locais, migrantes, mulheres, jovens e pessoas com deficiência, reconhecendo que estes grupos estão entre os mais afetados pela crise climática e são atores centrais da adaptação.
- Fortalecimento do Plano de Ação de Gênero, com aumento de orçamento, apoio a pontos focais nacionais de gênero e promoção da liderança de mulheres indígenas, afrodescendentes e rurais na ação climática.
- A COP30 registrou participação social recorde de povos indígenas e movimentos, com grandes marchas, a Cúpula dos Povos e a AldeiaCOP, consolidando a narrativa de que não há solução climática sem territórios e comunidades na mesa de decisão.
6. Governança climática e novos instrumentos
- Aprovação do Pacote de Belém, com 29 decisões cobrindo transição justa, financiamento da adaptação, comércio, gênero, tecnologia e implementação, demonstrando a opção por uma agenda mais conectada à vida cotidiana das pessoas.
- Adoção da Decisão Mutirão como eixo político da presidência brasileira: um chamado a um “mutirão global” que marca a passagem formal de uma fase centrada em negociação para outra voltada à implementação de decisões anteriores.
- Criação ou consolidação de dois instrumentos centrais:
- Acelerador Global de Implementação, voltado a apoiar países na implementação de NDCs e planos de adaptação, com caráter colaborativo e voluntário;
- Missão Belém para 1,5 °C, plataforma orientada para a ação que deverá produzir relatórios e recomendações para manter viva a trajetória de 1,5 °C, ainda que com forte crítica de especialistas por ser, por ora, mais um espaço de preparação do que de decisão.
7. Papel do Brasil, Amazônia e legado da COP30
- A COP30 consolidou a imagem da Amazônia como eixo simbólico do regime climático, apresentando o bioma não apenas como “pulmão do mundo”, mas como território habitado por quase 50 milhões de pessoas, com conflitos, desigualdades e demandas próprias.
- O Brasil saiu com um duplo papel: de um lado, liderança em justiça climática, florestas e financiamento de adaptação; de outro, alvo de críticas pela ambiguidade em relação aos combustíveis fósseis e pela acomodação diante da resistência de grandes produtores de petróleo, o que deixou o acordo final abaixo da ambição recomendada pela ciência.
- Em termos de legado, Belém deixa:
- um aparato institucional mais robusto (mecanismos, indicadores, fundos, marcos setoriais);
- maior integração entre clima, saúde, sistemas alimentares, florestas e oceanos;
- e a percepção de que o verdadeiro teste será a coerência entre o discurso da “COP da verdade” e as decisões concretas até a COP31.
Em síntese: a COP30 resolveu muito do como (instituições, indicadores, mecanismos, financiamento de adaptação), mas recuou no quê mais decisivo – quando e como o mundo vai, de fato, abandonar os combustíveis fósseis. É essa assimetria que passa a orientar o debate político e jornalístico daqui para frente.
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