“À fraude é o mais grave ato ilícito, destruidor das relações sociais, responsável por danos de vulto e, na maioria das vezes, de difícil reparação. É um vício de muitas faces, presente em inúmeras situações da vida cotidiana do homem e no Direito”, explica Silvio de Salvo Venosa, na obra Direito Civil, publicada pela Editora Atlas, em 2009.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do voto-vista da conselheira do CNJ Maria Tereza Uille, constatou que as matrículas cartoriais de nº 726 e 727, referentes às terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, oeste da Bahia, usadas pelo Grupo Econômico dos Okamoto e sucessores eram oriundas de fraudes vinculadas ao falso atestado de óbito de Suzano Ribeiro de Souza e do fraudulento inventário do casal Suzano Ribeiro de Souza, morto em 1890 e Maria da Conceição Ribeiro, falecida em 1908, cujos legítimos herdeiros seriam os seguintes filhos e filhas:
- — Antônia Ribeiro de Souza (à época, casada com Luiz Ribeiro de Souza)
- — Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos;
- — Joana Ribeiro de Souza, 17 anos;
- — Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e
- — Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.
A fraude objetiva e absoluta não gera direito, diz jurisconsulto que acompanha a Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081 para o Jornal Grande Bahia (JGB), cujo trâmite persiste por cerca três décadas no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA) e no qual são partes da disputa: como litigante, empresário de Barreiras José Valter Dias; litigados, o Grupo Econômico dos Okamoto e outros; e terceiros interessados, o advogado Domingos Bispo e outros.
Nos Pedidos de Providências de números 0007396-96.2016.2.00.0000 e 0007368-31.2016.2.00.0000, a conselheira Maria Uille, em síntese, relata que:
— Ao que consta dos autos, em 1978, David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi, fazendo-se passar por cessionários de direitos hereditários de Suzano Ribeiro de Souza (falecido em janeiro de 1890), deram início ao processo de Inventário 2703/1978.
— A partir de certidão falsa de óbito de Suzano Ribeiro de Souza (Id 2085366, fl. 9), que indicava o falecimento em 14/03/1894, pleitearam ao juízo da Comarca de Santa Rita de Cássia a adjudicação do imóvel de matrícula 54 [Fazenda São José, situada no município vizinho, em Formosa do Rio Preto]
— Em 20 julho de 2005, contudo, cerca de 25 anos após a partilha de bens levada a efeito pelo Inventário 2703/1978, o Ministério Público do Estado da Bahia [MPBA] requereu ao juízo da Comarca de Corrente, Piauí, a apreciação e a declaração de nulidade do assento de óbito de Suzano Ribeiro de Souza, lavrado em 15/09/1977 (Ação de Nulidade de Assentamento de Óbito 1781/2005).
— O pedido foi julgado procedente pelo Juízo da Comarca de Corrente-PI (j. 31.8.2006), ocasião em que também se determinou ao 2º Cartório do Registro Civil a averbação da sentença e adoção das medidas necessárias à sua efetivação.
— A cadeia dominial do imóvel e as certidões cadastradas sob as Id 2872186 e 2872187 corroboram o teor dessas circunstâncias e sintetizam a situação.
— O Ministério Público do Estado da Bahia, paralelamente à ação de nulidade de assentamento de óbito relatada acima, solicitou à Corregedoria Geral da Justiça do Estado da Bahia fossem declaradas inexistentes e canceladas as matrículas e os registros do imóvel rural Fazenda São José, vinculados aos números 726 e 727 e os deles derivados (Id 2085314, fls. 1/5).
— O pedido ministerial foi deferido pela CGJ/BA, resultando a edição da Portaria 909/2007.
— Passados três meses da edição da Portaria 909/2007, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado da Bahia, por sua Desembargadora Telma Laura Silva Britto, concluiu pela necessidade de revogação da Portaria 909/2007.
— Assim, o status quo foi restabelecido no Estado da Bahia e as matrículas dos imóveis de números 726 e 727, e registros subsequentes, mantidos por seus próprios termos.
— A Portaria 105/2015, objeto propriamente dito destes autos, foi editada pela Corregedoria das Comarcas do Interior da Bahia (CCI/BA) aproximadamente 7 (sete) anos após a publicação das Portarias 909/2007 e 226/2008.
— O fato ensejador de sua edição decorreu do Processo Administrativo TJ-ADM 2015/26356, no qual José Valter Dias (proprietário do imóvel de matrícula 1037, tópico 1.1 deste voto) reclamava a decretação de nulidade das matrículas 726 e 727 e registros subsequentes, pelas mesmas razões apresentadas pelo MP/BA à CGJ/BA.
— A Corregedoria das Comarcas do Interior/BA acolheu a pretensão formulada para editar a Portaria 105/2015.
— Contra esse ato, houve recurso administrativo ao Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, o qual, por maioria, manteve os exatos termos da Portaria 105/2015, negando provimento ao recurso (Processo Administrativo 0022546-15.2015.8.05.0000, j. 14.3.2016, Id 2157040, fls. 7/9).
— Estabelecidas as bases para o correto dimensionamento da controvérsia colocada nos autos, sem as quais restariam nebulosos os limites de atuação do Conselho Nacional de Justiça, passo ao exame do mérito.
— Uma leitura dos dispositivos da Portaria CCI 105/2015 e dos tópicos antecedentes conflui para o entendimento de que, no ano de 2015/2016, o TJBA entendeu por bem revalidar a Portaria 909/2007 e determinar o cancelamento administrativo das matrículas 726 e 727, e delas decorrentes, além de deliberar pela regularização do imóvel de matrícula 1037.
— Um exame preambular do Acórdão proferido pelo Conselho da Magistratura/TJBA pode nos levar à conclusão de que o cancelamento das matrículas em apreço constitui mera decorrência da declaração de nulidade do assentamento de óbito de Suzano Ribeiro de Souza, pelo Juízo da Comarca de Corrente-PI (j. 31.8.2006, vide tópico 1.3 deste voto).
— Com efeito, quatro circunstâncias de grande relevância favorecem essa compreensão, a saber:
— 1) a utilização de certidão fraudulenta de óbito de Suzano Ribeiro de Souza por David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi, para a abertura do Inventário 2703/1978;
— 2) a adjudicação das terras de registro primitivo 54 a David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi, por sentença prolatada em 13.12.1978;
— 3) a propositura de ação de nulidade de assentamento de óbito pelo MP/BA, em 2005 (Processo 1781/2005 – cerca de 27 anos após a consolidação dos fatos); e
— 4) o reconhecimento judicial da nulidade do assentamento de óbito de Suzano Ribeiro de Souza, no ano de 2006.
— Entretanto, há nos autos robusta documentação que, a meu sentir, não pode passar desapercebida por este Conselho, sobretudo se consideradas: as ações judiciais que recaem sobre o imóvel Fazenda São José; o tempo transcorrido entre a abertura das matrículas (1978) e a determinação do TJBA (2015); às sucessivas oscilações de entendimento da CGJ/BA (2007, 2008 e 2015), as quais afetam nitidamente a segurança jurídica e a paz social; e a ausência de contraditório e ampla aos diretamente atingidos pela Portaria 105/2015, tudo, a respaldar a impossibilidade de se cancelar, in casu, pela via administrativa, as matrículas 726 e 727, e seus desdobramentos, ou de se determinar a regularização da matrícula 1037, tal como o fez o TJBA.
Em síntese, apenas o julgamento do mérito sobre a posse e propriedade das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, pode garantir a pacificação do conflito e assegurar as condições legais para que se estabeleça a produção agrícola no oeste da Bahia.
Nesse contexto, existem vários aspectos tangenciais sobre o caso e um dos pontos que não foi abordado é que, todavia, exista o fato de que, datam de 1977, as fraudes que envolvem a certidão de óbito e o inventário que originou as matrículas cartoriais nº 726 e 727, o exercício sobre a posse das terras foi realizado pelo Grupo Econômico dos Okamoto e outros quando José Valter Dias atuava na década de 1980 com atividade produtiva em parte da área, ou seja, quando ele ocupava parte das terras da antiga Fazenda São José.
De outra forma, questiona-se:
- As matrículas cartoriais nº 726 e 727 datam de fraudes ocorridas em 1977, se não, em qual data as fraudes foram elaboradas?
- Se o CNJ toma como legítima a data da elaboração da fraude, ou seja, o ano de 1977, com que base o faz?
- Por quê, apenas na década de 1980, quando José Valter Dias estava ocupando parte das terras da antiga Fazenda São José, é que os autointitulados compradores das fraudulentas matrículas cartoriais nº 726 e 727 buscaram exercer a posse, com expulsão do empresário de Barreiras?
- Qual a dificuldade em estabelecer a legítima cadeia sucessória sobre as terras da antiga Fazenda São José, uma vez que os compradores — casal Suzano Ribeiro de Souza, morto em 1890 e Maria da Conceição Ribeiro, falecida em 1908 — tiveram inventário aberto com cadeia sucessória estabelecida?
Baixe
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