Concorrência entre telefônicas diminui em 25 anos de privatização

Apesar de ter tido o serviço de telefonia privatizado, a Telebrás continua existindo.
Apesar de ter tido o serviço de telefonia privatizado, a Telebrás continua existindo.

Uma das utopias da época da privatização das telecomunicações, que completa 25 anos neste sábado (29/07/2023), a promoção da concorrência entre as operadoras não se concretizou. De uma miríade de empresas em cada estado, com quatro ou cinco operadoras no serviço móvel e pelo menos duas operadoras na telefonia fixa, o número de empresas encolheu após sucessivas fusões, aquisições e recuperações judiciais.

O modelo pensado nos anos 1990 buscou garantir a concorrência. Primeiramente, quebrou o monopólio das telecomunicações, concedendo frequências da Banda B para que empresas privadas constituíssem as companhias espelho de telefonia celular. Posteriormente, na década de 2000, fez o mesmo com as companhias concorrentes da Embratel no mercado de longa distância e das operadoras de telefonia fixa em cada região de atuação. No entanto, uma série de fusões, aquisições e falências tornou o mercado ainda mais concentrado.

Na telefonia celular, o grupo do mexicano Carlos Slim comprou diversas operadoras de celular, principalmente da Banda B ao longo dos anos 2000 para constituir a Claro. O conglomerado também adquiriu a Embratel e a operadora NET para promover a convergência de tecnologias, uma plataforma que fornece telefonia fixa, móvel e televisão a cabo.

O principal fator de concentração, no entanto, decorreu da fusão da Brasil Telecom e da Oi, ocorrida em 2009. Na época, a Oi começava a enfrentar problemas, e o governo do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou a união com a Brasil Telecom como um meio de melhorar a situação da operadora.

Deterioração

Apelidada de supertelefônica, a companhia resultante da fusão prosperou por alguns anos, mas deteriorou-se com a situação da Oi. Com problemas de gestão e dívidas de R$ 65,4 bilhões, a Oi entrou em recuperação judicial em 2016, que reduziu os débitos para R$ 22 bilhões em 2002, e teve uma segunda recuperação judicial autorizada em março deste ano.

“Todo esse processo começou na Europa, quando a empresa Telefônica [espanhola] comprou a parte da Portugal Telecom da Vivo em 2010. Para que a Portugal Telecom não saísse do Brasil, o governo autorizou a entrada da companhia na Oi. O problema é que o Banco Espírito Santo [instituição financeira portuguesa], um dos principais controladores da Oi, quebrou em 2014, prejudicando uma das principais empresas de telecomunicações do Brasil”, diz Murilo César Ramos, professor emérito da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e fundador e pesquisador sênior do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias de Comunicações (CCOM) e do Laboratório de Políticas de Comunicação, na mesma universidade.

Para o coordenador-executivo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Alexandre Caramelo Pinto, o maior efeito da recuperação judicial da Oi deu-se na concentração de mercado.

“Sem dúvida o maior impacto é do ponto de vista concorrencial, já que temos um player de peso que deixou de ter relevância e que possuía muitos clientes, que foram transferidos para TIM, Vivo e Claro que absorveram em regime de consórcio toda a base de clientes e ativos legados da Oi. Sem dúvida perdemos como país, sob a perspectiva de mercado e como consumidores, que passam a ter uma opção a menos”, avalia.

Segundo Murilo Ramos, os problemas da concorrência também decorrem de erros de avaliação tecnológica durante o processo de privatização.

“O projeto tucano [governo do PSDB] foi neoliberal envergonhado. Eles privatizaram e queriam uma ampla competição. Eles tentaram fazer uma mágica com uma tecnologia chamada WLL [comunicação de dados e voz por ondas de rádio] a serem usadas pelas empresas espelho, que não prosperou. Foi um fracasso, e as companhias foram absorvidas pelas concorrentes”, recorda.

Futuro

Apesar de ter tido o serviço de telefonia privatizado, a Telebrás continua existindo. A estatal gere a segurança do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, lançado em 2017. O governo anterior tentou privatizar o que restou da companhia, mas a pandemia de covid-19 e divergências políticas adiaram a venda. Em abril, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva retirou a Telebrás da lista de privatizações.

No 25º aniversário da privatização das telecomunicações, o setor lida com a chegada da tecnologia 5G e com o declínio da comunicação via voz. Associação das empresas de telecomunicações e de conectividade, a Conexis Brasil Digital defende a redução da carga tributária do setor, a simplificação regulatória e o incentivo à autorregulação para melhorar a universalização da internet de alta velocidade no Brasil.

A Conexis também pede a igualdade regulatória entre as prestadoras de telecomunicações, que constroem redes próprias, e as empresas que usam essa rede para ofertar serviços semelhantes aos ofertados pelas operadoras, a atualização das leis municipais de antenas e o combate ao furto e roubo de cabos de telecomunicações. Apesar das reivindicações, a tecnologia 5G continua se expandindo em ritmo superior às metas estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Para Alexandre Pinto, da FGV, o amadurecimento do marco regulatório e o avanço das tecnologias podem trazer interessantes oportunidades de progresso.

“Pensando em termos de transformação digital, o 5G traz grandes possibilidades de modelos de negócios mais disruptivos já que, a velocidade e estabilidade é significativamente aprimorada. Abrem-se possibilidades para combinações promissoras como inteligência artificial, internet das coisas e o uso de drones. Em ambientes da indústria, logística ou mesmo no agronegócio há grandes entraves que poderão ser solucionados”, diz.

O professor Murilo Ramos diz que a aplicação da tecnologia 5G é uma incógnita.

“Para ver um jogo de futebol no celular, o 4G serve bem. A utilização do 5G ainda está sendo pensada e dependerá da evolução de outras tecnologias. Esse é um questionamento que não só o Brasil enfrenta, mas todo o planeta”, avalia.

Segundo Ramos, a telecomunicação no Brasil está conseguindo acompanhar as tendências mundiais apesar das falhas no modelo de privatização, que se concentrou na universalização da telefonia fixa e não pensou na internet.

“As empresas conseguiram fazer um trabalho intenso, de modernizar a infraestrutura e de substituir a conversa por vez pela comunicação por dados. Até por uma questão de sobrevivência, elas precisaram se reposicionar”, declara.

Setor de telecomunicações enfrenta desafios 25 anos após privatização

A privatização multiplicou os investimentos em infraestrutura, mas, segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, deixou diversos passivos para os consumidores e desafios para o futuro. O usuário enfrenta tarifas caras, contratos arbitrários e publicidade abusiva. As empresas lidam com falências de concorrentes e uma legislação que não previu a transição para a internet.

Sofrendo com a falta de investimento e o sucateamento, a Telebras foi vendida num momento em que os países desenvolvidos faziam a transição dos cabos de cobre para a fibra óptica e a telefonia móvel começava a se estabelecer. Segundo a Conexis Brasil Digital, associação que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade, os investimentos no setor somaram R$ 1,036 trilhão de 1998 até o primeiro trimestre deste ano.

“A maior conquista do setor nestes 25 anos foi a massificação do acesso aos serviços de telecomunicações. Hoje, todos os municípios brasileiros têm acesso a pelo menos uma tecnologia móvel, seja 3G, 4G ou 5G. São mais de 150 cidades que já têm acesso ao 5G, que acaba de completar um ano de operação no Brasil”, diz o presidente-executivo da Conexis Brasil Digital, Marcos Ferrari.

Crescimento exponencial

Outros números da Conexis mostram crescimento exponencial da telefonia e das tecnologias associadas às privatizações. Na telefonia móvel, o número de acessos subiu de 7,4 milhões de acessos em 1998 para 251 milhões. Na televisão por assinatura, que pode ser oferecida por operadoras telefônicas, o total de assinaturas passou de 2,6 milhões para 27 milhões.

Não existente em 1998, a banda larga fixa terminou o primeiro trimestre deste ano com 45,7 milhões de acessos. O serviço começou a ser oferecido no Brasil em 2000, mas só se popularizou a partir de 2004, com o surgimento das primeiras redes sociais. A telefonia fixa, escopo original da privatização, cresceu bem menos, passando de 20 milhões de linhas em 1998 para 27 milhões atualmente.

Defasagem

As próprias estatísticas mostram a mudança tecnológica que caracterizou as telecomunicações nos últimos 25 anos, com as pessoas deixando de conversar por voz para conversarem via internet. Embora prevista desde meados dos anos 1990 por meio da instalação da rede de fibra óptica nos Estados Unidos, a expansão da banda larga foi ignorada pela Lei Geral das Telecomunicações, sancionada um ano antes da privatização e que serviu de marco legal para o leilão da Telebras.

O buraco na legislação, aponta Ramos, trouxe consequências atuais. A principal é uma disputa entre as empresas vencedoras do leilão de telefonia fixa, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2025, essas operadoras passarão do regime de concessão, que previa uma série de obrigações relacionadas à telefonia fixa (como metas de oferta de orelhão), para o regime de autorização, mais flexível e pelo qual operam as empresas que venceram os leilões posteriores.

No entanto, elas terão de desembolsar cerca de R$ 33,6 bilhões para fazer a migração, segundo o cálculo mais recente da Anatel, atualizado por determinação do TCU.

“As companhias pedem a revisão do valor e até alegam que, na verdade, têm direito a receber. Essa é uma bomba-relógio sobre a qual alertei em 2010 e nada foi feito desde a época”, ressalta Ramos. O problema afeta as seguintes operadoras: Oi, Vivo, Claro, Algar Telecom e Sercomtel.

Abusos

Para os consumidores, a privatização deixou um legado de ampliação de acesso combinado com contas caras, contratos abusivos e publicidade excessiva. Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), as telecomunicações encerraram 2022 com 9,4% das reclamações registradas na entidade. A proporção subiu em relação a 2021 (8%), mas caiu significativamente em relação a 2018 (15%) e 2019 (14,6%).

Segundo o coordenador-executivo e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Alexandre Caramelo Pinto, os problemas para o consumidor ainda existem.

“Os contratos abusivos e a publicidade excessiva são problemas que ainda persistem e devem ser vigorosamente combatidos. Não tem nada pior do que ser incomodado com ligações não solicitadas”, declara. Ele, no entanto, cita avanços nos últimos anos. “Nesse sentido, tivemos algum progresso com a Lei do Call Center, que obteve algum êxito na agilidade de reclamações e cancelamentos, e nas questões relativas à acessibilidade”, acrescenta.

Preços altos

Em relação aos preços altos, o professor da FGV diz que estão relacionados a problemas decorrente da estrutura de custos do setor de telecomunicações. Ele cita como entraves fundos criados na época da privatização, como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel).

“Há um problema sistêmico que nos remete em grande parte à estrutura de custos do setor, naturalmente intensivo em capital [que exige muitos investimentos] e a criação dos fundos setoriais, o Fust e o Funttel. Embora importantes para financiar a universalização e inovação, seus recursos foram em diversas vezes subutilizados ou revertidos para outros propósitos, criando questionamentos sobre sua efetividade e insegurança jurídica”, afirma Pinto.

Na avaliação do professor Murilo Ramos, os baixos gastos desses fundos decorrem da falta de visão do governo na época da privatização.

“O Fust só executou até hoje alguns milhões de reais, principalmente para a promoção da banda larga em escolas, porque a privatização foi pensada na expansão da telefonia fixa, não no avanço da internet”, explica.

Do orçamento de R$ 651 milhões para 2023, o fundo destinou apenas R$ 10 milhões para projetos neste ano, todos relacionados à conexão via internet nas escolas.

*Com informações da Agência Brasil.

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