O Supremo Tribunal Federal (STF), que deveria ser o guardião da Constituição, tornou-se, nesses últimos tempos, um tribunal no qual a maioria dos seus julgamentos se dá através de decisões monocráticas de seus ministros. Um só ministro decide pelo tribunal. Segundo pesquisa divulgada pelo site Consultor Jurídico, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 26,5 mil julgamentos de mérito realizados pelo tribunal em 2017, 13,6 mil – o que corresponde a 51,3% do total – foram realizados por um único ministro, sem a participação dos demais membros da Corte. No ano passado, o Supremo recebeu 103,6 mil processos, ante 90,3 mil em 2016. No cômputo geral, com a inclusão dos diferentes tipos de recurso judicial, as decisões monocráticas corresponderam a 89,8% das 113,6 mil proferidas em 2017.
Daí a aprovação da PEC pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) limitando os poderes dos ministros e autorizando o Congresso a suspender decisões do STF. Além das PECs, a CCJ também aprovou dois projetos que ampliam o rol de crimes de responsabilidade e mudam regras para o processo de impeachment de ministros da Corte. No que se refere às decisões monocráticas, a proposta foi aprovada pelo Senado em novembro de 2023. Agora foi aprovada pela CCJ da Câmara por 39 votos a 18. O texto proíbe decisões monocráticas tomadas por um único magistrado que suspendam a eficácia de leis ou de atos do presidente da República ou dos presidentes da Câmara, do Senado e do Congresso, com exceção do recesso do Judiciário, em que são permitidas nos casos de “grave urgência ou risco de dano irreparável”.
O texto propõe alterar, ainda, o rito de análise de três tipos de ações de competência do Supremo Tribunal Federal — as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Caso um ministro conceda a liminar, o mérito da medida precisará ser analisado pelo plenário do tribunal em até seis meses. Depois desse prazo, o caso entrará automaticamente na pauta do plenário e terá prioridade sobre os demais processos. Se aprovada, nenhum ministro, individualmente, poderá substituir a “função jurisdicional” do tribunal, na qual a ultima palavra é dada pelo colegiado.
Os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes quase sempre decidem monocraticamente. Ao anular todos os processos e investigação da Lava Jato, Toffoli extrapolou todos os limites, ao ponto de a PGR adentrar com um recurso no próprio tribunal tentando reverter a decisão unilateral do ministro. Veja-se, por exemplo, o caso de Leo Pinheiro. Réu confesso, esse senhor fez um acordo com a força-tarefa da Lava Jato e admitiu o pagamento de propinas a agentes públicos e políticos. Toffoli anulou a investigação. E o pior é que, apesar da anulação, a decisão não afeta o acordo da delação, que continua válido, segundo ele.
Esse mesmo Dias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), em setembro de 2023, gerando um efeito cascata que deverá anular todos os demais processos relacionados, bem como os acordos de delação. Em breve a nação deverá restituir aos envolvidos no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato os bilhões de reais que foram voluntariamente devolvidos por eles.
Outro que decide pelo STF é o ministro Alexandre de Moraes, cujos superpoderes tiveram origem no chamado inquérito do fim do mundo, aberto em 2019 por decisão de Toffoli, à revelia da PGR, ou seja, sem a participação do Ministério Público, que é a instituição competente para investigar e denunciar criminalmente no país, segundo nossa Carta Magna. O STF aprovou a decisão, mas a maioria dos juristas a consideram inconstitucional. Ora, a lógica do Estado de Direito é dividir o poder para evitar que uma única autoridade, por mais poderosa que seja, decida sobre tudo, pois se essa autoridade falhar -e é previsível que isso aconteça-, ninguém mais está protegido. O problema é que a aprovação pela CCJ da PEC não vai prosperar, pois os presidentes do Senado e da Câmara já se manifestaram contra a proposta. Não devemos esquecer que vivemos num país de princípios morais conflitantes e leis desacreditadas. O Brasil é isso.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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