A presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, concedeu entrevista na terça-feira (12/11/2024) ao podcast Juspod, do Bahia Notícias, para tratar de temas como a corrupção no Judiciário baiano, as iniciativas de inovação tecnológica e os desafios da gestão na instituição. A conversa ocorreu no estúdio do portal, em Salvador, marcando o primeiro aniversário do podcast voltado a assuntos jurídicos. A magistrada compartilhou sua trajetória de 40 anos na Justiça e comentou os esforços contínuos do TJBA para fortalecer a transparência e a acessibilidade no sistema judicial.
A desembargadora abordou, entre outros pontos, o impacto da Operação Faroeste, deflagrada há alguns anos para investigar casos de corrupção no Judiciário baiano. Ela destacou o esforço conjunto de sua gestão, das corregedorias e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para combater qualquer vestígio de conduta irregular. Segundo Cynthia Resende, a necessidade de uma resposta rápida para os processos relacionados à operação é essencial para restaurar a confiança da população.
“A maioria dos magistrados e servidores é composta por profissionais éticos e dedicados. Precisamos de julgamentos céleres para que o Tribunal possa seguir adiante e concentrar-se nas demandas da sociedade”, afirmou a presidente.
Além das questões éticas, a desembargadora ressaltou as iniciativas tecnológicas implementadas na sua gestão para aprimorar o funcionamento do TJBA, como o projeto Axé Lab, um laboratório de inovação voltado ao desenvolvimento de soluções digitais, e o painel Oxóssi, um sistema que utiliza inteligência artificial para auxiliar juízes na elaboração de decisões. Segundo Cynthia Resende, o uso de robôs para organizar informações e auxiliar nos julgamentos contribui significativamente para reduzir a sobrecarga dos magistrados e tornar os processos mais rápidos e acessíveis.
Outro ponto destacado foi o compromisso do TJBA com a democratização do acesso ao Judiciário, por meio de projetos como as Salas Passivas e os Pontos de Inclusão Digital, que facilitam o acesso remoto para cidadãos de áreas distantes ou com poucos recursos tecnológicos. A desembargadora enfatizou que essas iniciativas buscam “aproximar o Judiciário da população e tornar o acesso à Justiça mais inclusivo e eficiente.”
A presidente também mencionou a recente adesão ao Pacto Nacional pela Linguagem Simples, liderado pelo CNJ, como uma medida para tornar o linguajar judicial mais compreensível à população. O projeto, que já implantou modelos simplificados de mandados e sentenças, visa tornar os documentos jurídicos mais acessíveis a pessoas leigas e permitir que compreendam melhor o conteúdo das ações judiciais.
Corrupção e crime organizado
No contexto da entrevista da presidente do TJBA, observa-se que a corrupção no Poder Judiciário e no Ministério Público revela uma escalada do crime organizado dentro das instituições do Estado, afetando profundamente a estrutura e a eficiência do sistema de justiça no Brasil. Carlos Augusto, jornalista e cientista social, diretor do Jornal Grande Bahia (JGB), teorizou sobre o que denomina Sistema Faroeste de Corrupção no Judiciário. Essa teoria aponta para uma degradação institucional crescente, que ocorre em diferentes níveis, predominantemente nas instituições do Poder Judiciário (PJ), Ministério Público (MP) e em parte do aparato policial civil e militar do Brasil, afetando diretamente a vida política e social brasileira. O sistema, segundo Augusto, favorece a expansão de atividades criminosas em larga escala em todo o país.
O pesquisador social reforça sua tese ao analisar as declarações da desembargadora Cynthia Resende, que apontam a ineficiência estatal, especialmente quando se observa as investigações federais no Oeste da Bahia. O Caso Faroeste, vinculado ao conflito fundiário envolvendo as terras da antiga Fazenda São José e da Fazenda Estrondo, em Formosa do Rio Preto, exemplifica essa ineficiência.
A corrupção sistêmica e a omissão das autoridades estaduais resultam em uma morosidade processual, com as investigações sendo tratadas sem a devida prioridade pelo Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), o que impede a conclusão de processos importantes, como o de grilagem de terras na região.
São exemplos de evidências de corrupção e falhas na atuação institucional os seguintes fatos:
Em 24 de abril de 2024, o Inquérito 1653, derivado da Operação Faroeste, revela um esquema de corrupção no Judiciário da Bahia, envolvendo a venda de decisões judiciais para regularização de terras na Fazenda Estrondo, no Oeste baiano, favorecendo o Grupo Horita. Magistrados, como o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio e a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, são acusados de receber propinas para beneficiar o grupo empresarial em disputas fundiárias. O esquema envolvia fraudes em escrituras e manipulação de registros imobiliários para liberar 405 mil hectares de terras. O MPF apresenta evidências como interceptações telefônicas, movimentações financeiras suspeitas e relatórios sobre lavagem de dinheiro. A denúncia também aponta a atuação de intermediários, como Adailton Maturino, que facilitavam o pagamento de propinas. A denúncia gerou acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude, mas o Grupo Horita não foi formalmente denunciado, possivelmente devido a um Acordo de Não Persecução Penal. O processo continua sob investigação na Corte Especial do STJ, com a continuidade das ações contra os envolvidos.
Em 13 de outubro de 2024, Carlos Augusto, diretor do Jornal Grande Bahia, relatou as investigações do Caso Venditio Sententiae, que revelam um esquema de venda de sentenças no STJ, envolvendo quatro gabinetes de ministros e movimentações financeiras atípicas detectadas pelo COAF. A Polícia Federal avançou nas apurações, com a investigação agora sob supervisão do STF, devido à possível participação de uma autoridade com foro privilegiado. O caso, que ganhou repercussão após o assassinato do advogado Roberto Zampieri, revela suspeitas de envolvimento de advogados, lobistas e servidores do STJ. Além disso, o caso traz à tona comparações com o Caso Faroeste, envolvendo corrupção no judiciário, e levanta questões sobre a integridade do sistema de justiça brasileiro.
Em 14 de outubro de 2024, o Ministro Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, determinou a investigação interna no CNJ sobre o desaparecimento do relatório LIODS 16/2020, que analisa irregularidades fundiárias na Bahia, especialmente em Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia. O pedido foi feito por Domingos Bispo, que solicita acesso ao documento, relacionado a fraudes em matrículas cartoriais e disputas de terras na região. A investigação revelou um esquema de corrupção envolvendo membros do Judiciário, do Ministério Público e da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. O relatório permanece inacessível, e o Ministro encaminhou o pedido para análise da Conselheira Daniela Madeira, responsável pela Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030), para uma possível manifestação sobre o caso. O LIODS/CNJ, criado para investigar esses casos, busca maior transparência nos registros fundiários e visa combater fraudes no sistema cartorial.
Em 20 de outubro de 2024, a Revista Veja revelou um esquema de venda de sentenças judiciais envolvendo o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, que alegava ter conexões com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para influenciar investigações. A investigação, iniciada após o assassinato do advogado Roberto Zampieri em dezembro de 2023, conecta o caso “Venditio Sententiae” no STJ à “Operação Faroeste” no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), que apura a venda de sentenças em disputas de terras. O lobista também foi apontado por tentar barrar investigações contra desembargadores, destacando a corrupção sistêmica no Judiciário. A Polícia Federal segue investigando o alcance do esquema, que envolve magistrados e autoridades com acesso ao CNJ.
Em 22 de outubro de 2024, a Polícia Federal deflagrou a sétima fase da Operação Patronos, focada em desmantelar esquemas de corrupção envolvendo a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça da Bahia. A operação resultou na apreensão de veículos e uma embarcação de um dos investigados, suspeitos de terem sido adquiridos com recursos ilícitos. O esquema, já identificado em fases anteriores, envolvia a manipulação de sentenças e foi responsável por ganhos ilícitos superiores a R$ 35 milhões. A operação, que conta com a colaboração do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional de Justiça, continua a avançar na recuperação de ativos e responsabilização dos envolvidos, com conexões ao Caso Faroeste.
Em 24 de outubro de 2024, a Polícia Federal deflagrou a Operação Última Ratio para investigar um esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, envolvendo cinco desembargadores, advogados e empresários. A operação resultou em 44 mandados de busca e apreensão, abrangendo cidades como Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá. As investigações revelam possíveis conexões com os casos Venditio Sententiae, Faroeste e Patronos, apontando para uma rede de corrupção sistêmica no judiciário brasileiro, com implicações de lavagem de dinheiro e falsificação de documentos
Em 24 de outubro de 2024, foi publicada no Diário Oficial da Justiça da Bahia que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a apuração de irregularidades judiciais e cartoriais em Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, no contexto do Caso Faroeste, por meio do Pedido de Providências nº 0001190-48.2024.2.00.0853. A medida foi tomada após uma reclamação disciplinar contra os delegatários Renata Suila Oliveira dos Santos e Yuri Daibert Salomão de Campos. O caso, que envolve alegações de corrupção, interferência em decisões judiciais e manipulação de registros de terras na antiga Fazenda São José, inclui acusações de compra de decisões e usucapião fraudulento. A apuração busca assegurar a transparência e a regularidade no sistema judicial da Bahia e pode levar a investigações mais amplas, incluindo a Operação Faroeste.
Em 6 de novembro de 2024, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra a desembargadora Sandra Inês Rusciolelli Azevedo, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), por sua participação no esquema de venda de decisões judiciais, dentro da Operação Faroeste. A magistrada é acusada de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, envolvendo disputas fundiárias na Bahia. Ela, juntamente com outros réus, teria recebido cerca de R$ 4 milhões para favorecer interesses privados de empresas agropecuárias em disputas de terras. A investigação revelou movimentações financeiras suspeitas, como transferências bancárias fracionadas, e evidências de que a desembargadora estava envolvida na negociação de sentenças judiciais. O STJ decidiu manter o afastamento de Sandra Inês até o julgamento da ação penal, para garantir a integridade das investigações. A denúncia criminal do MPF analisada pelo STJ se estende a outros quatro réus: Vasco Rusciolelli Azevedo, advogado e filho da desembargadora; Júlio César Ferreira Cavalcanti, advogado, ex-servidor do TJBA e primeiro delator do Caso Faroeste; Nelson José Vigolo, presidente do Grupo Bom Jesus Agropecuária, delator do Cso Faroeste e a empresa com Acordo de Leniência firmado; e Vanderlei Chilante, advogado da Bom Jesus Agropecuária.
Em 11 de novembro de 2024, o advogado Domingos Bispo formalizou uma denúncia no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o promotor Rodolfo Fontenele Belchior Cabral, acusando-o de omissão em um processo relacionado à Operação Faroeste, que investiga corrupção e grilagem de terras na Bahia, especialmente no caso das terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto. Bispo alega que Cabral, atuando temporariamente na Promotoria, apenas registrou “ciente” nos autos, sem analisar pedidos ou recorrer de decisões desfavoráveis, o que teria favorecido grupos envolvidos em práticas ilícitas. A denúncia também questiona a mudança de promotores e juízes no processo e destaca a interferência de empresários e membros do Judiciário. Bispo solicita que o CNMP apure a conduta do promotor e aplique as penalidades cabíveis.
Esses casos ilustram como a falta de ação e a perpetuação de práticas corruptas no Judiciário e no Ministério Público ampliam as lacunas de segurança jurídica e favorecem a continuidade das atividades criminosas em um ciclo que enfraquece as instituições democráticas.
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