O Caso Faroeste, considerado uma das mais complexas investigações sobre corrupção no Sistema de Justiça brasileiro, expôs uma rede de esquemas ilícitos envolvendo servidores públicos, promotores de Justiça, magistrados e desembargadores da Bahia. A abrangência e a profundidade do caso frequentemente exigem uma narrativa que mescle abordagens cronológicas e históricas, permitindo a compreensão dialética dos fatos e a construção de marcos temporais que ajudam os leitores a alcançar uma visão mais próxima da verdade factual. Essa abordagem tem sido uma das metas do Jornal Grande Bahia (JGB), ao conectar elementos do passado e do presente em sua cobertura.
A investigação federal que originou a Operação Faroeste teve prosseguimento com a Patronos e Ultima Ratio, e o Caso Venditio Sententiae. Elas têm desvelado o que foi conceituado pelo jornalista e cientista social Carlos Augusto, editor do JGB, como “Sistema Faroeste de Corrupção no Judiciário” (SFCJ). Essa rede expõe práticas ilícitas em decisões judiciais relacionadas à grilagem de terras e à negociação de sentenças em diversos outros casos, revelando uma sistemática que permeia diferentes níveis e estruturas de poder nas esferas públicas.
Veículos de imprensa como a Folha de S.Paulo, UOL, Estadão, Metrópoles e Bahia Notícias também têm aprofundado suas reportagens sobre as investigações federais, trazendo à tona novos documentos e narrativas. Ainda que a repetição de certos temas seja inevitável, cada nova publicação contribui com elementos adicionais que esclarecem a dinâmica dos eventos, permitindo uma compreensão mais completa de como operava o suposto esquema de corrupção.
Reportagem, direito de resposta e fatos não esclarecidos
Neste contexto, a reportagem com título “Exclusiva: Documentos sigilosos revelam início das incursões da Bom Jesus Agropecuária no TJBA, aponta relatório da PF”, publicada em 9 de dezembro de 2024, em síntese, narra que documentos sigilosos revelados pelo Jornal Grande Bahia apontam o início das incursões do Grupo Bom Jesus Agropecuária no Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), conforme o Relatório nº 044/2022 da Polícia Federal (PF), anexado ao Inquérito nº 1258/DF em janeiro de 2024. A investigação, parte do Caso Faroeste, detalha possíveis negociações financeiras realizadas por advogados da empresa com magistrados para obter decisões favoráveis, como a revogação de uma portaria que cancelava matrículas de imóveis.
E-mails de 2015, indicam supostamente que Rui Barata e Vanderlei Chilante, advogados da empresa, discutiram o pagamento de R$ 1,5 milhão para garantir sentenças favoráveis. As mensagens citam encontros com magistrados e ajustes nos pagamentos conforme o andamento do processo. A estratégia incluía revogar a Portaria CCI-105/2015-GSEC e garantir maior segurança jurídica às decisões favoráveis ao grupo.
Após a publicação da matéria, às 18:34 horas de quarta-feira (11/07/2024), em resposta à reportagem, por meio da assessoria de imprensa, a Bom Jesus Agropecuária enviou o seguinte comunicado, assinado pelo advogado Rafael Carneiro:
A Bom Jesus Agropecuária foi vítima de um esquema de extorsão por parte de um grupo criminoso. A empresa denunciou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que comunicou os órgãos de investigação, o que acabou dando origem à Operação Faroeste.
A publicação e republicação sistemática de matérias com informações distorcidas e inverídicas sobre a Bom Jesus Agropecuária revela o desapego com a verdade e coincide com o interesse de concorrentes que buscam prejudicar o grupo.
O direito de resposta exercido pela Bom Jesus Agropecuária não aborda o ponto central de que, quatro anos antes do início da 1ª Fase da Operação Faroeste, deflagrada em 19 de novembro de 2019, a empresa já operava no TJBA por meio da parceria advocatícia entre Vanderlei Chilante e Rui Barata. Essa informação é corroborada por três documentos enviados por uma fonte ao Jornal Grande Bahia: procuração datada de 25 de junho de 2015, substabelecimento emitido em 14 de agosto de 2015, além do Relatório nº 044/2022 produzido pela PF, os quais, em essência, detalham o seguinte:
- A Bom Jesus Agropecuária Ltda., inscrita no CNPJ 08.895.798/0001-08 e sediada em Rondonópolis, Mato Grosso, concedeu, em 14 de agosto de 2015, uma procuração ao advogado Vanderlei Chilante (OAB/MT 3533-A), conferindo-lhe amplos poderes para representar a empresa em esferas judiciais e extrajudiciais, incluindo ações cíveis, criminais, fiscais e trabalhistas. O documento, assinado pelo sócio-proprietário Geraldo Vígolo, também autorizava atos como ajuizar ações, firmar compromissos e realizar substabelecimentos.
- Posteriormente, Chilante substabeleceu parte desses poderes ao advogado Rui Carlos Barata Lima Filho (OAB/BA 18563), com escritório em Salvador, Bahia. Este substabelecimento, realizado com reservas de poderes, relaciona-se a um pedido de providências na Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA).
- A Polícia Federal identificou, no Relatório Nº 044/2022, indícios de possível negociação irregular entre os advogados Rui Carlos Barata Lima Filho e Vanderlei Chilante, representando o Grupo Bom Jesus Agropecuária. Mensagens indicam que buscavam decisões favoráveis no Tribunal de Justiça da Bahia, envolvendo pagamentos a magistrados para revogar uma portaria que prejudicava o grupo. Um e-mail de setembro de 2015 revela um pagamento de R$ 1,5 milhão para garantir a decisão, com acompanhamentos constantes e ajustes nos pagamentos ao longo do processo. (*A íntegra do documento foi enviada, em 11 de dezembro de 2024, à assessoria de imprensa da empresa, mas, até a presente data, não houve qualquer manifestação)
Conforme relato de fontes, análise de documentos e confirmação da empresa de agronegócio, a Bom Jesus Agropecuária levou a disputa pelas terras da antiga Fazenda São José, localizada em Formosa do Rio Preto, para a Câmara dos Deputados e para petições ao CNJ. A empresa denunciou o grupo concorrente que reivindicava parte dos 360 mil hectares da propriedade rural, representando formalmente contra Adailton Maturino e José Valter Dias, ambos alvos da Polícia Federal na 1ª Fase da Operação Faroeste.
Ocorre que, na 5ª Fase da Operação Faroeste, deflagrada em 24 de março de 2020, o advogado Vanderlei Chilante e o empresário Nelson Vigolo, diretor da empresa, foram alvos. Isto consta na decisão do ministro do Superior Tribunal de Justiça Og Fernandes, conforme Pedido de Busca e Apreensão Criminal Nº 10 – DF (2019/0098024-2), na qual, determinou a prisão temporária da desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, de seu filho Vasco Rusciolelli e do advogado Vanderlei Chilante, suspeitos de integrar esquema criminoso de venda de decisões judiciais no TJBA. O esquema envolvia corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, e tráfico de influência, com destaque para o produtor rural Nelson José Vigolo, representante da Bom Jesus Agropecuária.
As investigações revelaram possível atuação de organização criminosa voltada para fraudes em processos judiciais e manipulação de registros de propriedades rurais, incluindo cerca de 360 mil hectares de terras no Oeste da Bahia. Um exemplo foi o Mandado de Segurança nº 0023332-59.2015, no qual a desembargadora supostamente favoreceu o produtor rural Nelson Vigolo após receber propina.
Interceptações telefônicas e gravações documentaram possíveis tentativas de sabotar investigações do CNJ e a negociação de decisões judiciais, com valores envolvendo propinas de até R$ 1 milhão. As investigações mostraram também a utilização de técnicas de contra-inteligência para garantir a impunidade dos envolvidos, levando à prisão e à ampliação das investigações sobre a corrupção no sistema judiciário baiano.
Posteriormente, a Bom Jesus Agropecuária firmou um acordo de leniência, reconhecendo participação no esquema criminoso. Além disso, os envolvidos no caso, incluindo Nelson Vigolo, Vanderlei Chilante, a desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo e seu filho Vasco Rusciolelli, optaram por firmar delações premiadas, supostamente colaborando com as investigações em troca de benefícios legais.
Nome de Rui Barata é citado durante julgamento da mãe
Em 19 de novembro de 2024, o CNJ determinou, por unanimidade, a aposentadoria compulsória da desembargadora do TJBA Lígia Maria Ramos Cunha Lima, em decisão tomada durante a 15ª Sessão Ordinária de 2024. A medida foi resultado de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), relacionado às investigações das 6ª e 7ª Fases da Operação Faroeste, que apura esquemas de grilagem de terras e venda de sentenças judiciais no oeste da Bahia. A desembargadora foi acusada de corrupção, lavagem de dinheiro e de interferir em processos judiciais para atender interesses pessoais, favorecendo seus filhos. O CNJ destacou o desrespeito de Lígia às normas da magistratura, principalmente ao tentar manipular fatos e obstruir investigações.
Durante o julgamento, o conselheiro do CNJ João Paulo Schoucair, que também é promotor de Justiça no Ministério Público da Bahia e relator do PAD, mencionou o nome do advogado Rui Barata. Barata é um dos investigados na Operação Patronos, um desdobramento das investigações do Caso Faroeste, que apura suposta esquemas de corrupção envolvendo o Judiciário baiano.
Revogação dos benefícios da delação premiada dos Rusciolelli
Em 7 de novembro de 2024, o ministro do STJ Og Fernandes decidiu rescindir o acordo de delação premiada firmado pela desembargadora Sandra Inês Rusciolelli e seu filho Vasco Rusciolelli devido ao descumprimento de obrigações estabelecidas no pacto. Ambos não compareceram a audiências judiciais, não pagaram a multa imposta e não alienaram bens, como um imóvel de luxo avaliado em R$ 4,5 milhões. O acordo, firmado em 2021, foi o primeiro do tipo envolvendo uma magistrada no Brasil e estava relacionado à Operação Faroeste, que investiga um esquema de corrupção envolvendo o Tribunal de Justiça da Bahia e disputas fundiárias.
Apesar da rescisão, as provas obtidas com as colaborações de Sandra Inês e Vasco Rusciolelli ainda são válidas para outras investigações. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou a nulidade dos benefícios da delação devido ao não cumprimento dos compromissos, como o direito ao silêncio durante os depoimentos, o que foi interpretado como má-fé. A operação revelou um esquema de venda de decisões judiciais para beneficiar interesses privados, com a participação do empresário Nelson Vigolo, do grupo Bom Jesus Agropecuária, e outros envolvidos, incluindo advogados.
A decisão reflete a necessidade de rigor na colaboração de delatores e destaca a continuidade da Operação Faroeste, que investiga a corrupção no sistema judiciário baiano, principalmente no que diz respeito à manipulação de decisões sobre terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, na Bahia.
Aposentadoria compulsória da desembargadora Rusciolelli
Em 10 dezembro de 2024, o CNJ determinou, por unanimidade, a aposentadoria compulsória da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo do Tribunal de Justiça da Bahia, em decisão tomada em 10 de dezembro de 2024. A medida foi resultado de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que investigou o descumprimento dos deveres funcionais da magistrada, incluindo a participação em um esquema de “rachadinha”, onde ela exigia parte dos salários dos servidores nomeados em seu gabinete. A investigação revelou que, desde 2016, a desembargadora exigia até 75% dos vencimentos de seus funcionários, e sua defesa não conseguiu provar que ela desconhecia a prática.
Além disso, foi constatado que a desembargadora favorecia nomeações de pessoas sem qualificação técnica e com interesses pessoais, incluindo o uso do cargo para ações ilícitas, como a atuação de seu filho no esquema. O caso também envolveu investigações criminais no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com evidências adicionais obtidas por meio de colaboração premiada, testemunhos e registros bancários. A decisão reafirma o desvio de conduta da magistrada, e ela será aposentada com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.
Fraude em documentos leva à nulidade das Matrículas nº 726 e 727 da antiga Fazenda São José
As matrículas nº 726 e 727, relacionadas às terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, Bahia, foram anuladas devido a fraudes em documentos fundamentais que originaram esses registros. Essas fraudes envolveram a emissão de uma certidão de óbito falsa e a realização de um inventário fraudulento.
Fraude na Certidão de Óbito
Em 1977, foi lavrada uma certidão de óbito falsa de Suzano Ribeiro de Souza, datando seu falecimento em 1894. No entanto, registros autênticos indicam que Suzano faleceu em janeiro de 1890, e seu inventário foi homologado no mesmo ano. A certidão falsa omitia herdeiros legítimos, mencionando apenas uma filha, Joana, enquanto Suzano tinha cinco filhos: Antônia, Joana, Maria, Raimundo e Domingos.
Inventário Fraudulento
Com base na certidão de óbito falsificada, em 1978, David Czertok e Albertoni de Lemos Bloisi iniciaram um inventário fraudulento, omitindo herdeiros legítimos e apresentando-se como cessionários dos supostos direitos hereditários. Esse processo resultou na criação das matrículas nº 726 e 727, que posteriormente foram transferidas para terceiros, incluindo o Grupo Econômico dos Okamoto, Bom Jesus Agropecuária e outros.
Reconhecimento Judicial da Fraude
Em 2005, o Ministério Público do Estado da Bahia ajuizou uma ação de nulidade do assento de óbito, e, em 2006, a Justiça da Comarca de Corrente, Piauí, declarou a nulidade da certidão de óbito falsa de Suzano Ribeiro de Souza. Consequentemente, as matrículas nº 726 e 727, originadas do inventário fraudulento, foram consideradas nulas, pois derivavam de um processo baseado em documentos falsificados.
Implicações da Nulidade
Em resumo, a nulidade das matrículas nº 726 e 727 decorreu de fraudes documentais que comprometeram a cadeia dominial das terras da antiga Fazenda São José, levando ao reconhecimento judicial da invalidade desses registros. A anulação definitiva dessas matrículas pode impactar diretamente em parte dos atuais ocupantes das terras, incluindo o Grupo Econômico dos Okamoto, Bom Jesus Agropecuária e cerca de outros 60 produtores rurais de grande porte. A nulidade absoluta das matrículas implica que os títulos de propriedade são inválidos.
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