Como o Poder Judiciário e o STF comprometem as finanças públicas ao impor fornecimento de medicamentos de alto custo, beneficiando escritórios de advocacia e laboratórios

Judicialização da saúde alimenta um esquema que enriquece escritórios de advocacia ligados a membros da magistratura, do Ministério Público e do Executivo, além de beneficiar laboratórios e fornecedores em detrimento da população e da infraestrutura pública.

Sábado (17/05/2025) — Decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e instâncias inferiores têm imposto ao Estado brasileiro obrigações bilionárias para fornecimento de medicamentos de altíssimo custo, em um modelo que, além de comprometer a sustentabilidade das contas públicas, tem favorecido interesses privados. Escritórios de advocacia com vínculos familiares na magistratura, no Ministério Público e no próprio Poder Executivo se beneficiam diretamente desse esquema, em conluio com laboratórios farmacêuticos e fornecedores de insumos hospitalares. A conta recai sobre a população, que enfrenta deterioração da infraestrutura e perda da qualidade dos serviços públicos essenciais.

Um dos casos emblemáticos desse cenário é o do menino de 7 anos, diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchenne. O STF determinou, em novembro de 2024, o fornecimento do Elevidys, medicação avaliada em R$ 17 milhões por dose. A decisão foi proferida pelo ministro Luiz Fux e posteriormente ratificada pelo plenário da Corte. Um acordo homologado entre a União e a fabricante em fevereiro de 2025 estabeleceu prazo de 90 dias para aplicação do medicamento — o qual não foi cumprido até esta data pelo Ministério da Saúde.

Embora a União tenha argumentado limitações orçamentárias, o STF impôs a obrigação sem apresentar critérios de impacto fiscal ou diretrizes de compensação orçamentária, contribuindo para a erosão da responsabilidade fiscal e a distorção da alocação de recursos públicos.

Disputas judiciais sobre o fornecimento do medicamento Elevidys

De acordo com informações constantes nos autos, há 55 ações judiciais em tramitação que solicitam ao governo federal o fornecimento do medicamento Elevidys. Em dois desses processos, o valor correspondente já foi depositado. Outros onze obtiveram decisões favoráveis determinando a compra do remédio, mas o pagamento ainda não foi efetuado.

A União estima que o cumprimento dessas 11 liminares representaria um impacto financeiro de R$ 252 milhões. Caso o governo fosse obrigado a atender às demandas das 55 ações judiciais, o custo total poderia alcançar R$ 1,155 bilhão para os cofres públicos.

Judicialização como instrumento de favorecimento privado

A indústria jurídica da saúde — formada por escritórios de advocacia especializados em ações judiciais contra o SUS — cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Investigações jornalísticas e dados públicos revelam que muitos desses escritórios possuem vínculos de parentesco com magistrados, procuradores e gestores públicos, gerando um ambiente promíscuo de influência cruzada entre decisões judiciais e interesses econômicos privados.

Além disso, laboratórios multinacionais e seus distribuidores têm lucrado amplamente com a judicialização, inserindo no sistema medicamentos de uso restrito, aprovados com celeridade ou mesmo sem registro definitivo na Anvisa. Essas operações contam, frequentemente, com intermediação de empresas fornecedoras ligadas a grupos econômicos protegidos politicamente, gerando um ciclo de favorecimento mútuo à margem do planejamento sanitário nacional.

A população como financiadora da elite jurídica e farmacêutica

Enquanto decisões judiciais impõem gastos unitários de dezenas de milhões de reais, a população enfrenta esgotamento de recursos nos hospitais, filas no SUS, falta de insumos básicos e sucateamento da infraestrutura de saúde. A verba destinada a atender essas decisões judiciais emergenciais compromete investimentos em vacinação, prevenção, atenção primária e manutenção de unidades hospitalares.

Em paralelo, obras públicas são interrompidas, escolas são fechadas e estradas permanecem degradadas em razão da compressão orçamentária causada por decisões judiciais que beneficiam interesses individuais — e, por vezes, mercantis — travestidos de direito fundamental.

O que é a Distrofia Muscular de Duchenne

A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética grave, ligada ao cromossomo X, que afeta quase exclusivamente meninos. Causada pela ausência da proteína distrofina, a enfermidade provoca a degeneração progressiva dos músculos, comprometendo a locomoção, a respiração e a função cardíaca. Os primeiros sintomas surgem na infância e a perda da marcha ocorre geralmente até os 12 anos. Não há cura, mas tratamentos clínicos e fisioterapêuticos podem retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida.

A imposição judicial do fornecimento de medicamentos de altíssimo custo pelo STF e outros tribunais tem alimentado um sistema paralelo de favorecimento privado. Escritórios de advocacia com ligações familiares na magistratura e no Executivo, laboratórios e fornecedores de medicamentos lucram às custas do orçamento público, enquanto a população sofre com a degradação dos serviços essenciais e da infraestrutura nacional.
Decisões do STF obrigando fornecimento de remédios milionários beneficiam escritórios ligados a membros do Judiciário e laboratórios, enquanto a população enfrenta colapso nos serviços públicos. Judicialização da saúde compromete o orçamento e alimenta rede de favorecimentos.

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