Domingo, 25/05/2025 — O avanço da judicialização da saúde impõe pressões crescentes sobre o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), interferindo na gestão pública e comprometendo a equidade no acesso aos serviços. O fenômeno é impulsionado por decisões judiciais que obrigam o Estado a fornecer medicamentos e procedimentos de alto custo, muitas vezes não incorporados às diretrizes da política nacional de saúde.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), os gastos federais com cumprimento de decisões judiciais na área de saúde saltaram de R$ 70 milhões em 2008 para mais de R$ 1 bilhão em 2015, crescimento superior a 1.300% em menos de uma década. Esse cenário compromete a alocação racional dos recursos públicos, desviando verbas originalmente destinadas à atenção básica, prevenção e estruturação da rede pública.
Além disso, ordens judiciais frequentemente determinam a aquisição de medicamentos a preços acima dos praticados no mercado institucional, concentrando recursos em ações individuais e prejudicando políticas coletivas.
Judicialização amplia desigualdade no acesso à saúde
Estudos acadêmicos apontam que a maioria das ações judiciais na saúde parte de grupos com maior renda e acesso à assessoria jurídica, como famílias de classe média alta. Por outro lado, usuários em situação de vulnerabilidade — dependentes exclusivos do SUS — raramente conseguem recorrer ao Judiciário.
Com isso, recursos públicos são canalizados para atender demandas individuais, acentuando desigualdades estruturais e enfraquecendo o princípio da universalidade do SUS.
STF protagoniza decisões com alto impacto fiscal
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem protagonizado decisões que impõem gastos bilionários ao orçamento da saúde. Em 2024, a Corte de Justiça determinou à União o fornecimento do medicamento Elevidys, indicado para Distrofia Muscular de Duchenne, ao custo de R$ 17 milhões por dose. A decisão foi ratificada pelo plenário do STF e homologada em acordo com o laboratório, mesmo sem previsão orçamentária, estimativa de impacto fiscal ou avaliação de custo-benefício. Até o momento, o medicamento ainda não foi aplicado.
Esse modelo de decisão, sem amparo em critérios técnicos definidos pela Conitec e sem registro definitivo na Anvisa, tem transferido recursos públicos de forma direta para empresas privadas, em detrimento da coletividade.
Conexões entre escritórios e membros do Estado
Reportagens investigativas apontam que escritórios de advocacia especializados em ações contra o SUS possuem vínculos familiares com membros do Judiciário, Ministério Público e Poder Executivo. Esses escritórios obtêm liminares que obrigam o fornecimento de medicamentos e equipamentos, frequentemente adquiridos sem licitação e a valores acima do mercado.
Tais práticas beneficiam laboratórios multinacionais e distribuidores associados a grupos econômicos com respaldo político. A promiscuidade entre interesses privados e decisões públicas fragiliza a integridade do sistema e levanta dúvidas sobre a lisura desses processos.
Impactos sobre a população e serviços essenciais
Enquanto decisões judiciais direcionam milhões de reais a tratamentos específicos, a maioria da população enfrenta consequências da escassez orçamentária generalizada, incluindo:
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Sucateamento da infraestrutura hospitalar
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Falta de insumos básicos
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Filas extensas para atendimento
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Paralisação de obras públicas
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Redução de campanhas de vacinação e prevenção
Comunidades de baixa renda, sem acesso a recursos jurídicos, são as mais afetadas, agravando o quadro de desigualdade no acesso à saúde pública.
Medicamentos de alto custo e beneficiários ocultos
Em um dos casos emblemáticos, o Ministério da Saúde pagou R$ 7 milhões por um medicamento contra Atrofia Muscular Espinhal (AME), destinado a mais de 100 pacientes. A aquisição foi realizada sem concorrência pública e intermediada por escritório de advocacia vinculado a parentes de servidores. Situações como essa suscitam questionamentos sobre transparência, imparcialidade judicial e favorecimento institucionalizado.
Caminhos para conter a judicialização da saúde
Especialistas propõem medidas para mitigar os efeitos da judicialização e preservar a sustentabilidade do SUS:
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Fortalecimento da Conitec, com autonomia técnica e rigor científico na análise de novas tecnologias;
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Criação de política nacional de enfrentamento da judicialização, com critérios objetivos para concessão judicial de tratamentos;
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Diálogo estruturado entre Executivo e Judiciário, para compatibilizar decisões judiciais com planejamento orçamentário;
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Auditoria e transparência nas compras públicas de medicamentos;
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Vedação de conflito de interesses entre escritórios, fornecedores e membros do Estado.
Judicialização sem controle compromete o SUS
O atual modelo de judicialização da saúde promove a concentração de recursos públicos em decisões individualizadas, muitas vezes sem critérios técnicos ou previsão fiscal. A participação do STF nesse processo, impondo obrigações sem respaldo da Conitec e da legislação orçamentária, compromete a sustentabilidade do SUS e acentua privilégios de grupos organizados.
A transparência nas relações entre Judiciário, indústria farmacêutica e advocacia, aliada ao uso racional dos recursos públicos, é essencial para restaurar o equilíbrio do sistema e garantir o direito coletivo à saúde.
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