Polícia Federal aponta esquema de corrupção judicial no STJ como o mais sofisticado em operação no Brasil

A Polícia Federal solicitou ao STF a prorrogação das investigações sobre venda de decisões judiciais no STJ, destacando a complexidade do esquema. A apuração envolve magistrados, ex-servidores e lobistas, e está conectada às operações Sisamnes e Ultima Ratio. O caso, batizado como Venditio Sententiae, expõe um sistema de corrupção judicial com estrutura sofisticada, uso de laranjas e movimentações financeiras fraudulentas.
A investigação da Polícia Federal revelou que o esquema de corrupção envolvendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui estrutura altamente complexa e ramificações que justificam a supervisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido de prorrogação foi encaminhado ao ministro Cristiano Zanin.

A Polícia Federal (PF) formalizou nesta semana, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de prorrogação por mais 60 dias das investigações sobre suposto esquema de venda de sentenças judiciais no Superior Tribunal de Justiça (STJ, inicialmente considerado um caso pontual, mas agora descrito como um dos mais sofisticados e complexos sistemas de corrupção em curso na esfera do Judiciário brasileiro.

A solicitação foi dirigida ao ministro Cristiano Zanin, relator do inquérito no STF, em razão das menções diretas a pelo menos um ministro do STJ, o que atrai a competência da Suprema Corte.

“Os trabalhos investigativos de análise financeira, ainda em andamento, revelaram indícios de fatos com potencial de alterar a profundidade das hipóteses criminais e, por consequência, com probabilidade de chancelar a competência do Supremo Tribunal Federal para a supervisão do Inquérito Policial”, afirmou a PF no despacho enviado ao gabinete de Zanin.

Gabinetes investigados e atuação de lobistas

As diligências concentram-se na atuação de uma rede de lobistas, magistrados e ex-servidores vinculados a quatro gabinetes do STJ: Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro — este último, diretamente citado no inquérito, o que provocou forte repercussão institucional e desgaste interno no tribunal.

Segundo as investigações, os alvos seriam parte de uma estrutura paralela voltada à venda de decisões judiciais e compartilhamento de informações processuais sigilosas, com articulações entre advogados, empresários do agronegócio e operadores financeiros.

Fluxo financeiro suspeito e uso de “laranjas”

A partir de quebras de sigilo bancário e relatórios de inteligência financeira, a Polícia Federal identificou movimentações atípicas. Entre os casos destacados está o de João Batista Silva, motorista que recebeu R$ 2,625 milhões entre 2019 e 2023 de uma empresa ligada ao lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, apontado como pivô do esquema criminoso.

O montante transferido chamou atenção por dois motivos: o valor incompatível com a renda do beneficiário e o fato de João Batista ter sido beneficiário do auxílio emergencial durante a pandemia de COVID-19.

De acordo com a PF, Andreson utilizava contas de passagem e entregas em espécie como estratégia de lavagem de dinheiro.

Operações correlatas: Sisamnes, Ultima Ratio e o Caso Venditio Sententiae

O atual inquérito é uma das vertentes do Caso Venditio Sententiae (latim para “venda de sentença), que congrega diversas frentes de investigação sobre corrupção sistêmica no Judiciário superior. O caso representa um novo marco investigativo no país, semelhante em relevância à Operação Lava Jato e ao Caso Faroeste, mas com foco no Poder Judiciário e seus entornos institucionais.

Operação Sisamnes

Deflagrada pela PF em 2024, a Operação Sisamnes homenageia simbolicamente o juiz persa do século V a.C. que foi executado por aceitar propina, tornando-se ícone histórico da corrupção judicial. A operação revelou conluio entre magistrados, advogados e empresários para manipulação de sentenças, especialmente em processos do agronegócio e do setor de infraestrutura. A partir dela, surgiram os primeiros indícios concretos de compartilhamento de minutas e decisões antecipadas em troca de pagamentos ilícitos.

Operação Ultima Ratio

Lançada como desdobramento da Sisamnes, a Operação Ultima Ratio — referência ao princípio jurídico do uso da força estatal como último recurso — intensificou as investigações com ações coordenadas de busca e apreensão, bloqueio de bens e prisões preventivas. Essa fase foi determinante para o avanço das apurações sobre movimentações financeiras incompatíveis, especialmente as que envolvem servidores do STJ e operadores de fachada.

Medidas cautelares e posicionamento do STF

A corporação também solicitou a prorrogação das medidas cautelares em vigor contra os envolvidos, argumentando que novas provas podem emergir nas próximas semanas, o que exige manutenção de restrições judiciais impostas por Zanin.

No caso específico de Andreson Gonçalves, preso na penitenciária federal de Brasília, sua defesa protocolou recurso pedindo prisão domiciliar. A questão está sendo julgada no plenário virtual da Primeira Turma do STF e deve ser concluída na próxima segunda-feira, 12/05/2025.

Até o momento, três dos cinco ministros já votaram contra o recurso, mantendo a prisão em regime fechado. Entre eles estão Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Flávio Dino.

Em seu voto, Zanin afirmou:

“Há nos autos consideráveis elementos apontando no sentido de que Andreson de Oliveira Gonçalves tinha função decisiva de comando e ingerência no contexto de suposto esquema de venda de decisões judiciais e de informações processuais privilegiadas.”

Implicações institucionais

A requalificação do caso pela PF — de um conjunto de atos isolados para um sistema estruturado de corrupção judicial — representa um agravamento institucional significativo. O possível envolvimento direto de membros do STJ, mesmo que ainda em apuração, amplia a crise de credibilidade do Judiciário brasileiro.

A convergência entre os elementos apurados nas operações Sisamnes, Ultima Ratio e no Caso Venditio Sententiae indica a existência de um núcleo de poder paralelo, voltado à comercialização de decisões judiciais de alto impacto. O uso de laranjas, empresas de fachada e sistemas financeiros informais reflete o grau de sofisticação do esquema.

A continuidade das investigações é, portanto, essencial não apenas para garantir a responsabilização penal dos envolvidos, mas também para preservar a integridade do sistema de Justiça, em especial nas Cortes Superiores, cuja legitimidade é um pilar fundamental da ordem democrática.

Linha do Tempo – Caso Venditio Sententiae e Operações Correlatas

A linha do tempo cronológica detalha a estrutura do Caso Venditio Sententiae, incluindo os marcos principais da Operação Sisamnes, da Operação Ultima Ratio e da tramitação do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Cristiano Zanin:

2023

  • Dezembro/2023Início das apurações preliminares pela Polícia Federal com base em denúncias sobre a suposta venda de sentenças no STJ. Relatórios de inteligência financeira indicam movimentações bancárias atípicas ligadas a servidores de gabinetes ministeriais.

 2024

  • Fevereiro/2024 — A PF deflagra a Operação Sisamnes, revelando conluio entre magistrados, advogados e empresários. Nome da operação remete ao juiz persa punido por corrupção. São apreendidos documentos e equipamentos em endereços ligados a operadores do esquema.

  • Julho/2024 — Nova frente é instaurada: Operação Ultima Ratio, com prisões temporárias, bloqueios de contas bancárias e novas quebras de sigilo. Apontam-se fortes indícios de lavagem de dinheiro e uso de laranjas.

  • Outubro/2024 — O caso é formalmente denominado Venditio Sententiae pela Polícia Federal. O inquérito passa a integrar um conjunto de procedimentos que miram ações sistemáticas de comercialização de decisões judiciais em tribunais superiores.

  • Novembro/2024Cristiano Zanin é sorteado relator no STF do inquérito principal. O caso corre sob sigilo judicial por envolver magistrados com prerrogativa de foro.

 2025

  • Março/2025 — O ministro Zanin autoriza a prorrogação da investigação por 45 dias após pedido da PF para concluir análises financeiras e perícias documentais.

  • Abril/2025 — É revelado que o motorista João Batista Silva recebeu R$ 2,625 milhões entre 2019 e 2023 de empresa ligada ao lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, preso preventivamente. PF identifica uso do auxílio emergencial e conta de passagem.

  • Maio/2025

    • Início do mês — PF solicita nova prorrogação por mais 60 dias, alegando sofisticação crescente do esquema criminoso.

    • 10/05/2025 (Sábado) — Reportagem revela que há quatro gabinetes do STJ sob investigação: Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro.

    • 12/05/2025 (previsto) — Supremo julgará em plenário virtual recurso da defesa do lobista Andreson, que tenta trocar prisão federal por domiciliar. Votos de Zanin, Moraes e Dino já indicam manutenção da prisão preventiva.

    • 13/05/2024 — A PF deflagra a 5ª Fase da Operação Sisamnes, para investigar esquema de compra de decisões no STJ. Foram sequestrados R$ 20 milhões e cumpridos 11 mandados em os estados de Mato GrossoSão Paulo e no Distrito Federal.

*Com informações de Rafael Moraes Moura e Malu Gaspar, do Jornal O Globo.

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