A decisão unilateral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil, com entrada em vigor prevista para 1º de agosto de 2025, causou uma crise sem precedentes nas relações comerciais bilaterais. A medida foi acompanhada de uma carta enviada diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que Trump condiciona a retirada das tarifas ao encerramento do julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de tentativa de golpe de Estado.
O gesto foi interpretado como uma interferência direta na soberania brasileira e provocou reações imediatas do Itamaraty, que convocou o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos e devolveu simbolicamente a carta enviada por Trump.
Tarcísio tenta assumir protagonismo em meio à pressão
Diante do impacto direto sobre a economia paulista, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) decidiu atuar como articulador, numa tentativa de se projetar como figura de conciliação entre os interesses brasileiros e o governo Trump. São Paulo, maior exportador nacional para os Estados Unidos, será um dos estados mais afetados pelas tarifas, sobretudo nos setores de aeronaves, sucos de frutas, celulose, ferro-gusa e equipamentos industriais.
Na quinta-feira (10/07), Tarcísio viajou a Brasília para se reunir com Bolsonaro, e na sexta-feira (11/07/2025), encontrou-se com Gabriel Escobar. Nas redes sociais, o governador declarou que abriria “diálogo com as empresas paulistas, lastreado em dados e argumentos consolidados”. A embaixada norte-americana, por sua vez, confirmou a reunião e reiterou que São Paulo é o estado com a maior concentração de investimentos americanos no Brasil.
Reação do STF à proposta de viagem de Bolsonaro
A atuação de Tarcísio também incluiu contatos com ministros do Supremo Tribunal Federal, com a proposta de que Bolsonaro fosse autorizado a viajar aos EUA para negociar diretamente com Trump. A sugestão foi considerada absurda e perigosa por magistrados da Corte, que apontaram risco de fuga e violação das prerrogativas constitucionais do Judiciário. Bolsonaro teve o passaporte apreendido por decisão judicial e responde como réu por tentativa de subversão da ordem institucional.
Pressão bolsonarista por anistia é obstáculo a negociação
No campo bolsonarista, a iniciativa de Tarcísio não foi bem recebida. Eduardo Bolsonaro, deputado licenciado e filho do ex-presidente, declarou nas redes sociais que qualquer suspensão das tarifas só será aceitável mediante uma anistia ampla, geral e irrestrita para os envolvidos na trama golpista. O senador Flávio Bolsonaro reiterou que “a única solução é a anistia” e criticou Tarcísio por não compreender plenamente as motivações de Trump.
O ex-apresentador Paulo Figueiredo, defensor de sanções ao governo Lula nos EUA, disse que Tarcísio “atrapalha sem nem saber”, e que sua tentativa de mediação impede a adoção da anistia como solução política.
Governo Lula responsabiliza bolsonarismo e aciona OMC
Durante evento em Linhares (ES), no dia 11, o presidente Lula (PT) foi categórico ao afirmar que o tarifaço é resultado de uma chantagem internacional arquitetada por Bolsonaro e seu filho Eduardo. O presidente anunciou que recorrerá à Organização Mundial do Comércio (OMC) e, caso não haja recuo, aplicará reciprocidade tarifária contra os EUA. Lula declarou: “Se não tiver jeito no papo, vamos estabelecer a reciprocidade: taxou aqui, a gente taxa lá”.
O ministro Rui Costa (Casa Civil) classificou o tarifaço como um “ataque à soberania nacional” e criticou aqueles que outrora ostentavam a bandeira brasileira mas agora silenciam diante da interferência externa. Outros membros do governo, como o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), acusaram Trump de estar aliado a brasileiros que querem fugir do país.
Análise econômica e riscos para os dois lados
Segundo a Fazenda, o tarifaço tende a afetar principalmente os setores de agroindústria e indústria de transformação, concentrados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 2024, o Sudeste foi responsável por mais de 70% das exportações brasileiras aos EUA. Os produtos mais afetados são sucos, café, celulose, ferro, carne bovina e aeronaves.
Apesar das perdas esperadas para o Brasil, especialistas apontam que os EUA também sofrerão impactos, uma vez que muitos dos produtos brasileiros não possuem substituição rápida ou barata. A economista Verônica Cardoso observa que o tarifaço pode elevar custos de insumos essenciais para o mercado americano, como celulose e ferro-gusa. Já o diplomata José Alfredo Graça Lima alerta que os importadores americanos devem pressionar o próprio governo Trump, a exemplo do recuo recente em relação a tarifas sobre eletrônicos.
Tarcísio entre a lealdade e a moderação
A tentativa de Tarcísio de adotar um discurso pragmático enfrenta um dilema: se alinhar a Bolsonaro, perde apoio de setores empresariais e eleitorado moderado; se buscar uma mediação institucional, sofre ataques do bolsonarismo que exige anistia como condição para qualquer acordo. Em declaração recente, o governador relativizou a demanda por anistia, tratando-a como “ponto de vista” e afirmou:
“Tenho que olhar o estado de São Paulo. Estou falando de empregos e pais de família”.
Nos bastidores, aliados do ex-presidente enxergam o movimento de Tarcísio como tentativa de construção autônoma de capital político, o que tem gerado resistência do clã Bolsonaro, que deseja manter o controle das relações com o governo Trump.
Implicações eleitorais e institucionais
A crise tarifária evidencia um embate entre interesses nacionais e agendas pessoais, envolvendo diretamente lideranças que disputam a hegemonia da direita brasileira. Enquanto Lula busca consolidar a resposta institucional e defender a soberania, Tarcísio tenta se apresentar como alternativa ao bolsonarismo radical. Seu sucesso ou fracasso na mediação pode definir o futuro de sua candidatura em 2026.
Por sua vez, o governo federal aposta na pressão internacional e na mobilização diplomática para mitigar os efeitos da medida, alertando para os danos colaterais à economia americana e o caráter unilateral e retaliatório da decisão de Trump.
Análise
1. Crise comercial como instrumento de pressão política internacional
A decisão de Donald Trump de sobretaxar os produtos brasileiros em 50% não se sustenta em fundamentos econômicos tradicionais, como déficit comercial ou dumping. Trata-se de um ato de coerção geopolítica, com motivação abertamente política: interferir nos processos internos do Brasil, condicionando a retirada da medida à suspensão do julgamento de Jair Bolsonaro no STF. Essa ação caracteriza uma violação do princípio da autodeterminação dos povos e das normas do sistema multilateral de comércio.
2. Tarcísio de Freitas em busca de capital político
Tarcísio tenta se reposicionar nacionalmente como um ator moderado e institucional, capaz de dialogar com diferentes setores e defender os interesses econômicos de São Paulo, o estado mais afetado pela medida. No entanto, a tentativa de intermediação com os EUA foi deslegitimada por sua vinculação política direta com Bolsonaro e pelo fato de que ele não possui mandato diplomático. A reação negativa do STF ao seu apelo em favor da viagem de Bolsonaro aos EUA evidenciou a imprudência institucional da iniciativa.
3. Bolsonarismo radical impõe condicionantes inaceitáveis
A exigência explícita de anistia ampla, geral e irrestrita para os envolvidos na trama golpista de 8 de janeiro de 2023 como pré-condição para suspender as tarifas revela a instrumentalização do comércio exterior como ferramenta de barganha jurídica e política. Esse posicionamento enfraquece qualquer tentativa de negociação diplomática séria e prejudica ainda mais a imagem internacional do Brasil.
4. Lula reage com diplomacia ofensiva e apelo à soberania
O presidente Lula optou por uma resposta firme, afirmando que recorrerá à OMC e ao BRICS, além de prometer retaliar comercialmente os EUA, caso a medida não seja suspensa. Ao distinguir o “povo americano” da “postura de Trump”, busca isolar o adversário político e reforçar a legitimidade do Estado brasileiro em fóruns multilaterais. O discurso de Lula também reposiciona o PT como defensor da indústria nacional e da soberania.
5. Impactos econômicos e riscos geoestratégicos
A sobretaxa atinge setores estratégicos da economia brasileira, com destaque para produtos de alto valor agregado e baixa substituibilidade, como sucos concentrados, celulose, café, carne bovina e aeronaves. Embora o Brasil sofra impactos mais diretos no curto prazo, o efeito também recairá sobre importadores americanos. A crise também marca uma inflexão no uso da geoeconomia como estratégia de dominação, conforme já indicado por analistas como Ray Dalio, Edward Luttwak e Paul Tucker.
Principais dados
1. Política Nacional
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Tarcísio tenta se projetar como mediador, mas enfrenta desconfiança do STF e resistência do bolsonarismo.
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STF considera “esdrúxula” a proposta de viagem de Bolsonaro aos EUA.
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Governo Lula reage com firmeza, acusando chantagem internacional e mobilizando mecanismos de defesa institucional.
2. Política Internacional
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Trump condiciona suspensão do tarifaço ao fim do processo criminal contra Bolsonaro.
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Itamaraty convoca diplomata americano Gabriel Escobar e devolve carta de Trump.
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Lula anuncia que recorrerá à OMC e ao BRICS, e cogita reciprocidade comercial.
3. Economia e Comércio Exterior
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Tarifa de 50% incidirá sobre produtos estratégicos: suco de laranja, café, celulose, carne, ferro-gusa e aeronaves.
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São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentram 71% das exportações brasileiras aos EUA.
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Impacto estimado: queda nas exportações e aumento de preços no mercado americano.
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Possíveis efeitos deflacionários no Brasil com maior oferta interna de commodities.
4. Eleições e cenário político
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Tarcísio tenta equilibrar-se entre lealdade a Bolsonaro e construção de imagem institucional para 2026.
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Pressão por anistia fortalece a radicalização do bolsonarismo e inviabiliza mediação técnica.
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A crise reposiciona Lula como defensor da soberania, com apoio de setores empresariais e diplomáticos.
5. Geopolítica e geoeconomia
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A crise insere-se em contexto de fragmentação do comércio internacional.
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EUA usam tarifas como instrumento de pressão política.
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O Brasil sofre tentativa de instrumentalização de sua política interna por um país estrangeiro.
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Especialistas alertam para os riscos de desestabilização da ordem multilateral de comércio.
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