A Associação Nacional de Jornais (ANJ) repudiou a decisão judicial que determinou a quebra de sigilo de dados e registros eletrônicos do jornal baiano A Tarde. A medida, mantida por unanimidade pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), foi classificada pela entidade como inconstitucional e lesiva à liberdade de imprensa.
O caso será apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre os dias 28 de agosto e 3 de setembro, após o jornal recorrer da decisão de primeira instância. O processo tem origem em uma notícia-crime por suposta injúria qualificada, relacionada a notas publicadas na coluna “O Carrasco”, em 2020 e 2021, que chamavam o empresário Roberto Zitelmann de Oliva, pessoa com deficiência física, de “Saci Pererê”.
A decisão judicial
Em abril de 2022, a Justiça da Bahia determinou que o jornal fornecesse todos os dados cadastrais disponíveis sobre os responsáveis pela coluna “O Carrasco” entre setembro de 2020 e abril de 2022. A ordem incluiu ainda os registros de acesso (IP logs) de setembro de 2020 a setembro de 2021.
Na avaliação do TJBA, o objetivo não seria censurar o jornal, mas garantir o direito constitucional à honra e à imagem. O desembargador Aliomar Silva Britto, relator do caso, afirmou em voto que a decisão visava proteger a dignidade da pessoa envolvida.
Argumentos do jornal e da ANJ
O A Tarde sustenta que a medida configura quebra de sigilo de fonte jornalística, protegida pela Constituição. Em nota, a ANJ reforçou que o jornal já havia informado a autoria de duas notas da coluna e que a exigência de dados adicionais é “desnecessária e desproporcional”.
O recurso enviado ao STJ argumenta que a decisão do TJBA viola os direitos fundamentais à liberdade de expressão, liberdade de imprensa e sigilo de fonte, além de representar um ato “ilegal e arbitrário”.
Posição do Ministério Público
O Ministério Público da Bahia foi o autor da solicitação de quebra de dados, sob o argumento de que o conteúdo publicado configuraria crime contra a honra. Já o Ministério Público Federal (MPF), em parecer encaminhado ao STJ, manifestou-se contrário ao recurso do jornal, defendendo a manutenção da decisão da Justiça baiana.
Liberdade de imprensa em confronto no Brasil: tutela judicial, corrupção e “crime de Estado”
A disputa pela liberdade de imprensa no Brasil expõe um cenário marcado pelo intervencionismo judicial, pelo uso recorrente de ordens de remoção de conteúdos e pela exigência de dados de jornalistas e veículos. Esse quadro se agrava com a corrupção sistêmica que permeia o Poder Judiciário, o Ministério Público e as forças policiais, conforme analisa o jornalista e cientista social Carlos Augusto em suas teses sobre a Cleptocracia Autocrática Judicial no Brasil (CAJB) e o Crime de Estado Contra a Liberdade de Imprensa.
Padrões jurídicos e garantias constitucionais
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 13) e a Declaração de Princípios da CIDH (Princípio 8) asseguram a confidencialidade das fontes e proíbem restrições prévias à liberdade de expressão.
Na legislação brasileira, a Constituição Federal (art. 5º, XIV) garante o sigilo da fonte como direito fundamental, pilar da atividade jornalística, que não pode ser relativizado sem fundamentação robusta e proporcionalidade estrita.
Tutela judicial e medidas excepcionais
Nos últimos anos, o Brasil consolidou um regime de tutela judicial digital, especialmente por meio do Inquérito das “fake news”. O STF determinou suspensões de contas e remoções de conteúdos, medidas vistas por críticos como opacas e desproporcionais.
Também se registraram bloqueios de aplicativos, como o Telegram (2022) e o X/Twitter (2024), que demonstram a tendência de ampliar a autoridade judicial sobre plataformas essenciais ao debate público.
Caso em foco — Jornal A Tarde
Em decisão recente, o TJBA ordenou que o jornal A Tarde entregasse dados cadastrais e IP logs da coluna “O Carrasco”. A decisão foi classificada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) como inconstitucional e lesiva à liberdade de imprensa. O recurso será analisado pelo STJ entre os dias 28/08 e 03/09/2025.
Para críticos, a medida abre um precedente perigoso: a transformação de demandas judiciais em instrumentos de violação do sigilo de fonte, enfraquecendo um dos pilares do jornalismo investigativo.
Corrupção institucional e a tese da CAJB
Segundo Carlos Augusto, a estrutura brasileira sofre de uma cleptocracia autocrática judicial, em que juízes, membros do Ministério Público e forças policiais operam de forma articulada em um sistema permeado por corrupção. Essa lógica transforma a Justiça em instrumento de autopreservação e poder, comprometendo sua imparcialidade e afetando diretamente a liberdade de expressão.
O autor destaca que, ao lado de decisões arbitrárias, esse quadro configura um verdadeiro Crime de Estado Contra a Liberdade de Imprensa, pois deixa de ser um abuso episódico e se converte em prática estrutural e sistêmica.
Clima de descrédito internacional e seletividade judicial
Mais do que a pressão interna, episódios recentes evidenciam como o Poder Judiciário brasileiro, em especial o STF, sofre descrédito internacional por suas práticas de restrição à imprensa e perseguição a opositores políticos. Jornalistas ligados ao bolsonarismo, como Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio, recorreram a cortes estrangeiras denunciando violações de direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Nos Estados Unidos, Allan dos Santos obteve proteção judicial, com decisões que reconheceram os abusos cometidos pelo STF e impediram sua extradição. De forma semelhante, na Espanha, Oswaldo Eustáquio conseguiu respaldo das cortes locais, que entenderam que as medidas impostas pelo Judiciário brasileiro configuravam perseguição política e violação de garantias constitucionais universais.
Esses reconhecimentos internacionais projetam um dado preocupante: tribunais estrangeiros passaram a enxergar que o STF age de forma arbitrária, extrapolando suas funções e comprometendo a própria credibilidade institucional do Brasil. A seletividade e o viés ideológico das decisões judiciais nacionais, denunciados em teses como a Cleptocracia Autocrática Judicial no Brasil (CAJB), reforçam a percepção de que o país caminha para um modelo de excepcionalidade permanente, em que a violação da liberdade de imprensa se converte em política de Estado não declarada.
“Crime de Estado” e o precedente Herzog
O assassinato de Vladimir Herzog (1975), reconhecido pela Corte Interamericana como um crime de Estado, permanece como referência histórica. Em 2025, o governo brasileiro admitiu oficialmente a responsabilidade e firmou acordo de reparação à família. O episódio reafirma a necessidade de preservar a memória e garantir que abusos institucionais não se repitam sob novas formas.
Tutela judicial excessiva, somada à corrupção sistêmica
O Brasil atravessa uma conjuntura em que a tutela judicial excessiva, somada à corrupção sistêmica que permeia tribunais, Ministério Público e forças policiais, ameaça consolidar um regime de excepcionalidade permanente. Como apontam as teses de Carlos Augusto, a conjugação de ordens judiciais arbitrárias, bloqueios de plataformas e perseguições jurídicas direcionadas produz um ambiente hostil em que a violação da liberdade de imprensa deixa de ser fato isolado para configurar uma política de Estado não declarada. Trata-se de um processo insidioso que aproxima a realidade brasileira de um crime de Estado contemporâneo contra o jornalismo, exigindo vigilância permanente das instituições, reformas estruturais profundas e mobilização da sociedade civil para conter a erosão dos direitos fundamentais.
O caso em julgamento expõe de forma aguda a colisão entre dois valores constitucionais fundamentais: de um lado, a liberdade de imprensa; de outro, a proteção à honra individual. A decisão do TJBA, ao determinar acesso a dados de colunistas e registros eletrônicos, estabelece um precedente perigoso, pois fragiliza o sigilo da fonte, considerado um dos pilares do jornalismo investigativo e protegido pela Constituição. Ainda que a proteção à dignidade pessoal seja legítima, o Judiciário mostra dificuldade em delimitar a fronteira entre crítica jornalística, sátira e ofensa, sobretudo em contextos de humor ou ironia.
O julgamento no STJ será, portanto, um marco determinante para estabelecer até que ponto a atuação da imprensa poderá ser efetivamente resguardada diante de acusações de abuso, ou se prevalecerá uma lógica de restrição que, em última instância, enfraquece a função democrática do jornalismo. Todavia, esse papel de guardião das liberdades fundamentais encontra-se comprometido pelo desgaste institucional da própria Corte. As revelações da Operação Sisamnes, que expuseram indícios de corrupção sistêmica e venda de decisões judiciais, projetam uma sombra sobre a credibilidade do tribunal. Em tal contexto, mesmo que o STJ adote um posicionamento formalmente favorável à liberdade de imprensa, a legitimidade de sua decisão poderá ser permanentemente questionada, pois paira a suspeita de que interesses alheios ao Direito influenciem o processo decisório.
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