O presidente nacional do PT, Edinho Silva, reconheceu, em entrevista concedida à BBC Brasil nesta sexta-feira (22/08/2025), que o partido enfrenta dificuldades para dialogar com a nova classe trabalhadora e ampliar apoio nas periferias e entre evangélicos, ao mesmo tempo em que criticou o fortalecimento do Congresso no controle do orçamento e defendeu a centralidade de Lula nas eleições de 2026. Em entrevista, ele abordou ainda os efeitos da polarização política, a necessidade de modernizar propostas em áreas como segurança pública e trabalho informal, a manutenção da aliança com Geraldo Alckmin, a preparação do PT para o futuro sem Lula, além das tensões internacionais com os Estados Unidos, o impacto do tarifaço de Donald Trump e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe.
O desafio de dialogar com a nova classe trabalhadora
O PT nasceu, no fim dos anos 1970, vinculado ao sindicalismo formal de fábricas, bancos e comércio, mas hoje enfrenta dificuldades para compreender trabalhadores sem vínculo empregatício. Motoristas de aplicativo, entregadores e freelancers digitais não se reconhecem nas propostas tradicionais da sigla, que ainda tenta legislar sob a ótica da CLT.
Para Edinho, a saída passa por novas formas de organização, como o cooperativismo, que permitiria crédito facilitado e mecanismos de proteção social sem exigir vínculo empregatício formal.
“O motorista de aplicativo não quer vínculo formal. O moto-entregador não quer vínculo formal. O trabalhador em home office, muitas vezes, não quer vínculo formal”, afirmou.
Resultados eleitorais e a perda de espaço nas periferias
Nas eleições municipais de 2024, o PT obteve recuperação modesta, passando de 183 para 252 prefeituras, mas conquistou apenas uma capital, Fortaleza. A derrota em grandes centros urbanos reforçou a percepção de que a legenda perdeu apoio da classe média periférica, segmento que já esteve mais alinhado ao partido.
Edinho reconhece que o desafio é estrutural:
“Existe uma nova classe trabalhadora se formando no Brasil. As novas tecnologias mudaram a base produtiva, e nós precisamos interpretar esses anseios para recuperar o diálogo.”
O poder do Congresso e o orçamento secreto
Outro ponto central da entrevista foi a crítica ao fortalecimento do Congresso Nacional na execução de emendas parlamentares, estimadas em R$ 52 bilhões. Para Edinho, o fenômeno descaracteriza o presidencialismo e limita a governabilidade.
Apesar da promessa de Lula em 2022 de acabar com o “orçamento secreto”, o presidente do PT reconheceu que não houve correlação de forças para alterar a dinâmica. Segundo ele, qualquer tentativa de mudança esbarra no Centrão, que defende interesses regionais e mantém maioria sólida no Legislativo.
STF e a judicialização da política
Na visão de Edinho, parte do debate sobre os limites do presidencialismo pode acabar no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele argumenta que, se a Constituição estabelece o Brasil como regime presidencialista, a transferência prática do orçamento ao Legislativo precisa ser enfrentada também no plano jurídico.
Esse posicionamento, no entanto, abre críticas quanto à judicialização da política, já que a discussão sobre governabilidade poderia ser resolvida no campo legislativo.
A centralidade de Lula em 2026
Mesmo diante dos desafios, Edinho reforçou a confiança na candidatura de Lula em 2026. O presidente completará 81 anos durante a campanha, mas, segundo seu aliado, vive “um dos melhores momentos de vitalidade e lucidez”.
Programas como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o novo PAC são apontados como trunfos eleitorais. Edinho afirma que o nível de entregas aumentará até 2026, reduzindo desgastes momentâneos e fortalecendo a imagem do governo.
Geraldo Alckmin e a política de alianças
Edinho destacou o papel do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) como “um homem íntegro e exemplar”, defendendo sua permanência na chapa de 2026. Segundo ele, as conversas com o PSB visam consolidar palanques fortes nos estados e ampliar a base de apoio ao governo.
O dirigente enfatizou ainda que o PSB continua favorito para ocupar a vice-presidência, mantendo a estratégia de frentes amplas que marcou a vitória de Lula em 2022.
O futuro do PT sem Lula
Questionado sobre a preparação da legenda para o futuro, Edinho disse que o sucessor de Lula será o partido. Para ele, a força do PT deve garantir o surgimento natural de novas lideranças. “Se o PT estiver forte e enraizado, ele produzirá muitas lideranças capazes de disputar eleições por décadas”, afirmou.
Essa posição, embora reafirme a perenidade da sigla, evidencia a dependência histórica em torno da figura de Lula e a necessidade de renovação interna.
Perda de apoio evangélico e polarização política
Outro ponto sensível admitido pelo dirigente é a dificuldade do PT em dialogar com o eleitorado evangélico, cada vez mais associado a setores conservadores. Edinho afirma que a sigla precisa intensificar o diálogo, destacando que políticas sociais defendidas por Lula — como creches, educação integral e o Bolsa Família — também representam valores da família brasileira.
Ele relaciona a dificuldade ao fenômeno da polarização global, que, segundo ele, impede que entregas de governo se convertam automaticamente em apoio político.
Segurança pública e letalidade policial
Edinho também defendeu que o partido formule uma proposta nacional de segurança pública, envolvendo governadores e prefeitos. Entre os pontos citados estão o uso de tecnologia de monitoramento por câmeras, políticas de prevenção para jovens em conflito com a lei e a redução da letalidade policial.
Ele reconheceu, no entanto, a contradição de estados governados pelo PT, como a Bahia, registrarem altos índices de mortes decorrentes de ações policiais.
Relação com os EUA, Trump e o tarifaço
A entrevista também abordou o impacto do tarifaço de 50% imposto por Donald Trump sobre exportações brasileiras e as sanções aplicadas contra autoridades nacionais. Edinho classificou Trump como “o maior líder fascista do século 21” e defendeu que o Brasil não deve recuar diante das pressões americanas.
Segundo pesquisa Datafolha, 35% da população responsabiliza Lula pelo tarifaço, enquanto 39% atribuem a responsabilidade à família Bolsonaro. Para Edinho, os números refletem a polarização política, mas reforçam que a maioria da sociedade compreende o papel da oposição nesse processo.
Bolsonaro, golpe e julgamento no STF
Edinho também comentou o julgamento marcado para setembro do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe e de planejar ataques contra autoridades. Ele defendeu o devido processo legal, mas afirmou que “se culpado, deve pagar pela pena”.
Na avaliação do dirigente, a responsabilização é fundamental para impedir que derrotados em eleições futuras sintam-se autorizados a organizar novas tentativas de ruptura institucional.
Partido em transição
O discurso de Edinho Silva revela um partido em transição, que precisa adaptar-se ao novo mercado de trabalho, fortalecer laços com segmentos religiosos e reconstruir apoio nas periferias. Ao mesmo tempo, reforça a dependência da legenda em torno de Lula, cuja presença garante competitividade, mas evidencia fragilidade no surgimento de novas lideranças.
As tensões com os Estados Unidos, a perda de base evangélica e os desafios na segurança pública ampliam as vulnerabilidades do PT. A estratégia de Edinho se apoia na ideia de modernização gradual, mas ainda carece de propostas concretas para setores emergentes. Se por um lado há confiança no carisma de Lula e na força histórica do partido, por outro, a polarização e a fragmentação social impõem riscos reais à hegemonia petista no cenário político brasileiro.
Síntese dos temas abordados
1. Nova classe trabalhadora e mercado de trabalho
- Dificuldade do PT em dialogar com motoristas de aplicativo, moto-entregadores e jovens profissionais digitais.
- Rejeição de parte dessas categorias ao vínculo formal da CLT.
- Defesa de cooperativismo como alternativa para organização e acesso a crédito.
- Estimativa de até 12 milhões de moto-entregadores no Brasil.
2. Resultados eleitorais e base social
- Nas eleições de 2024, o PT cresceu de 183 para 252 prefeituras, mas conquistou apenas uma capital (Fortaleza).
- Perda de apoio da classe média periférica e enfraquecimento conjuntural no Nordeste.
- Dificuldade em reconquistar diálogo com eleitorado evangélico, mais próximo de pautas conservadoras.
3. Congresso e presidencialismo
- R$ 52 bilhões do orçamento executados diretamente por parlamentares via emendas.
- Crítica à descaracterização do presidencialismo, iniciada no governo Temer e aprofundada sob Bolsonaro.
- Reconhecimento de que Lula não conseguiu cumprir a promessa de acabar com o “orçamento secreto”.
- Sugestão de que parte do embate seja decidida pelo STF.
4. Lula e eleições de 2026
- Lula terá 81 anos em 2026, mas, segundo Edinho, vive um dos melhores momentos de saúde e disposição.
- Defesa de que Lula permanece competitivo e central para a eleição.
- Destacados como trunfos eleitorais: Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e PAC.
- Preparação do partido para o futuro: “O sucessor de Lula será o PT como instituição”.
5. Alianças políticas e Geraldo Alckmin
- Defesa da permanência de Geraldo Alckmin (PSB) como vice em 2026.
- Elogios ao vice como “líder íntegro e exemplar”.
- Negociações com o PSB e João Campos para manter a coalizão e construir palanques estaduais.
6. Segurança pública
- Necessidade de o PT formular proposta nacional integrada.
- Ênfase em tecnologias de monitoramento por câmeras.
- Políticas de prevenção para jovens em conflito com a lei.
- Reconhecimento da contradição: a PM da Bahia, governada pelo PT, está entre as mais letais do país.
7. Polarização política e opinião pública
- Polarização impede que indicadores positivos (PIB, desemprego, renda) se traduzam em popularidade.
- Menção à liderança de Giorgia Meloni como exemplo de aprovação num cenário polarizado.
- Defesa de que Lula cresce quando o debate se concentra em “modelo de sociedade”.
8. Relações internacionais e Estados Unidos
- Tarifaço de Donald Trump: 50% sobre exportações brasileiras.
- Pesquisa Datafolha: 35% culpam Lula pelo tarifaço; 22% culpam Jair Bolsonaro; 17% Eduardo Bolsonaro.
- Edinho classifica Trump como “maior líder fascista do século 21”.
- Defesa de que o Brasil não deve recuar em suas instituições, mesmo diante de sanções.
9. Jair Bolsonaro e julgamento no STF
- Julgamento do ex-presidente marcado para setembro de 2025.
- Acusação: tentativa de golpe e plano de assassinato de lideranças políticas.
- Edinho defende o direito de defesa, mas reforça que, se culpado, Bolsonaro deve ser condenado.
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