A sessão ordinária de quarta-feira (08/10/2025) do Supremo Tribunal Federal (STF) transformou-se em palco de tensão política e institucional. O ministro Gilmar Mendes fez duras críticas à Operação Lava Jato, denunciando o que classificou como “abusos, conluio e degradação do devido processo legal”, enquanto o ministro Luiz Fux deixou o plenário minutos antes do discurso, após uma discussão reservada entre ambos nos bastidores.
O episódio, que rapidamente repercutiu entre magistrados, procuradores e parlamentares, evidenciou a crise de confiança e coesão interna no STF — uma corte que, ao julgar os excessos da Lava Jato, também revisita o próprio papel que desempenhou durante o auge da operação.
Os bastidores do Confronto e a saída de Fux
De acordo com relatos colhidos por jornalistas e servidores da Corte, a divergência começou em uma conversa privada entre Luiz Fux e Gilmar Mendes, antes do início da sessão plenária. Fux teria advertido o colega sobre o tom reiteradamente político de suas manifestações contra a Lava Jato, afirmando que tais declarações poderiam comprometer a credibilidade institucional do Supremo.
Gilmar reagiu de forma contundente, sustentando que o STF “não pode ser cúmplice do erro, nem prisioneiro da imagem pública construída sobre falsos heróis”. O embate teria se estendido por alguns minutos, em um diálogo descrito como áspero e tenso.
Pouco depois, Fux entrou no plenário, recolheu documentos e deixou a sala discretamente. Ministros presentes mantiveram o protocolo, evitando comentários. Contudo, o gesto foi interpretado por observadores como um ato de repúdio simbólico à retórica de Gilmar Mendes e um sinal de exaustão diante do clima de confronto que vem se agravando dentro do tribunal.
As críticas de Gilmar Mendes: “A Lava Jato foi um projeto de poder”
Ao retomar o julgamento, Gilmar Mendes proferiu um voto extenso, de mais de duas horas, no qual acusou a força-tarefa de Curitiba de ter se transformado em um “instrumento político travestido de moralismo judicial”. Segundo o ministro, a Lava Jato violou garantias fundamentais, instrumentalizou a imprensa e comprometeu o equilíbrio entre as instituições.
“A história revelará que a Lava Jato foi menos um esforço contra a corrupção e mais um projeto de poder, montado sobre o discurso da pureza ética. Cabe ao Supremo corrigir esse desvio e restaurar a confiança no Estado de Direito”, afirmou Gilmar, em tom enfático.
O ministro também mencionou o caso Vaza Jato, ressaltando que as mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da República demonstram “conluio processual e partidarização da Justiça”. Em seguida, citou precedentes internacionais, comparando a atuação da força-tarefa a tribunais de exceção, e defendeu a nulidade de condenações obtidas sob “pressão psicológica e coação de delatores”.
Para Gilmar Mendes, a revisão de sentenças da Lava Jato não é um ataque à moralidade pública, mas “uma exigência constitucional de justiça processual”.
O silêncio estratégico do STF e as reações políticas
A assessoria do STF não comentou oficialmente o episódio, reforçando a tradição da Corte de evitar manifestações sobre embates internos. No entanto, ministros próximos a Fux consideraram “inoportuno” o discurso de Gilmar Mendes em um momento em que o Supremo tenta recompor sua imagem pública após as sanções internacionais impostas por Washington ao ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Global Magnitsky.
Nos bastidores, aliados de Gilmar enxergaram na saída de Fux um gesto de intolerância e censura indireta à liberdade de expressão dentro do colegiado. Já juristas e ex-ministros consultados avaliaram que o episódio é reflexo de um tribunal fragmentado, em que divergências doutrinárias se misturam a disputas de protagonismo político e moral.
O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, manteve-se em posição de neutralidade, limitando-se a encerrar a sessão sem comentários adicionais.
Os Efeitos do Conflito: Revisão de Sentenças e Desgaste Institucional
A fala de Gilmar Mendes ocorre em meio a uma série de decisões do STF que vêm revisando condenações da Lava Jato, sob alegação de vícios processuais e nulidades de provas. Desde 2021, mais de 25 sentenças foram anuladas, inclusive contra ex-executivos da Petrobras e políticos do MDB e do PT.
Esse movimento tem provocado irritação em setores do Ministério Público Federal e alimentado críticas de antigos integrantes da força-tarefa, que acusam o Supremo de “revisar a história para absolver culpados”.
No entanto, analistas jurídicos destacam que a Corte enfrenta o dilema entre preservar a segurança jurídica das decisões e corrigir abusos processuais documentados. O episódio envolvendo Fux e Gilmar, portanto, é sintomático de uma disputa mais ampla: a narrativa final sobre o papel do Judiciário na crise política brasileira da década passada.
Um Tribunal em Busca de Coerência
O embate entre Gilmar Mendes e Luiz Fux deve ser compreendido como parte de uma disputa ideológica e simbólica sobre o que significa fazer justiça em um país marcado pela politização do Judiciário.
De um lado, Gilmar encarna o papel do crítico institucional, que denuncia a captura moral e midiática do sistema judicial. De outro, Fux representa o jurista da estabilidade, defensor da autoridade das decisões e da preservação da confiança pública no tribunal.
Ambos, no entanto, atuam dentro de um cenário de erosão da credibilidade institucional, em que decisões contraditórias, discursos inflamados e embates pessoais corroem a imagem de imparcialidade do STF.
O Supremo, ao tentar revisar o passado, corre o risco de reproduzir as mesmas práticas que critica — interferências externas, vaidades internas e falta de coerência jurisprudencial. O episódio revela um tribunal que, ao julgar a Lava Jato, também julga a si mesmo.
O Supremo e o espelho da República
O confronto entre Gilmar Mendes e Luiz Fux não é apenas mais um episódio de desentendimento entre ministros — é um sintoma da desordem institucional que permeia o Estado brasileiro. O STF, ao refletir suas próprias contradições, torna-se espelho das tensões da República: moralismo seletivo, hiperexposição midiática e disputas por autoridade.
Resta saber se a Corte conseguirá transformar essa crise em autocrítica produtiva ou se seguirá como palco de confrontos pessoais que fragilizam a confiança pública. O julgamento da Lava Jato, no fundo, tornou-se o julgamento do próprio Supremo — um teste de coerência histórica e de maturidade institucional.
Outros confrontos de Gilmar Mendes: Um histórico de choques e cenas deploráveis
O protagonismo combativo de Gilmar Mendes no STF é antigo e repleto de confrontos públicos que ajudaram a moldar a percepção do tribunal. Entre os episódios mais notórios:
- Com Joaquim Barbosa (2013): Durante o julgamento do Mensalão, Gilmar acusou Barbosa de agir “com autoritarismo e grosseria”. Barbosa respondeu que o colega “não tem compostura para estar na Corte”, marcando um dos embates mais tensos da história recente do Supremo.
- Com Luís Roberto Barroso (2018): Em debate sobre o foro privilegiado, Barroso acusou Gilmar de “envergonhar o tribunal”, recebendo como resposta: “Vossa Excelência perdeu o pudor. Vossa Excelência é um personagem político, não um juiz”.
- Com Cármen Lúcia (2017): Gilmar criticou o que chamou de “presidencialismo de plenário” e a demora da então presidente em pautar ações relevantes. Cármen respondeu com ironia: “Cada qual fala de onde tem experiência”.
- Com o Ministério Público: Gilmar é um dos principais críticos do MPF, tendo afirmado em 2020 que a força-tarefa de Curitiba formava “uma quadrilha institucionalizada dentro do Estado”, expressão que lhe rendeu notas de repúdio da Procuradoria-Geral da República.
- Com o TSE e o governo Bolsonaro: No auge da pandemia, Gilmar travou embates com ministros militares e criticou duramente a “politização das Forças Armadas”, afirmando que o STF “não é quartel nem trincheira de governo”.
Esses confrontos, somados à retórica direta e por vezes sarcástica, consolidaram Gilmar como o ministro mais polêmico e longevo do STF. Sua postura desafia o protocolo tradicional da magistratura e revela o perfil de um jurista que enxerga o tribunal como arena política e moral, não apenas técnica.
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